segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

“Traga cada um escrito no rosto o que sente da República”

Operação Catilinárias, que investiga, entre outros, Eduardo Cunha, tem nome inspirado em discursos de Cícero e clara ressonância política

Uma das diversões desde o início da década passada tem sido acompanhar a originalidade com que os responsáveis definem os “nomes código” para cada operação da Polícia Federal. Escolhidos por questões de sigilo, os nomes despertam bem-humoradas especulações quando a ação é desenrolada, e ficam claras (ou não) as relações entre o teor da operação e o termo escolhido para nomina-la. Nem sempre a correspondência é direta como na Arca de Noé, de 2002, que investigava o Jogo do Bicho, ou na Banco Imobiliário, de 2007, que desarticulou um esquema de notas tão falsas quanto o dinheiro de brinquedo do jogo. Às vezes, é uma piada interna, como a Hurricane, que se propunha a prender gente graúda e abalar o crime como um “furacão”.

Poucas, contudo, trazem subjacente uma declaração política tão clara quanto a recente Operação Catilinárias, que cumpriu 53 mandados de busca, entre eles nas residências do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e dos ministros Henrique Alves e Celso Pansera, todos do PMDB. O motivo teriam sido tentativas de obstrução nas investigações da Lava-Jato.

Catilinárias é o nome com o qual passou à posteridade um conjunto de quatro discursos proferidos no Senado romano, no ano 63 a.C., pelo orador, jurista e político romano Marco Túlio Cícero, denunciando uma tentativa de golpe de Estado tramada por Lúcio Catilina, senador e adversário político de Cícero.

Cícero, na época, era Cônsul, cargo máximo na administração romana – sempre exercido simultaneamente por dois homens (o colega de Cícero era Caio Híbrida). Catilina, candidato derrotado nas eleições, tramava uma tentativa de golpe com uma série de jovens nobres arruinados por dívidas. Milícias já haviam sido espalhados pela Itália e mesmo uma tentativa de assassinato de Cícero havia sido encomendada e frustrada. Cícero foi ao Senado e pronunciou a primeira e mais famosa das Catilinárias (a que inicia com o “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência”), denunciando o golpe, informando nomes dos conspiradores e lugares fora de Roma onde os sediciosos aglomeravam suas tropas. Catilina fugiu da cidade no mesmo dia, e Cícero, com a Lei Marcial autorizada pelo Senado, desbaratou o complô, prendeu cúmplices e condenou-os, bem como Catilina, à morte:

“Eu vos prometo, Padres Conscritos, que tanta será em mim a diligência, tanta em vós a autoridade, tanto nos cavaleiros o valor, tanta em todos os bons a concórdia, que com a retirada de Catilina tudo vejais manifesto, ilustrado, suprimido, vingado.” – disse Cícero, ao pedir a declaração de Lei Marcial.

Não é preciso pensar muito para ver uma relação entre essa história antiga de conspiração dentro do parlamento contra um ocupante do cargo máximo e um nome escolhido para uma operação cujo principal alvo é o atual presidente da Câmara, um conhecido e atuante adversário político do maior cargo da República. 
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Texto por Carlos André Moreira
carlos.moreira@zerohora.com.br
Imagem: Cícero denuncia Catilina, fresco por Cesare Maccari, 1882-1888.
 

POR DONALD SCHÜLER

As catilinárias soam-me aos ouvidos, principalmente a primeira, desde minha juventude. Catilinárias é nome que designa uma série de discursos proferidos por Marco Túlio Cícero contra Catilina, senador que, no dizer de Cícero, conspirava contra a República. Não é o momento de discutir a confusa política romana no fim do regime republicano. Vale destacar o valor da palavra. O que hoje deixam de realizar, pelo exercício da palavra, os homens e as mulheres que nos representam, realiza silenciosamente a polícia federal para susto de políticos em evidência. Em vez da imagem lamentável de pancadaria quando se discute a correção de governantes, estamos sedentos de palavras orientadoras de pessoas que foram levadas ao poder pela força esperançosa de nossos votos. “Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência”? – perguntava Cícero em discurso inesquecível no senado romano. “Até quando...”, gritamos todos. Cícero e nós: Que Tempos! Que costumes!

Poeta, professor e tradutor*
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Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4933964.xml&template=3898.dwt&edition=28064&section=3605

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