O jornalista Emiliano Fittipaldi, processado pelo Vaticano pela divulgação de documentos confidenciais. Divulgação
O papa Francisco pode entrar para a história como o pontífice que
revolucionou a Igreja Católica transformando-a na “Igreja dos pobres”,
estando ao lado dos oprimidos e não dos opressores. Entretanto, corre o
risco de ser o primeiro papa a permitir que jornalistas sejam
processados pelo Vaticano por terem revelado ao mundo a corrupção e o
desvio de dinheiro que faziam parte de um esquema para manter a vida
luxuosa de alguns cardeais, que ele mesmo definiu como “faraós”.
Acusados pelo crime de divulgação ilegal de informações e documentos
confidenciais no escândalo que ficou conhecido como “Vatileaks 2”,
Emiliano Fittipaldi, autor do livro “Avarizia” (“Avareza”, em tradução
livre, que será lançado no Brasil pela editora Planeta), e Gianluca
Nuzzi, autor do livro “Via Crúcis”, se condenados, podem ser
sentenciados a até 8 anos de prisão. Eles serão interrogados pelo
Vaticano em audiência fixada para esta segunda-feira (07/12), data que
antecede a abertura do Jubileu da Misericórdia, celebração oficial que
ao longo de um ano promoverá a misericórdia entre os católicos.
Diferentemente do primeiro “Vatileaks”, agora existem documentos. Em
“Avarizia”, Fittipaldi revela que doações feitas à instituição
filantrópica Fondazione Bambino Gesù foram usadas para pagar a reforma
do apartamento do cardeal Tarcisio Bertone; que existem vários cardeais
vivendo em apartamentos de 400 metros quadrados no coração de Roma; que o
cardeal George Pell – nomeado por Francisco – gastou cerca de 500 mil
euros em seis meses comprando móveis, tapetes e roupas de luxo e
viajando em primeira classe.
O livro ainda revela que o Vaticano fatura 60 milhões de euros por
ano com a venda de gasolina e tabaco e que no Ior (Istituto per le Opere
di Religione), o banco do Vaticano, ainda existem cerca de 100
correntistas italianos. Mostra também que até para virar santo é preciso
de muito dinheiro: em média, a santidade custa entre 400 mil e 500 mil
euros.
A lei que criminaliza a divulgação de informações e documentos
sigilosos foi criada em 2013 pelo papa Francisco. Além dos jornalistas,
também estão sendo processados o padre espanhol Lucio Ángel Vallejo
Balda, próximo ao Opus Dei; Nicola Maio, colaborador de Balda; e a
consultora italiana Francesca Immacolata Chaouqui. Balda está preso no
Vaticano e Francesca foi libertada após ter concordado em colaborar com a
Justiça. Estes últimos faziam parte de uma comissão criada por papa
Francisco, também em 2013, para controlar as finanças da Santa Sé.
Como última monarquia absolutista do mundo, o Vaticano negou aos
imputados a escolha de seus advogados. Tanto Fittipaldi quanto Nuzzi
haviam nomeado seus representastes legais, mas o pedido foi negado pelo
Tribunal do Vaticano, impondo que a defesa seja feita por um advogado
“rotário”, isto é, um defensor credenciado pelo próprio Vaticano.
A reportagem de Opera Mundi esteve na redação da revista italiana L’Espresso, onde Fittipaldi trabalha, e conversou com o jornalista.
Opera Mundi: “Vatileaks 2” é uma continuação do primeiro “Vatileaks”?
Emiliano Fitippaldi: Não exatamente. A diferença é
que no primeiro “Vatileaks” foram publicados documentos reservados sobre
a vida privada de algumas pessoas, contando desentendimentos entre
cardeais, acusações de homossexualidade, uma cúria fora de controle, mas
o que era interessante mesmo era o fato de que documentos reservados
haviam sido publicados. No meu caso, não tem nada de pessoal, nenhuma
linha sobre o Papa ou os cardeais. Eu falo sobre o negócio financeiro da
Santa Sé, falo do patrimônio do Vaticano, de como é administrado, conto
histórias de corrupção dentro do Vaticano e do Ior. E do ponto de vista
penal, o primeiro termina somente com um indiciado, Paolo Gabriele.
Neste segundo Vatileaks, o que predomina é a lei de 2013 assinada por
Francisco que criminaliza quem extrai e publica documentos secretos. É
uma lei muito severa que vai contra a liberdade de imprensa. Pela
primeira na história do Vaticano dois jornalistas estrangeiros são
indiciados. Respondo a um processo porque eu simplesmente fiz meu
trabalho e por isso posso ser condenado de 4 a 8 anos de prisão.
OM: Quando você entendeu o conteúdo dos documentos que tinha recebido, qual foi sua reação?
EF: Para encontrar esses documentos, falei com uma
dezena de fontes. Balda me deu somente algumas páginas, que contribuíram
para 5% do livro. Estes documentos sigilosos vieram parar em minhas
mãos após um longo trabalho jornalístico, mas também usei muitos
documentos abertos, que sozinhos não tinham muita informação, mas
cruzados aos sigilosos, diziam muito. Fiz um profundo trabalho
investigativo, mas as pessoas não o percebem por conta desse processo
caótico. O livro é cheio de fontes, de histórias, de documentos. Após um
ano de investigação e da publicação da primeira matéria sobre o caso na
revista [L’Espresso], percebi a história incrível que tinha nas mãos.
Diferentemente do primeiro “Vatileaks”, agora existem documentos. Em
“Avarizia”, Fittipaldi revela que doações feitas à instituição
filantrópica Fondazione Bambino Gesù foram usadas para pagar a reforma
do apartamento do cardeal Tarcisio Bertone; que existem vários cardeais
vivendo em apartamentos de 400 metros quadrados no coração de Roma; que o
cardeal George Pell – nomeado por Francisco – gastou cerca de 500 mil
euros em seis meses comprando móveis, tapetes e roupas de luxo e
viajando em primeira classe.
O livro ainda revela que o Vaticano fatura 60 milhões de euros por
ano com a venda de gasolina e tabaco e que no Ior (Istituto per le Opere
di Religione), o banco do Vaticano, ainda existem cerca de 100
correntistas italianos. Mostra também que até para virar santo é preciso
de muito dinheiro: em média, a santidade custa entre 400 mil e 500 mil
euros.
A lei que criminaliza a divulgação de informações e documentos
sigilosos foi criada em 2013 pelo papa Francisco. Além dos jornalistas,
também estão sendo processados o padre espanhol Lucio Ángel Vallejo
Balda, próximo ao Opus Dei; Nicola Maio, colaborador de Balda; e a
consultora italiana Francesca Immacolata Chaouqui. Balda está preso no
Vaticano e Francesca foi libertada após ter concordado em colaborar com a
Justiça. Estes últimos faziam parte de uma comissão criada por papa
Francisco, também em 2013, para controlar as finanças da Santa Sé.
Como última monarquia absolutista do mundo, o Vaticano negou aos
imputados a escolha de seus advogados. Tanto Fittipaldi quanto Nuzzi
haviam nomeado seus representastes legais, mas o pedido foi negado pelo
Tribunal do Vaticano, impondo que a defesa seja feita por um advogado
“rotário”, isto é, um defensor credenciado pelo próprio Vaticano.
A reportagem de Opera Mundi esteve na redação da revista italiana L’Espresso, onde Fittipaldi trabalha, e conversou com o jornalista.
Opera Mundi: “Vatileaks 2” é uma continuação do primeiro “Vatileaks”?
Emiliano Fitippaldi: Não exatamente. A diferença é
que no primeiro “Vatileaks” foram publicados documentos reservados sobre
a vida privada de algumas pessoas, contando desentendimentos entre
cardeais, acusações de homossexualidade, uma cúria fora de controle, mas
o que era interessante mesmo era o fato de que documentos reservados
haviam sido publicados. No meu caso, não tem nada de pessoal, nenhuma
linha sobre o Papa ou os cardeais. Eu falo sobre o negócio financeiro da
Santa Sé, falo do patrimônio do Vaticano, de como é administrado, conto
histórias de corrupção dentro do Vaticano e do Ior. E do ponto de vista
penal, o primeiro termina somente com um indiciado, Paolo Gabriele.
Neste segundo Vatileaks, o que predomina é a lei de 2013 assinada por
Francisco que criminaliza quem extrai e publica documentos secretos. É
uma lei muito severa que vai contra a liberdade de imprensa. Pela
primeira na história do Vaticano dois jornalistas estrangeiros são
indiciados. Respondo a um processo porque eu simplesmente fiz meu
trabalho e por isso posso ser condenado de 4 a 8 anos de prisão.
OM: Quando você entendeu o conteúdo dos documentos que tinha recebido, qual foi sua reação?
EF: Para encontrar esses documentos, falei com uma
dezena de fontes. Balda me deu somente algumas páginas, que contribuíram
para 5% do livro. Estes documentos sigilosos vieram parar em minhas
mãos após um longo trabalho jornalístico, mas também usei muitos
documentos abertos, que sozinhos não tinham muita informação, mas
cruzados aos sigilosos, diziam muito. Fiz um profundo trabalho
investigativo, mas as pessoas não o percebem por conta desse processo
caótico. O livro é cheio de fontes, de histórias, de documentos. Após um
ano de investigação e da publicação da primeira matéria sobre o caso na
revista [L’Espresso], percebi a história incrível que tinha nas mãos.
OM: Quantos apartamentos de propriedade do Vaticano existem em Roma?
EM: Cinco mil apartamentos que valem 4 bilhões de
euros. Eu não sou contrário ao fato que o Vaticano possua imóveis, mas o
problema é como são utilizados. Eles deveriam ser alugados pelo preço
de mercado e o dinheiro arrecadado deveria servir para as missões
sociais da Igreja no exterior. Em vez disso, são dados a cardeais, que
vivem nesses espaços enormes de 400 ou 500 metros quadrados, e o dividem
com freiras, que no fundo são suas empregadas: cozinham, fazem o
serviço de casa, etc. Não há refugiados nesses apartamentos, mas
jornalistas, funcionários públicos e políticos. Os mesmos que depois
decidem no Parlamento quanto dinheiro será destinado ao Vaticano. Aqui
temos um conflito de interesses muito grave.
OM: Papa Francisco foi eleito como o “papa do bem”. Essa imagem ajudou a cobrir a corrupção interna no Vaticano?
EF: A figura de papa Francisco, o papa da rua, foi
uma grande ideia, uma grande operação midiática: Bergoglio, o jesuíta
que se faz chamar Francisco para dar um sinal ao mundo de que o luxo, a
avaria e os milhões pertencem ao passado. Porém, isso não basta, é
preciso ser coerente. Obviamente, existe política dentro do Vaticano,
ele não pode fazer tudo sozinho. O que digo e mostro no livro é que o
papa Francisco é muito mais sozinho do que imaginamos. Talvez por isso
tenha ficado nervoso com a publicação do livro. Não existe a Igreja dos
pobres; aquela que ele deseja está ainda muito longe da realidade.
OM: Você acha que um dia essa Igreja vai se realizar?
EF: Eu sou otimista, mas a reação que tiveram me faz
ser menos otimista. Se você ler o livro, vai ver que apoio as frases do
papa Francisco. Mas além das palavras devemos ir aos fatos. Por que
estou sendo processado? É porque denunciei a roubalheira? Por que não
pediram ao cardeal Bertoni que restituísse o dinheiro à Fundação Bambino
Gesù que ele usou para reformar seu apartamento? Por que George Pell,
que foi escolhido pelo próprio Francisco e que é testemunha em um
processo por pedofilia na Austrália, ainda está em seu cargo? Sou um
jornalista investigativo e conto fatos, que por sinal até agora não
foram rebatidos.
OM: Mas fica difícil desmentir um documento, não?
EM: Sim, eles não têm como fazer isso. Mas essa
história tem um paradoxo incrível. Em um processo por publicação de
documentos sigilosos, a imprensa italiana fala pouco sobre o conteúdo do
livro, mas se interessa muito pela notícia de que existe a
possibilidade de jornalistas serem presos.
OM: Qual foi sua reação quando descobriu que seria processado?
EM: Incredulidade. Não acreditava, até porque não
conhecia a lei sobre publicações do Vaticano. Depois fui verificar e
efetivamente o Vaticano não prevê a liberdade de imprensa, o direito ao
jornalismo, não há uma regulamentação. Mas mesmo se conhecesse [a lei]
antes, teria publicado o livro do mesmo jeito. Agora vamos ver no que
dá, até onde isso vai chegar.
OM: E se for condenado?
EM: Entrarei com recurso, mas é muito difícil que
consiga me defender da acusação. A lei diz que não posso publicar
documentos reservados e eu publiquei, como contradizer o fato? Não posso
dizer que apelo ao artigo 21 da constituição italiana porque lá não é
válido.
OM: Poderia recorrer à Corte Europeia de Direitos Humanos?
EM: Não, porque o Vaticano não está na Corte
Europeia. Do ponto de visto jurídico, não existe nada de ocidental no
Vaticano. É um país com um código penal antiquíssimo, com
características que não existem em nenhum outro país do mundo.
OM: Papa Francisco está perdendo sua luta pela moralização das finanças do Vaticano?
EM: Não, eu acho que esse é só o começo e que será
uma estrada muito longa a ser percorrida, mas o papa não pode mais
cometer outros erros de avaliação, não pode mais se rodear de pessoas
como essas. George Pell foi nomeado novo secretário da economia, gastou
15 mil euros para pagar seu contador, gastou milhões em mobília para a
casa, voa na primeira classe, na Austrália é definido por muitas vítimas
como um sociopata, etc. Papa Francisco pode até dizer que não sabia,
mas agora ele sabe. Francisco disse que Balda foi um erro, mas ele é
acusado somente de haver divulgado documentos. O que deveria deixar
Francisco feliz, porque é ele quem faz o discurso da transparência na
igreja. Não entendo porque Balda é malvado e Pell o bonzinho da
história.
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Reportagem por Janaína César Do Opera Mundi
Fonte: http://www.sul21.com.br/jornal/igreja-que-papa-francisco-deseja-esta-ainda-muito-longe-da-realidade-diz-jornalista-processado-por-vaticano/
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