Frei Bento Domingues, O.P. *
1. Voltaram, este ano, a perguntar-me a
data do nascimento de Jesus. Nestas crónicas, dei, várias vezes, para
esse peditório. Já recebemos das investigações dos historiadores e dos
exegetas do Novo Testamento todos os dados da questão. No entanto, ano
após ano, os meios de comunicação social apresentam, como se fosse a novidade de última hora, ocultada pelas igrejas, a grande revelação: Jesus não nasceu no dia 25 de Dezembro e, do seu nascimento, não se sabe nem o ano nem o dia.
Acerca do Natal - como verdade, lenda e mito - remeto para a grande obra do rigoroso exegeta açoriano, A. Cunha de Oliveira[1].
Para os interessados, deixo aqui o resumo e a
reflexão hermenêutica do grande historiador Gerd Theissen, ao concluir o
seu cuidadoso estudo da estrutura cronológica da vida de Jesus[2]:
Jesus nasceu antes da morte de Herodes I, isto é, entre 6/4 a.C..
Durante o governo de Pôncio Pilatos (26-36 d. C.) desenvolveu a sua
breve intervenção pública. Foi executado, provavelmente, na festa da
Páscoa do ano 30 d. C.. Nenhum dos juízes que o condenaram poderia
sonhar que, um dia, o tempo seria contado em referência a esse
cruxificado.
Esta
contagem, cronologicamente imprecisa, encerra, só por si, a mensagem de
que em Jesus aconteceu uma viragem na história. Para este acontecimento
não importa que Jesus tenha nascido a 4 a.C. ou a 6 d.C.. Também é
independente da interpretação daqueles que, durante a vida de Jesus,
tudo esperaram dele. A sua mensagem e a esperança dos seus colaboradores
eram escatológicas, ansiavam pelo fim dos tempos.
Se o cálculo cristão faz de Jesus o meio do tempo,
isto ultrapassa o significado que o próprio Jesus deu à sua actividade.
Essa nova interpretação começou, possivelmente, já no cristianismo
primitivo. O evangelista Lucas fez uma narrativa da história da Igreja
primitiva a seguir à descrição que apresenta do itinerário de Jesus.
Que Jesus divida o tempo é algo que pode surgir
como elemento da história ou ser descrito historiograficamente. No
entanto, a interpretação original continua intacta. Percebemos que
existe algo em Jesus que atravessa qualquer tempo e não se deixa
calcular cronologicamente.
2. A cor do Advento e da
Quaresma é o roxo, um luto envergonhado porque o horizonte do Advento é o
Natal e o da Quaresma, a Ressurreição. São as duas grandes festas da
alegria do calendário cristão. Como a alegria não pode ser adiada,
resolveram fazer um intervalo cor-de-rosa. Hoje, a palavra de ordem é
esta: Alegrai-vos sempre no Senhor. Exultai de alegria: o Senhor está perto.
O profeta Sofonias fez um poema magnífico para nos alegrarmos, como nos
dias de festa. A Carta aos Filipenses propõe uma atitude: Seja de todos
conhecida a vossa bondade; para vencer as inquietações propõe um
remédio: a oração intensa em todas as circunstâncias. João Baptista é
muito pragmático, mas bastante moralista. Sabe que não é ele a solução,
nem as suas iniciativas. Aponta para o baptismo no Espírito Santo
daquele que está para vir, mas não faz a mínima ideia do que vai
acontecer e até propõe um Messias que lhe vai sair completamente às
avessas. Jesus nunca será a sua cópia e ele vai ter muita dificuldade
com as impensáveis inovações daquele que, durante algum tempo, foi seu
discípulo.
A alegria não pode ser nem a reserva das grandes
festas nem a dos Domingos cor-de-rosa. Todos os Domingos ouvimos
proclamar o Evangelho como alegria, mas fazemos de conta que é apenas um
ritual e não a alma da semana que começa.
Mozart tinha uma prática aconselhável: (…) nunca
me deito sem pensar que, apesar de ser tão jovem, talvez já não exista
no dia seguinte; no entanto, entre todos os que me conhecem, ninguém
pode afirmar que eu seja pessoa de trato desabrido ou melancólico. E
esta felicidade, pela qual, dia a dia, dou graças ao meu Criador.
Desejo-a do coração a todos e a cada um dos meus semelhantes.
3. Quando olhamos para o ano que está a acabar só apetece pedir que acabe depressa a indefinição acerca da casa comum.
É de loucos estragar a terra que nos foi dada para a melhorar, para
sermos colaboradores de todas as formas de criatividade. Dizem-nos que
fica muito caro. Teremos ouvido bem? Ou será que nos querem dizer que
não merecemos o planeta que deveríamos ter?
Por outro lado, actuamos como se também fosse
mais barata a guerra, em que nos deixamos envolver, do que a paz que nos
pertence construir.
Não se pode aceitar que não haja nada a fazer.
Para já, é indispensável conhecer as pessoas e grupos que pautam a sua
vida, das formas mais diversas, quer na defesa da casa comum, quer nas incontáveis iniciativas de novos estilos de vida que favorecem a paz entre as pessoas, os grupos e os povos.
O Papa Francisco, goste-se ou não, é a
convocatória para uma Igreja muito outra, para um mundo muito diferente.
Não fica à espera da resposta. O bom humor, o riso, o carinho com todos
semeiam a alegria mesmo nas situações mais insólitas.
É um possesso do Evangelho da Alegria, da misericórdia.
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