Pedro Ladeira - 24.nov.2015/Folhapress | |
A presidente Dilma Rousseff e o vice Michel Temer em cerimônia em Brasília |
VALDO CRUZ
DANIELA LIMA
MARINA DIAS
Folha de São Paulo
Temer reclama que, na época, não foi chamado para as audiências e que assessores do próprio vice norte-americano perguntaram para sua equipe porque ele não participou do encontro.
DANIELA LIMA
MARINA DIAS
Folha de São Paulo
Em
tom de desabafo e de críticas à presidente, o vice Michel Temer (PMDB),
incomodado com as declarações de Dilma de que confia nele, enviou carta
"pessoal e confidencial" à petista em que diz textualmente que ela dá
demonstrações de que "não confia nem em mim nem no PMDB".
Ao
justificar o texto por escrito, entregue nesta segunda-feira (7) por
sua chefe de gabinete à presidente, a carta começa com a seguinte
expressão: "as palavras voam, o escrito permanece". Em seguida, Temer
diz que o PMDB e ele sempre foram "extremamente leais a senhora",
lembrando as disputas na convenção que levaram à aliança dele com Dilma
para a disputa de sua primeira eleição.
Logo
depois, Temer diz que apesar de, nos últimos dias, a presidente fazer
comentários de que espera ter a confiança do vice-presidente, os fatos
durante o primeiro e segundo mandato da petista mostram que "a senhora
não confia nem em mim nem no PMDB".
O
peemedebista passa a relatar, então, cerca de dez episódios em que diz
ter sentido que a presidente nunca confiou nele. Um deles envolve o
vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que esteve no Brasil.
Temer reclama que, na época, não foi chamado para as audiências e que assessores do próprio vice norte-americano perguntaram para sua equipe porque ele não participou do encontro.
Ao
final do relato, Temer volta a dizer que "tenho quase certeza", depois
destes exemplos, "que a senhora continua não confiando em mim".
Em
seu texto, num tom de desabafo, o peemedebista diz que, no primeiro
mandato, foi um "vice decorativo", mas que em nenhum momento criou
dificuldades para o governo dela, sendo leal ao Palácio do Planalto.
Depois,
Temer passa a explicar sua postura atual, de evitar comentários
públicos em defesa da presidente Dilma. Ele destaca que é o presidente
do PMDB, precisa trabalhar pela unidade do partido e não pode perder o
apoio do PMDB.
"Por
isto este meu cauteloso silêncio", diz ele ao final do texto de três
páginas, entregue em envelope fechado no gabinete da presidente Dilma
por volta das 17h.
Temer
disse a amigos que o texto foi enviado em caráter "confidencial e
pessoal", mas que o Palácio do Planalto acabou vazando seu conteúdo, no
que ele sentiu mais uma demonstração da desconfiança que o governo nutre
em relação a ele.
O vice fez a carta porque ficou incomodado com as versões de que havia pregado o rompimento entre o PMDB e o governo.
E,
diante da informação de que a presidente o procuraria para conversar,
Temer resolveu apontar por escrito fatores reveladores da desconfiança
que o governo tem em relação a ele e ao PMDB.
Leia abaixo a íntegra da carta do vice-presidente Michel Temer a Dilma:
*
São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.
Senhora Presidente,
"Verba volant, scripta manent".
Por
isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes
últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no
Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.
Desde
logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da
minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade
institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais
são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela
derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto,
sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu
entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que
fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança.
E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à Vice.
Tenho
mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio
político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei
no partido.
Isso tudo não gerou confiança em mim, Gera desconfiança e menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1.
passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. a
senhora sabe disso. perdi todo protagonismo político que tivera no
passado e que poderia ter sido usado pelo governo. só era chamado para
resolver as votações do pmdb e as crises políticas.
2.
Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas
ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários,
subsidiários.
3.
A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério
da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado
durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis,
portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia
seguinte, ao telefone.
4.
No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em
razão de muitas "desfeitas", culminando com o que o governo fez a ele,
Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que
ele, Ministro da área, indicara para a ANAC.
Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta "conspiração".
5.
Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação
política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado,
atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal.
Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários.
Não
titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada
mais do que fazíamos tinha sequencia no governo. Os acordos assumidos no
Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de
lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa
credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.
6.
De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu
ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem
nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido.
Os
dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não
teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho
Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento.
Aliás,
a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito)
votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado
por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do
nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei
que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e
criticar.
8.
Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas
com o Vice Presidente Joe Biden - com quem construí boa amizade - sem
convidar-me o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve
que numa reunião com o Vice Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil
não se faz presente?
Antes,
no episódio da "espionagem" americana, quando as conversar começaram a
ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar
com o Vice Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado
absoluta falta de confiança.
9.
Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do
país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o
teor da conversa.
10.
Até o programa "Uma Ponte para o Futuro", aplaudido pela sociedade,
cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e
resgatar a confiança foi tido como manobra desleal.
11. PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso.
A
senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso
silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade
partidária.
Passados
estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade
para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã.
Lamento, mas esta é a minha convicção.
Respeitosamente, \ L TEMER
A Sua Excelência a Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
DO. Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília, D.F.
Com O Antagonista
Não há dúvida: a carta de Michel Temer a Dilma Rousseff é de rompimento.
A
epígrafe em latim -- "verba volant, scripta manent", ou "as palavras
ditas voam, as escritas permanecem" -- aponta um caminho sem volta,
enfatizado pela última frase: "Finalmente, sei que a senhora não tem
confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é
a minha convicção".
E
se Michel Temer, naturalmente reservado, escreveu-a é porque a roda do
impeachment começou a girar na direção oposta à pretendida pelo governo.
É um rompimento explosivo, apesar de todas as negativas.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/12/1716221-temer-escreve-carta-em-tom-de-desabafo-a-dilma.shtml
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