BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS, professor em Coimbra e em Austin
(USA) é um dos que melhor pensa o processo de globalização a partir do
Grande Sul. Conta-se entre os fundadores do Forum Social Mundial onde é
uma das vozes mais ouvidas pela pertinência e originalidade do seu
pensamento que advem do fato de pensar a partir das alternativas negadas
pelo sistema imperante e que contem sementes para um outro mundo
possivel e necessário. Sempre tem desafiado as esquerdas para superarem
as armadilhas que o neoliberlismo lhes prepara e assim ocupá-las com
falsos problemas e começarem a apresentar algo realmente novo que poderá
configurar uma saida bem sucedida à atual crise sistêmica. LBoff
*******************************************************************
*******************************************************************
Por que é que a actual crise do capitalismo fortalece quem a causou?
Por que é que a racionalidade da “solução” da crise assenta nas previsões que faz e não nas consequências que quase sempre as desmentem?
Por que é que a racionalidade da “solução” da crise assenta nas previsões que faz e não nas consequências que quase sempre as desmentem?
Por que é que está ser tão fácil ao Estado trocar o bem-estar dos
cidadãos pelo bem-estar dos bancos? Por que é que a grande maioria dos
cidadãos assiste ao seu empobrecimento como se fosse inevitável e ao
enriquecimento escandaloso de poucos como se fosse necessário para a sua
situação não piorar ainda mais? Por que é que a estabilidade dos
mercados financeiros só é possível à custa da instabilidade da vida da
grande maioria da população?
Por que é que os capitalistas individualmente são, em geral, gente de
bem e o capitalismo, no seu todo, é amoral? Porque é que o crescimento económico é hoje a panaceia para todos os males da economia e da sociedade sem que se pergunte se os custos sociais e ambientais são ou
não sustentáveis? Porque é que Malcom X estava cheio de razão quando advertiu: “se não tiverdes cuidado, os jornais convencer-vos-ão de que a culpa dos problemas sociais é dos oprimidos, e não de quem os oprime”?
Por que é que as críticas que as esquerdas fazem ao neoliberalismo
entram nos noticiários com a mesma rapidez e irrelevância com que saem?
Por que é que as alternativas escasseiam no momento em que são mais
necessárias?
Estas questões devem estar na agenda de reflexão política das esquerdas sob pena de, a prazo, serem remetidas ao museu das felicidades passadas. Isso não seria grave se esse facto não significasse, como
significa, o fim da felicidade futura das classes populares. A reflexão deve começar por aí: o neoliberalismo é, antes de tudo, uma cultura de medo, de sofrimento e de morte para as grandes maiorias; não se combate com eficácia se não se lhe opuser uma cultura de esperança, de felicidade e de vida. A dificuldade que as esquerdas têm em assumirem-se como portadoras desta outra cultura decorre de terem caído durante demasiado tempo na armadilha com que as direitas sempre se mantiveram no poder: reduzir a realidade ao que existe, por mais injusta e cruel que seja, para que a esperança das maiorias pareça irreal.
significa, o fim da felicidade futura das classes populares. A reflexão deve começar por aí: o neoliberalismo é, antes de tudo, uma cultura de medo, de sofrimento e de morte para as grandes maiorias; não se combate com eficácia se não se lhe opuser uma cultura de esperança, de felicidade e de vida. A dificuldade que as esquerdas têm em assumirem-se como portadoras desta outra cultura decorre de terem caído durante demasiado tempo na armadilha com que as direitas sempre se mantiveram no poder: reduzir a realidade ao que existe, por mais injusta e cruel que seja, para que a esperança das maiorias pareça irreal.
O medo na espera mata a esperança na felicidade. Contra esta
armadilha é preciso partir da ideia de que a realidade é a soma do que
existe e de tudo o que nela é emergente como possibilidade e como luta
pela sua concretização. Se não souberem detectar as emergências, as
esquerdas submergem ou vão para o museu, o que dá no mesmo.
Este é o novo ponto de partida das esquerdas, a nova base comum que lhes permitirá depois divergirem fraternalmente nas respostas que derem às perguntas que formulei. Uma vez ampliada a realidade sobre que se deve actuar politicamente, as propostas das esquerdas devem ser credivelmente percebidas pelas grandes maiorias como prova de que é possível lutar contra a suposta fatalidade do medo, do sofrimento e da morte em nome do direito à esperança, à felicidade e à vida.
Essa luta deve ser conduzida por três palavras-guia: democratizar,
desmercantilizar, descolonizar. Democratizar a própria democracia, já
que a actual se deixou sequestrar por poderes anti-democráticos. É
preciso tornar evidente que uma decisão democraticamente tomada não pode
ser destruída no dia seguinte por uma agência de rating ou por uma
baixa de cotação nas bolsas (como pode vir a acontecer proximamente em
França). Desmercantilizar significa mostrar que usamos, produzimos e
trocamos mercadorias mas que não somos mercadorias nem aceitamos
relacionar-nos com os outros e com a natureza como se fossem apenas
mercadorias.
Somos cidadãos antes de sermos empreendedores ou consumidores e para o
sermos é imperativo que nem tudo se compre e nem tudo se venda, que
haja bens públicos e benscomuns como a água, a saúde, a educação.
Descolonizar significa erradicar das relações sociais a autorização para
dominar os outros sob o pretexto de que são inferiores: porque são
mulheres, porque têm uma cor de pele diferente, ou porque pertencem a
uma religião estranha.
-----------------------
Fontes: Visão 5/4/2012http://leonardoboff.wordpress.com/2012/04/09/
Nenhum comentário:
Postar um comentário