Em 'O construtor de pontes', escritor australiano Markus Zusak apresenta ficção não linear sobre um filho que recebe do pai a missão de construir uma ponte
Com uma premissa simples, Markus Zusak convida o leitor a experimentar uma metamorfose: a transformação do cotidiano insosso de uma família não tradicional em uma verdadeira odisseia. Após 13 anos, o autor de A menina que roubava livros retorna com O construtor de pontes (Intrínseca, 2019) — uma trama não linear que cativa não só pela poesia, mas pela maneira com que cenas do cotidiano ganham significado.
Com A menina que roubava livros, liderou as listas de mais vendidos do jornal The New York Times,
se transformou em best-seller internacional e ganhou versão
cinematográfica. Desta vez, quem conta a história é Matthew, o mais
velho dos cinco irmãos Dunbar, que, após viverem um trauma, são
abandonados pelo pai, Michael, à própria sorte. Diante da tarefa de
aprenderem a sobreviver sozinhos, o primogênito puxa para si a chefia da
família e a administração de uma casa caótica.
Mas
a história não é sobre Matthew. É sobre Clay. O quarto e mais
enigmático dos irmãos, a partir do dia em que ele se torna supostamente
traidor. Ou, pelo menos, é esse o termo que o primogênito usa. A trama
tem início no dia em que o patriarca volta para casa anos após
abandoná-los e pede ajuda para construir uma ponte. Com a negativa dos
irmãos, Clay é o único que aceita a tarefa, consciente de todas as
consequências daquela escolha. E é aí que tudo começa a mudar.
Cada
irmão tem um papel fundamental: além de Matthew, há o violento e
agressivo Rory, ou, nas palavras dos irmãos, o “rolo-compressor humano”;
Henry, o apostador e colecionador; o quieto Clay; e Tommy, o caçula,
responsável por trazer animais improváveis para dentro de casa. E,
aqui, o termo não é um eufemismo. A residência dos irmãos Dunbar abriga
uma cadela, um gato, um peixe-dourado, um pombo e até uma mula, todos
batizados com nomes de personagens do filósofo Homero, autor de Ilíada e
Odisseia — obras com muitas referências dentro do livro.
A
narrativa oscila entre passado, presente e futuro ao contar as memórias
da família desde sua origem até o momento em que Matthew decide se
sentar, anos depois, em frente a uma máquina de escrever — um velho
objeto familiar apelidado de tec tec. Aqui, todas as histórias do
passado se costuram, e tudo tem um porquê.
Com
uma trajetória grandiosa, O construtor de pontes tece uma história cheia
de metáforas, aborda o conflito e as relações familiares, a dualidade
entre a vida e a morte, amadurecimento, luto e saudade. A narrativa
apresenta elementos clássicos e referências a grandes obras da
literatura e da arte, como Homero e Michelangelo.
É um novo livro, mas Zusak traz características de projetos anteriores: a construção poética e a presença da morte, como em A menina que roubava livros (2005); a relação de violência e amor entre irmãos, como na série O azarão (1999); e a linguagem leve e humorada como em Eu sou o mensageiro (2002). Em O construtor de pontes,
Zusak trouxe seus personagens antigos todos de volta — cada qual à sua
maneira. E, nesta entrevista, Zuzak fala em entrevista ao Correio sobre
as caraterísticas dos seus livros, as referências clássicas e
mitológicas, e o processo de criação.
Entrevista /Markus Zusak
Há a presença das lutas e brigas também, como entre os irmãos Dunbar e os irmãos Wolfe. De onde vem isso?
Acho
que, talvez, nossas próprias obsessões ocultas vem à tona quando
escrevemos. Corrida e luta sempre aparecem nos meus livros e há
definidas razões. Eu nunca fui bom em nada quando comecei. Eu sempre
tive que treinar por um longo período de tempo — geralmente anos — para
me tornar bom. E eu acho que é por isso que as corridas sempre aparecem
nos meus livros. Ela é a primeira coisa que eu penso como um
treinamento. E a luta é tão solitária quanto a escrita é como profissão.
Quando você é um escritor, chega a um ponto em cada livro onde você tem
que dizer: “Ninguém pode me ajudar. Só eu posso fazer isso”. Por fim, a
aparição da morte como em O construtor de pontes é um instrumento,
porque existem duas mortes de impacto na vida de Clay. Eu acho que
personifiquei a morte nesses poucos momentos quase como um agradecimento
aos leitores de A menina que roubava livros.
Você
passou os últimos 13 anos escrevendo esse livro. Basicamente cresceu
com essa história. Qual você diria que é o personagem mais parecido com
você?
Eu acho que a ambição de Clay vem de mim
mesmo. Eu me vejo mais como ele e como Matthew. Eu sempre senti de certa
forma uma responsabilidade pelas coisas, assim como Matthew se sente
responsável pela família e pela narração da história. Mas eu acho que é
Clay — e certamente não por seus heroísmos e tragédias — mas mais pelo
fato de ele estar sempre pedindo para seus pais contarem histórias. Ele é
um grande amante de histórias, e esse amor pelas histórias me levou a
querer ser escritor.
Seus livros têm
sempre uma referência a outras obras da literatura ou das artes. Desta
vez, há muito de Homero e Michelangelo. Há alguma razão para essas
referências?
Há
sempre uma razão para elas serem sempre mencionadas. A Ilíada e a
Odisseia são importantes em O construtor de pontes por causa de sua
escalada e jornada épicas. Em algum momento, percebi que estava
escrevendo um “épico suburbano”, e eu gostei da ideia de que nós sempre
pensamos que vivemos vidas maçantes...Mas nós todos nos apaixonamos,
todos nós temos pessoas que amamos que morrem. Na verdade, há grandeza
na nossa vida, e eu quero escrever sobre esses momentos. Eu também
estava muito interessado na ideia de que nós começamos a virar quem nós
somos muito antes de nós nascermos. Esse é o motivo pelo qual escrevi o
passado da família Dunbar, onde a vida dos pais de Clay — Michael e
Penny — são o coração do livro em alguns aspectos. Michelangelo foi tão
importante para as ambições de Clay de fazer algo verdadeiramente
grande — que transcendesse a humanidade. Clay quer fazer uma coisa linda
e perfeita na forma de uma ponte, mas muito do livro depende da ideia
de que Michelangelo também começou esculturas que não terminou: figuras
que ainda estão presas no mármore, que é muitas vezes como Clay se
sente — preso em sua própria humanidade.
O construtor de pontes
De Markus Zusak. Tradução: Stephanie Fernandes e Thaís Paiva. Intrínseca, 528 páginas. R$ 54,90
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postado em 18/05/2019 06:00 / atualizado em 18/05/2019 18:36
Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2019/05/18/interna_diversao_arte,755633/markus-zusak-o-construtor-de-pontes.shtml
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