NELSON JOBIM*
G.H.
Chesterton, em O Jardim Secreto (A Inocência do Padre Brown), sobre um
personagem, afirma que “sua presença era tão grande quanto a sua
ausência”. Isso me levou a lembrar de Ulysses Guimarães.
Dr. Ulysses, no início da crise do governo Collor, não aceitava o impeachment: o risco para o país era grande. Admitiu o procedimento quando a revista Veja escancarou a entrevista de Pedro Collor. Liam-se informações sobre corrupção, PC Farias, desmandos etc. Avançava a CPI do caso.
Dr. Ulysses reuniu as lideranças do PMDB para decidir. Sustentou que era preciso garantir a governabilidade – o país deveria ser preservado. Tal garantia estava no apoio ao ministério de então.
Três ministros seriam o centro: Marcílio Marques Moreira, da Fazenda; Célio Borja, da Justiça; e Celso Lafer, das Relações Exteriores. Só assim Dr. Ulysses passou a admitir o início do processo.
As regras do processo eram de uma lei de 1950. A Constituição de 1988 havia modificado as competências anteriores e atribuíra:
– à Câmara dos Deputados, a admissão da acusação;
– ao Senado Federal, o processamento e julgamento (o STF estendeu ao Senado também a competência para a admissão!).
Ibsen Pinheiro, então presidente da Câmara, conduziu com maestria o ajustamento entre a lei e a Constituição e o procedimento de admissão da acusação. Havia diálogo para tudo. O respeito e a confiança imperavam.
Lá, tínhamos crise econômica e política. Tal como hoje. Hoje, ao que assistimos? À desconstrução de qualquer canal de diálogo.
O PMDB se estilhaça dentro da Câmara, onde líderes se alternam. O presidente do Senado choca-se com o presidente do partido, embora oculte, em entrevistas, esse fato. O presidente da Câmara tenta evitar sua cassação e faz de tudo.
Os diretórios regionais do PMDB operam pelos seus interesses. O governo, com o ministro-chefe da Casa Civil, ataca o vice-presidente: “Quem trai uma vez trai 10”. Ironiza: “Continuará sendo vice-presidente da República. Acho que é tudo”.
O governo toma decisões que são mais do mesmo – sem grandeza. Há algo novo na política: o ódio (e as certezas, causa de todos os erros). A maioria, junto com a mídia, destila ódio, proíbe o diálogo, patrulha o entendimento e a razão.
A regra é o ataque, o desprezo e a desqualificação, pois são midiáticas. Volto ao Dr. Ulysses, que dizia: “Em política, até a raiva é combinada ou fingida”. A ausência do Dr. Ulysses é tão grande como foi sua presença. Para onde estamos conduzindo o Brasil?
----------------------------
*Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4939541.xml&template=3898.dwt&edition=28108§ion=70
Imagem da Internet
Dr. Ulysses, no início da crise do governo Collor, não aceitava o impeachment: o risco para o país era grande. Admitiu o procedimento quando a revista Veja escancarou a entrevista de Pedro Collor. Liam-se informações sobre corrupção, PC Farias, desmandos etc. Avançava a CPI do caso.
Dr. Ulysses reuniu as lideranças do PMDB para decidir. Sustentou que era preciso garantir a governabilidade – o país deveria ser preservado. Tal garantia estava no apoio ao ministério de então.
Três ministros seriam o centro: Marcílio Marques Moreira, da Fazenda; Célio Borja, da Justiça; e Celso Lafer, das Relações Exteriores. Só assim Dr. Ulysses passou a admitir o início do processo.
As regras do processo eram de uma lei de 1950. A Constituição de 1988 havia modificado as competências anteriores e atribuíra:
– à Câmara dos Deputados, a admissão da acusação;
– ao Senado Federal, o processamento e julgamento (o STF estendeu ao Senado também a competência para a admissão!).
Ibsen Pinheiro, então presidente da Câmara, conduziu com maestria o ajustamento entre a lei e a Constituição e o procedimento de admissão da acusação. Havia diálogo para tudo. O respeito e a confiança imperavam.
Lá, tínhamos crise econômica e política. Tal como hoje. Hoje, ao que assistimos? À desconstrução de qualquer canal de diálogo.
O PMDB se estilhaça dentro da Câmara, onde líderes se alternam. O presidente do Senado choca-se com o presidente do partido, embora oculte, em entrevistas, esse fato. O presidente da Câmara tenta evitar sua cassação e faz de tudo.
Os diretórios regionais do PMDB operam pelos seus interesses. O governo, com o ministro-chefe da Casa Civil, ataca o vice-presidente: “Quem trai uma vez trai 10”. Ironiza: “Continuará sendo vice-presidente da República. Acho que é tudo”.
O governo toma decisões que são mais do mesmo – sem grandeza. Há algo novo na política: o ódio (e as certezas, causa de todos os erros). A maioria, junto com a mídia, destila ódio, proíbe o diálogo, patrulha o entendimento e a razão.
A regra é o ataque, o desprezo e a desqualificação, pois são midiáticas. Volto ao Dr. Ulysses, que dizia: “Em política, até a raiva é combinada ou fingida”. A ausência do Dr. Ulysses é tão grande como foi sua presença. Para onde estamos conduzindo o Brasil?
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*Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4939541.xml&template=3898.dwt&edition=28108§ion=70
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