Aloma Rodríguez*
Natalia Ginzburg (1916-1991) contava que, no começo, quando foi mãe,
não entendia como era possível escrever tendo filhos. “Não entendia
como poderia me separar deles para seguir o personagem de uma história”,
escreve no ensaio Meu Ofício, incluído em As Pequenas Virtudes
(Cosac Naify, esgotado). Ginzburg teve cinco filhos e publicou
romances, ensaios e peças de teatro, então encontrou um jeito. Mas a
ambivalência em torno da maternidade continua sendo objeto de reflexões,
e a relação entre escrever e criar filhos vai ganhando espaço nas livrarias.
Uma postura intermediária foi adotada por Laura Sandler em um provocador artigo publicado em 2013 pela revista The Atlantic. Intitulado O Segredo de Ser Uma Escritora de Sucesso e Mãe: Ter Só Um Filho,
aquele texto desatou uma polêmica da qual participou, entre outras,
Zadie Smith. Sandler se baseava na resposta da artista Alice Walker à
pergunta sobre se criadoras devem ter filhos: “Devem ter filhos –
supondo-se que desejem –, mas só um. Com um você consegue se movimentar.
Com mais você é como uma pata choca”. Sandler observa que Walker teve
um só filho, como Susan Sontag, Elizabeth Hardwick, Joan Didion e
Margaret Atwood. Zadie Smith respondeu: “Tenho dois filhos. Dickens teve
10 – e acho que Tolstói também. Alguém se preocupou em algum momento se
esses homens eram pais demais para serem escritores?”. O que incomodou
Smith foi a sugestão de que ter filhos diminui a criatividade: “A
simples ideia de que a maternidade seja obrigatoriamente uma ameaça para
a criatividade é
totalmente absurda. A verdadeira ameaça para a liberdade é o problema
da falta de tempo, que é igual se você for escritora, enfermeira ou
trabalhar em uma fábrica”. Conciliar a maternidade com a escrita, ou com
qualquer outro trabalho, tem a ver, como observou Jane Smiley por conta
dessa discussão, com algo mais tangível: “O segredo não está em ter só
um filho, e sim em viver onde há boas creches e seja socialmente aceito
que os homens dediquem tempo a participar da educação de seus filhos”.
Contra os Filhos (Todavia), da chilena Lina Meruane, expõe
um argumento um pouco mais ousado: ataca o lugar central das crianças na
vida dos progenitores. Nesse livro, revisto e ampliado na edição de
2018, Meruane fala sobre célebres escritoras sem filhos: Teresa de
Ávila, Emily Dickinson, Jane Austen, Katherine Mansfield, Dorothy Parker
e Virginia Woolf.
Embora a lista de escritoras mães seja igualmente longa, Meruane
acredita que “todas são assombradas por esse anjo transtornador que as
incita a escolher”. E se a escolha tiver que ser feita, uma resposta
frequente é a dada por Clarice Lispector:
“Eu desistiria da literatura. Não tenho dúvidas de que como mãe sou
mais importante que como escritora”. Claro que também há exemplos de
autoras que, diante da alternativa, deixaram seus filhos, caso de Doris
Lessing e Muriel Spark, como aponta Meruane.
O assunto, entretanto, não é tanto uma questão ontológica quanto material, de organização do tempo. Alice Munro,
uma ganhadora do Nobel que só publicou seu primeiro livro de contos aos
37 anos, sempre disse que escrevia contos em vez de romances porque era
o que conseguia durante as sestas de seus filhos. Edna O’Brien,
entretanto, não renunciou a se lançar com um romance aproveitando o
horário escolar, como conta em Country Girl: “Deixava-os na
escola e voltava correndo para casa para escrever; sentava-me no amplo
parapeito da janela do quarto deles, que era bastante profundo, e
escrevia em blocos de anotações comprados na Irlanda, chamados Aisling,
que em gaélico significa sonho ou visão. (…) Cada dia
às 13h45, horário em que levava ao meu marido sua bandeja com chá Earl
Grey e duas torradas ligeiramente queimadas com um pouco de azeite de
oliva, soltava o bloco de anotações com a esperança de que o capítulo do
dia seguinte se mantivesse intacto em mim”.
Shirley Jackson usava o tema doméstico para escrever textos autoparódicos sobre sua vida como dona de casa
Um caso paradigmático da turbulenta relação entre as tarefas de uma mãe de família e a literatura é Shirley Jackson, autora de A Assombração da Casa da Colina
e referência, entre outros, para Stephen King. Ela se definia como “uma
escritora que, por uma série de erros de avaliação próprios da
ingenuidade e da ignorância, se vê mergulhada em uma família com quatro
filhos e um marido, numa casa de 18 cômodos, sem nenhuma ajuda”. Jackson
usava o tema doméstico para escrever textos autoparódicos sobre sua
vida como dona de casa, mas também lhe servia de inspiração para sua
literatura mais fantástica. Let Me Tell You (sem tradução no
Brasil) reúne muitos de seus textos sobre seu ofício e sobre como se
organizava para conseguir horas de escrita. Conta que se distraía da
monotonia das tarefas domésticas imaginando histórias. “Um escritor
sempre está escrevendo”, diz Jackson. Tampouco uma mãe deixa de sê-lo.
Mas aprende a conciliar, como descobriu Natalia Ginzburg: “O que eu
sentia por meus filhos era um sentimento que ainda não tinha aprendido a
dominar. Depois fui aprendendo pouco a pouco. Nem sequer demorei muito.
Ainda preparava molho de tomate e sopa de sêmola, mas ia pensando no
que escreveria.”
Escrever e criar os filhos são coisas que ocorrem num mesmo
espaço, o da casa, e talvez por isso todas as escritoras mães procurem
com ainda mais afinco aquele “um quarto só seu” de Virginia Woolf. E, se
tiver trinco, melhor ainda.
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* Escritora e tradutora.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/02/cultura/1556793186_130621.html
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