Pergunto-me: de onde vem a paixão louca pela
série “Game of Thrones” (“GoT” para os íntimos)? A resposta deve ser
longa. Não quero respondê-la aqui.
Espanta-me que pessoas tão preocupadas em serem boas (como as
contemporâneas, cheias de causas do “bem”) podem gozar com uma produção
(nada de pessoal contra a série, inclusive porque não me incluo entre as
pessoas que querem ser boas) tão violenta —tanto no nível
explicitamente físico quanto no político e no psicológico. É evidente
que a velha pulsão de morte freudiana encontra em exemplos como essa
série seu parque temático do mal.
Essa questão me serve de gancho para pensar uma outra, esta sim, que
me ocupa há algum tempo. Por que mentimos tanto sobre os jovens hoje em
dia? Outra, relacionada à anterior: por que eles mentem tanto sobre si
mesmos e tantos de nós batemos palma para esse espetáculo de
“mortos-vivos”?
Um parêntese. O título acima, “World peace” (paz mundial), era a
resposta que as candidatas ao concurso de Miss Universo davam à pergunta
“o que você mais deseja na vida?”. Esta questão vinha acompanha por
outra: “Qual é seu livro de cabeceira?”. A resposta: “O Pequeno
Príncipe”. Afora a ingenuidade aparente dessas respostas, lembro-me bem
desses concursos porque era uma delícia ver tantas gostosas num programa
só, e de tantos países diferentes. Sei. Hoje em dia achar uma mulher
gostosa é “masculinidade tóxica”.
Explicado o título, voltemos às duas questões enunciadas
anteriormente sobre os jovens. Numa pesquisa recente de um desses
institutos com credibilidade que saiu na grande mídia, os jovens
latino-americanos, inclusive os brasileiros, revelaram ter o mesmo humor
depressivo mostrado em pesquisas com jovens americanos.
Depressão, medo do futuro, falta de expectativas, dificuldades
nos relacionamentos afetivos, queda de esperança no cotidiano. Nada de
novo no fronte desde meados dos anos 2000, quando começaram a aparecer
pesquisas de comportamento nos Estados Unidos com os chamados
“millennials”. E as escolas, as universidades e as famílias continuam na
sua batida mentirosa e marqueteira sobre como os jovens estão
“evoluídos”.
O que chamou minha atenção especificamente nessa pesquisa não foi o
estado de humor dos jovens latino-americanos. Como costumo dizer,
atuando em graduação há mais de 20 anos, podemos constatar, no mínimo,
duas coisas.
A primeira é que, a cada ano, nós, professores, estamos mais velhos, enquanto os alunos têm sempre a mesma idade.
A segunda é que podemos perceber, claramente, que o humor dos jovens
está a cada ano mais depressivo. Os jovens estão piores, e não melhores.
O que chamou minha atenção especificamente foram as respostas desses
jovens, que a pesquisa trouxe, como causas para esse humor depressivo: a
preocupação com o aquecimento global, a violência contra os animais e
os direitos humanos e a perseguição à liberdade de expressão.
Perdoe-me a sinceridade: essas “causas” são mentira e marketing. Não
acredito nessas “causas”. Não que os temas não sejam preocupantes, mas
não creio que elas sejam as verdadeiras causas do humor depressivo entre
os jovens. Acho que elas são respostas prontas que mostram no que
transformamos os jovens. Eles são, desde os anos 1960, um fetiche da
burguesia. E dos mais óbvios. Pais e escolas adoram esse fetiche porque
ele os faz parecer geradores de um futuro melhor. Porém, o que ocorre é
que esse fetiche aumenta a distância entre a realidade (psíquica, social
e política) desses jovens e a projeção que o marketing de comportamento
faz deles.
A maioria esmagadora da população não liga para liberdade de
expressão. Só quem liga para ela são jornalistas, professores, artistas
ou intelectuais em geral. A menos que a repressão sobre a liberdade de
expressão torne seu jantar impossível, ela que se dane. Quanto às outras
“causas”, elas estão bem distantes do dia a dia concreto da maioria
esmagadora desses jovens. Mas muita gente acredita mesmo que esses
deprimidos estejam assim porque “querem um mundo melhor”. Mas essas
respostas são como a resposta “world peace”, dada pelas gostosas no
concurso de Miss Universo. Puras “fake news” com aprovação de todos.
Creio mais que as causas sejam famílias disfuncionais, mercado de
trabalho em transformação monstruosa, instabilidade afetiva, insegurança
identitária, desconfiança epidêmica. Dizer que estão deprimidos por
causa de questões políticas e sociais é mais fácil do que enfrentar o
quarto desarrumado e o banheiro sujo.
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