Um Nobel da Física como braço-direito de Obama para as questões
energéticas constituiu auspício não despiciendo pela viragem
que representou. Steven Chu é um investigador ousado na procura
de soluções científicas para as alterações climáticas.
Dedicado apologista das fontes de energia renováveis. Audacioso
e sensato — combinação que não soe primar como usual.
Porque tudo o que noticia atos ou intenções do presidente do
mundo é motivo de esperança e rendição, eis quedar-me perplexa e
temerosa. Crer nos messias da modernidade é tão ingénuo como levar a
sério o homem que da mulher pretende o corpo e o espírito dela usa
para enterrar a seta no alvo. O mesmo dizem eles, fartos de rodeios e
redondilhas daquelas que de duas, uma: ou pretendem dar corda ao
relógio biológico que lhes desperta a necessidade de procriar, ou
dependem de um amanhã conjugal como garante de
respeitabilidade e amparo. Em qualquer dos casos, um desgosto que
não motiva sequer um jantar salvo se a carne, ainda assim, estiver
precisada crescer. Fundamental a diferença entre homens e
mulheres no governo da libido: a eles subjuga-os, a elas serve-as,
ainda que passível de veemente desmentido. Eles raposas, elas
uvas, ou quando o contrário vai dar ao mesmo.
Numa palestra sobre Raymond Chandler, foi dissecado o detetive
particular Philip Marlowe que viria a inspirar dois lusos
sucedâneos: Jaime Ramos e Filipe Castanheira que Viegas
reinventou. O herói de Chandler era contrário ao estereótipo do
homem que naufraga nos braços de mulheres frágeis, predispostas a
adotar o estatuto de “salva-me, por favor!”. Entabulava
negociações de leito e amores com fêmeas cuja fatalidade sedutora
também advinha da autonomia exsudada. Não precisavam dele para
nada, tão pouco lhe eram necessárias como respiração. Ou eram. Mas
como golfadas de ar fresco que não temia lhe arranhassem a
garganta. De hipocondríacos nada tinha personagem e autor.
Mergulhando na aventureira nebulosa de whiskies, fumo,
sussurros de inconfessas clandestinidades e paixões,
remanesce o detetive Salvo Montalban. Quase sobrepõe o gozo de
comer beringelas à parmesã, aos prazeres esmerados que
na cama lhe servem Lívia, Ingrid e Anna. Fareja-as com o olhar.
Procura identificar-lhes a mola que as faz, tal como procede ao
perseguir, mentalmente, um criminoso. Ceva-as com tanto de
desvairo como de gelo. E elas escorrem a voluptuosa raiva da mulher
que não domina nem quer, mas quer, dominar o indomável cevador do
ventre que abre e no lago húmido desliza ora manso, ora cruel. Aquele
que confere forma arrebatada e sabor próprio à água lasciva duma
mulher é o Messias do momento — intrépido, audacioso e
provocadoramente sensato. Para a líquida esperança ou fantasia o
mesmo constituem Steven Chu, Obama, Marlowe ou Montalban.
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Nota: “A Forma da Água” de Andrea Camilleri – Difel.*Escritora
Fonte: http://www.escreveretriste.com/2015/12/a-forma-da-agua-de-uma-mulher/
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