Edu Carvalho*
No meu
aniversário, queria mesmo era ganhar algo para muito além de mim: a
possibilidade de meus sobrinhos crescerem e sonharem. E os amigos deles também
Nunca fui
muito de ter prazer com aniversário. Na verdade, nunca foi possível comemorar
muito por conta da situação financeira. O dinheiro que compraria o bolo, os
brigadeiros e o refri era o mesmo da carne moída, do macarrão e do pão no dia
seguinte à festa. Prioridades.
Mas daqui
a alguns dias, completo 21 anos, dançando ao som dos 150 bpm de Rennan da
Penha, contra toda a barbárie.
Me sinto
mais velho que isso. Durmo pouco; vivo em estado de alerta. E tenho percorrido
milhas entre as duas maiores cidades do pais: Rio e São Paulo. Aprendi a ser
frenético tanto quanto a Rocinha, favela da qual sou cria e que me impulsionou
a dar esse corajoso passo há três meses: me mudar temporariamente para outra
cidade.
E,
rascunhando minha jovem biografia, vejo que muitos poderiam ter chegado aqui
comigo. O Iago, o Cleiton... que não tiveram direitos, nem oportunidades. Você
não conhece eles, mas certamente viu histórias parecidas no jornal da TV
enquanto jantava. Cidadãos brasileiros, que como você, são tratados como
‘’futuro’’, mas que foram exterminados por um Estado que oprime com balas nada
perdidas, indo em direção a um mesmo rumo – o corpo negro. Me permito
problematizar: por qual razão mesmo?
''Por que
o senhor atirou em mim?''. Foi essa a última frase dita por Douglas Rodrigues,
17 anos, após o disparo de um policial, há três anos em São Paulo. Sua família
teve como resposta a absolvição do agente de segurança por ‘’insuficiência de provas’’.
Armas, no Brasil, aparentemente, têm vida própria, e basta que chacoalhem para
que disparos aconteçam, não é mesmo?
Segundo
dados da Fundação Abrinq divulgados pela GloboNews, mortes de jovens negros
tiveram um aumento de 428% nos últimos 20 anos. Só no Rio, a diferença entre os
percentuais de jovens negros e brancos é chocante: 78,1% negros, 21,2% brancos
apenas em 2017. Na capital paulista, o quadro está ‘’equilibrado’’: 51,7%
contra 47,1%.
A
conclusão da pesquisa não é nada esperançosa. “Se seguirem essa linha nos
próximos anos, o dado tende a piorar'', disse Heloisa Oliveira, administradora
executiva da Abrinq. No sofá assistindo o jornal ao meu lado, minha mãe foi
enfática: ''que tristeza''.
Ao longo de 21, inúmeros
são os macetes e estratégias
para não me tornar estatística.
E não é fácil
‘‘Confesso
que não faço muita coisa, vou mais na sorte mesmo’’ foi a frase um amigo,
quando perguntei sobre como faz para se manter vivo sendo ele jovem, branco e
morador de um bairro nobre. Eu confiar na sorte? Jamais. Ao longo de 21,
inúmeros são os macetes e estratégias para não me tornar estatística. E não é
fácil. A dinâmica do “abaixa-levanta-fica calado’’ foi coreografia que marcou a
primeira parte da infância. Afinal de contas, os barracos nas favelas não são
blindados e tiro ultrapassa parede. Já agora, faz pouco tempo, não sair com
mochila em dia de confronto foi a mais nova. E, é claro, com carteira de
identidade colada ao crachá do trabalho.
Mas sobre
o quê estava falando? Ah, sim, sobre fazer 21 anos. Na verdade, sobre não
encarar muito bem os aniversários. Sobre transitar entre duas cidades
violentas, sobre o genocídio da população da qual faço parte – e que é a
maioria da população brasileira – sobre nada acontecer ‘’por engano’’ numa
tarde de domingo, sobre as orações que faço dentro do 539, linha de ônibus que
circula entre a Zona Sul do Rio, e também quando estou dentro do vagão da CPTM,
em São Paulo.
Por isso,
no dia 6 de maio, talvez não seja interessante receber os “parabéns”. Eu queria
mesmo era ganhar algo para muito além de mim: a possibilidade de meus sobrinhos
crescerem e sonharem. E os amigos deles também. Meu maior e mais importante
feito até aqui é um só: estou vivo.
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* Edu Carvalho é jornalista, colaborador do programa
Conversa com Bial e ativista social na comunidade da Rocinha, no RioLink para matéria: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2019/Meu-maior-feito-%C3%A9-um-s%C3%B3-estar-vivo?utm_campaign=anexo&utm_source=anexo
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