PROFISSÃO ECONOMISTA
Em seu escritório em São Paulo, Delfim escreve artigos numa
máquina Royal e recebe amigos para debater
Em seu escritório em São Paulo, Delfim escreve artigos numa
máquina Royal e recebe amigos para debater
Para ex-ministro da Fazenda, a
operação da Polícia Federal vai provocar grandes transformações na
sociedade brasileira e preparar o terreno para um sólido crescimento no
futuro
por Mariana Queiroz Barboza (mariana.barboza@istoe.com.br)
Aos 88 anos, o economista, ex-ministro da
Fazenda e professor-emérito da Faculdade de Economia e Administração da
USP Antônio Delfim Netto não pensa em se aposentar. Do casarão de uma
área nobre de São Paulo que transformou em escritório há 40 anos, Delfim
continua escrevendo artigos e recebendo amigos para discutir o futuro
do País.
“A profissão de economista é bater papo”, diz. Crítico das
intervenções do governo de Dilma Rousseff na economia, o professor vê no
desequilíbrio fiscal produzido em 2014 a base da atual crise e afirma
que, depois da Operação Lava-Jato, as nuvens sombrias ficarão para trás.
“Depois da Lava Jato, o Brasil será um País melhor”, diz.
''O ano de 2014 foi um desastre. Tudo piorou. Durante a campanha eleitoral,
para conservar o poder, Dilma produziu uma deterioração fiscal''
Nesta entrevista, concedida em uma sala decorada com inúmeras charges
dele próprio, Delfim exibiu a mente arguta de sempre e o mesmo bom
humor. Quando notou que estava sendo fotografado, o economista
rapidamente colocou os óculos de leitura tão característicos. “Sem eles,
ninguém me reconhece.”
''Ninguém propõe a redução do Bolsa Família, mas é evidente que ele
está cheio de parasitas: prefeitos, ONGs, comerciantes''
O Brasil enfrenta a maior recessão em 25 anos. Onde o governo errou?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Quando começou uma
intervenção na economia. A Dilma fez tantas intervenções, segurando o
preço da gasolina, valorizando o câmbio para controlar a inflação, que,
em lugar de atrair o investimento, assustou o investidor. A partir daí,
as coisas começaram a piorar. Ainda assim, 2012 terminou de maneira
razoável. Em 2013, o País cresceu menos do que gostaríamos, mas não tão
menos. Quando começou 2014, tudo desandou.
Istoé - Por quê?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Naquele momento, Dilma
devia ter começado a controlar as despesas. Devia ter ido ao Congresso
propor as mudanças constitucionais necessárias para não chegarmos à
situação em que chegamos. Se compararmos dezembro de 2013 com dezembro
de 2014, foi um desastre. O déficit, que era 3%, passou para 6%. A
dívida pública deu um salto. Tudo piorou e o País estagnou. Durante a
campanha eleitoral, para conservar o poder, Dilma produziu uma
deterioração fiscal.
Istoé - Em entrevista à ISTOÉ em
2013, o sr. disse que não havia crise no Brasil, mas um pessimismo
exagerado. Hoje, é bem mais crítico. Por que o diagnóstico mudou?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Em 2013, não havia crise
nenhuma, havia baixo crescimento. O que se tinha era a sociedade um
pouco assustada com as intervenções. Mas não havia nenhuma desgraça. Em
2014, houve uma virada para o mal. Agora a situação é delicada e o
desequilíbrio fiscal, a mãe de todos os desequilíbrios.
Istoé - Como resolver esse desequilíbrio?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - A dificuldade não está no
nível da dívida pública, mas na dinâmica que se espera dela. Agora
esperamos uma dívida de 74% para 2016. É um sintoma de que perdemos o
controle sobre a relação dívida/PIB. Isso é uma tragédia e desarma o
País para o crescimento. Existem grandes problemas fiscais que têm que
ser enfrentados e que exigem uma atitude mais enérgica do Executivo. Se o
Executivo não comandar, vira bagunça.
Istoé - O sr. está dizendo que, no Brasil, o Executivo perdeu a capacidade de governar?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - O governo precisa se
dispor a assumir seu protagonismo e ir ao Congresso apresentar os
projetos. Não adianta pensar “não apresento porque não vai ser
aprovado”. Testa. Põe o Congresso nas cordas e pede ao povo que seja
aprovado. Esse negócio de ficar encolhido nas cordas é o pior que pode
acontecer ao Brasil.
Istoé - A crise ameaça os avanços sociais dos últimos anos?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Ninguém propõe a redução
do Bolsa Família. Só que todos os programas sociais, quando são
permanentes, tendem a criar parasitas. É evidente que o Bolsa Família
está cheio de parasitas: prefeitos, ONGs, comerciantes. Dentro da
Constituição, há dispositivos que fazem a despesa crescer
permanentemente, mas a receita corrente depende do ciclo econômico.
Assim se caminha para o desequilíbrio fiscal.
Istoé - A necessidade de um
ajuste fiscal é unânime entre os economistas. Na Grécia, os anos de
ajuste aprofundaram a recessão. Que motivos temos para acreditar que
aqui não vai acontecer o mesmo?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - A distância entre a
situação brasileira e a da Grécia é maior que o Oceano Pacífico. Não tem
nada a ver. Primeiro, nenhum ajuste fiscal vai dar certo em recessão. É
preciso mostrar para a sociedade que há um problema fiscal que estamos
corrigindo. Quando se faz isso, a sociedade adquire outra expectativa.
As pessoas se dispõem a investir, trabalhar, financiar. E aí volta o
crescimento. É nesse instante que se vai fazer o ajuste.
Istoé - Quais são os resultados práticos da Operação Lava Jato para o País?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - A Lava Jato é um ponto de
inflexão para o Brasil. Ela está produzindo uma mudança de comportamento
que vai nos acompanhar para o resto da história. As empresas estão
revendo suas posições, criando departamentos para controlar seu
comportamento. Ainda que a Lava Jato produzisse uma redução de
crescimento agora, ela está construindo as condições para o Brasil
crescer muito mais no futuro.
Istoé - O Brasil pós-Lava Jato será um País melhor?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Não há a menor dúvida. A
Lava Jato está produzindo um aperfeiçoamento institucional que vai, no
futuro, aumentar o crescimento do País.
Istoé - A noção de que até rico vai preso tem algum impacto para a população?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - sso é uma bobagem. O povo não quer justiça, o povo quer vingança.
Istoé - O que podemos esperar para o Brasil em 2016?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - O ano de 2016 vai ser
exatamente aquilo que formos capaz de fazer dele. Se nós nos escondermos
dos problemas, vai ser muito pior. Vamos ter em 2015 uma queda de PIB
muito próxima de 4%. É um negócio poderoso. Vamos supor que, a partir de
1º de janeiro, tudo fique igual. Só assim a queda já seria de 2%. É
óbvio que são níveis inaceitáveis. Nosso papel é construir 2016. Ele
pode ser muito melhor ou muito pior.
Istoé - Depois de uma década em
que a esquerda prevaleceu na América do Sul, ela perdeu fôlego em países
como Argentina e Venezuela. Como o sr. avalia o momento da esquerda?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Na minha opinião, esquerda
e direita são sinais de trânsito. É ridículo chamar a Argentina de
esquerda. Todo mundo quer uma sociedade civilizada, onde haja liberdade
de iniciativa, relativa igualdade e métodos eficientes para o sujeito
conquistar suas necessidades básicas.
"Ninguém escolhe a profissão. Se você tem a sorte de ela te escolher bem,
você nunca trabalha. Para mim, não tem esse negócio de segunda, quinta,
domingo. É tudo igual. O importante é aproveitar o instante. O homem
quer a maior fruição possível nesse acidente de ter nascido. E saber que
termina e não tem repetição. É por isso que o homem pensa pouco no
futuro do planeta, simplesmente porque ele não vai viver nele."
Antônio Delfim Netto
Istoé - Por que países com essas características são melhores?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Porque sobra mais tempo
para cada um de nós construir nossa humanidade. O homem não nasceu para
trabalhar. Nasceu para vagabundear. Para isso, ele precisa de um
mecanismo eficiente para produzir sua subsistência. No dia em que o
homem puder trabalhar 15 horas por semana, você imagina o que cada um de
nós vai fazer da sua vida. Vamos ouvir Beethoven, estudar Fernando
Pessoa, pintar um quadro, quem sabe até virar um poeta. O homem é um
bicho complicado.
Istoé - O senhor não vê defeitos no capitalismo?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Dou risada, por exemplo,
quando dizem que foi o capitalismo que produziu a poluição. Os países do
socialismo real, a União Soviética e a China, são os maiores
poluidores. Quem polui é o homem, que todo mundo sabe que está aqui por
acaso. Qual é nossa maior felicidade? É estar aqui por acaso, saber que
vamos embora e que nunca mais vamos voltar.
Istoé - O sr. não pensa em reduzir o ritmo de trabalho, aproveitar o ócio?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Eu nunca trabalhei. A
minha diversão, minha forma de me realizar, foi a vida que escolhi.
Ninguém escolhe a profissão. Se você tem a sorte de ela te escolher bem,
você nunca trabalha. Para mim, não tem esse negócio de segunda, quinta,
domingo. É tudo igual. O importante é aproveitar o instante. O homem
quer a maior fruição possível nesse acidente de ter nascido. E saber que
termina e não tem repetição. É por isso que o homem pensa pouco no
futuro do planeta, simplesmente porque ele não vai viver nele.
Istoé - Como o sr. lida com o envelhecimento?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Que envelhecimento? É claro que tenho restrições físicas. Aos 88 anos, subir escada é um pouco mais difícil do que antes.
Istoé - Não tem nada que o sr. deixou de fazer com a idade?
ANTÔNIO DELFIM NETTO -Tanta coisa que eu gostava de fazer.
Istoé -Por exemplo?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Fazer poesia.
Istoé - O sr. usa alguma rede social?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Não, continuo escrevendo meus artigos na minha Royal.
Istoé - Tem medo da morte?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - De jeito nenhum. No dia em que ela me visitar, eu não vou entender. E provavelmente não vou saber.
Istoé - Como o sr. quer ser lembrado?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - Eu não quero ser lembrado.
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Reportagem por Mariana Queiroz Barboza (mariana.barboza@istoe.com.br)
Fonte: http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/443310_DEPOIS+DA+LAVA+JATO+O+BRASIL+SERA+UM+PAIS+MELHOR+
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