RELIGIOSA QUE VIVEU NA ÍNDIA e é reconhecida por seu trabalho de cuidado dos miseráveis será canonizada pelo Vaticano. Mesmo assim, multiplicam-se críticas a sua biografia, como o conservadorismo e a má qualidade do atendimento prestado em seus abrigos
Quando ainda estava viva, a célebre Madre Teresa de Calcutá foi chamada de santa inúmeras vezes por fiéis e admiradores mundo afora. Às vésperas de ganhar oficialmente esse título, porém, multiplicam-se questionamentos a sua biografia marcada pela criação de instituições dedicadas a abrigar pobres e doentes da Índia e de mais de 120 outros países. Livros, documentários e estudos acadêmicos trazem críticas a ações e discursos da religiosa e fomentam um debate sobre o significado de sua canonização.Na legislação católica, o caminho para a santidade exige o reconhecimento de pelo menos dois milagres pelo Vaticano. A primeira intervenção de Teresa, nascida em 1910 na atual Macedônia sob o nome de Agnes Gonxha Bojaxhiu, teria ocorrido em benefício de uma mulher indiana um ano após a morte da religiosa, em 1998. A segunda teria beneficiado um engenheiro brasileiro que se recuperou após enfrentar oito abscessos no cérebro. Em razão disso, a Santa Sé confirmou na semana passada que a missionária será canonizada.
Mas a inscrição no catálogo dos santos não livrará Teresa de uma série de controvérsias. Entre elas, estão críticas a sua postura conservadora, à cordialidade com ditadores como o haitiano Baby Doc Duvalier, à má qualidade no atendimento prestado nas chamadas “casas de moribundos” e à falta de ações destinadas a emancipar os pobres em vez de apenas dar-lhes comida, teto e colchão. Seus defensores argumentam que, antes de a religiosa dedicar sua vida aos pobres, eles penavam ao relento na periferia miserável das cidades indianas – sem comida, teto ou colchão.
– Não podemos julgar as ações da Madre Teresa com os olhos do Ocidente de hoje. Ela trabalhou em um nível humanitário emergencial adequado às condições que existiam naquele momento – avalia Luiz Carlos Susin, frei, teólogo e professor da PUCRS.
Esse trabalho transformou a futura santa católica em celebridade internacional desde os anos 1960. Em 1969, um documentário realizado pela BBC catapultou sua fama no mundo inteiro – e deu início às polêmicas envolvendo o limite entre mito e verdade.
O apresentador do programa, Malcom Muggeridge, alardeou ter registrado pela primeira vez um milagre em vídeo. Cenas gravadas em um ambiente escuro no interior de uma das casas da Congregação das Missionárias da Caridade apareceram claras e nítidas na sala de edição. “É a luz divina”, bradou Muggeridge, e a história ganhou repercussão. Em entrevista ao jornalista britânico Cristopher Hitchens, anos mais tarde, o operador de câmera Ken McMillan revelou que eles haviam apenas testado um novo tipo de película mais sensível à luz.
Hitchens, um dos principais críticos de Teresa, escreveu um livro e produziu um documentário condenando as ações da religiosa. Reproduzia, em parte, as mesmas críticas do escritor indiano Aroup Chatterjee, autor de Madre Teresa: O Veredito Final, que apontava más condições nas casas mantidas pela congregação para receber os carentes, apesar do alto volume de doações arrecadadas, e a utilização da fama obtida à custa dos pobres e doentes para promover uma agenda cristã ultraconservadora ao redor do planeta.
Pelo menos dois estudos acadêmicos confirmaram as condições inadequadas de atendimento nos abrigos: um artigo publicado em 1994 na revista médica Lancet apontou o uso incorreto de medicamentos e a falta de diagnóstico para doenças curáveis. Mais recentemente, em 2013, um estudo publicado por pesquisadores das universidades de Montreal e de Ottawa, no Canadá, analisou 287 documentos. A conclusão foi de que muitos doentes “não recebiam os cuidados necessários”.
TEÓLOGOS RESSALTAM VALOR DO TRABALHO ASSISTENCIAL
O conservadorismo radical e as vinculações políticas da chamada “santa das sarjetas” compõem polêmicas à parte. Em uma conferência em Oxford, em 1988, ela declarou não admitir que uma criança sob seus cuidados fosse adotada por uma mulher que tivesse abortado ou usasse contraceptivos.
– Uma mulher assim é incapaz de amar – afirmou a religiosa.
Para a teóloga, filósofa e freira católica Ivone Gebara, expoente da teologia feminista no Brasil, Madre Teresa não deve ser analisada sob uma única ótica:
– Todo ser humano é marcado por contradições. Teresa teve o mérito de perceber o abandono de pobres e recém-nascidos, mas refletia os interesses do grupo mais conservador dentro da igreja e representava a imagem de mulher obediente e submissa à hierarquia.
Em termos políticos, seus críticos observam que silenciou sobre violações de direitos humanos e apertou a mão de ditadores cruéis como o haitiano Baby Doc Duvalier. Ela aceitou receber das mãos dele a Medalha da Legião da Honra. O ex-padre, teólogo e professor da PUC de São Paulo Fernando Altemeyer não vê razões para negar um lugar no cânone católico por razões como essas:
– Não dá para catalogar a Madre Teresa como uma revolucionária estrutural ou alguém vinculada a qualquer luta política. Ela está em outro patamar, do humanismo básico. Alguém que está nas últimas não quer revolução, quer alguém que cuide de suas feridas. Era isso que ela fazia, e era um trabalho que eu não conseguiria fazer por mais de cinco minutos.
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marcelo.gonzatto@zerohora.com.br
Reportagem por MARCELO GONZATTO
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/ 27/12/2015
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