Martha Medeiros*
Acumular dá a falsa sensação de permanência,
diz a
sabedoria oriental.
Só que nada permanece.
Nem você.
Doe o que estiver empanturrando seu cotidiano, desfaça-se do que está mofando na garagem e aproveite também para parar de fumar
Celebro as desintoxicações, todas elas. Limpar é uma atitude que traz consequências saudáveis ainda que tenha gente que precise de uma bagunça em volta, de crostas no chão e na alma, de se perder em meio a embalagens de comida, toalhas sujas e cacarias. Vá tentar explicar a elas o quanto suas vidas estão emperradas justamente por causa dessa preguiça em colocar um par de luvas, pegar um balde e se desfazer dos excessos.
“Não se enlouquece quando se tem um tanque cheio de roupa suja pra dar conta”, dizia o antenado Caio Fernando Abreu, de quem tenho lembrado muito nesses tempos em que todos parecem meio pirados.
A casa de todos nós é impregnada de toxinas. Objetos e roupas que não usamos mais, coisas quebradas ou lascadas, plantas mortas, papelada sem sentido, jornais e revistas antigos, remédios vencidos, meias furadas, eletrodomésticos estragados. Guardá-los é uma ilusão de que trarão de volta a época em que serviram para alguma coisa. Uma resistência à passagem do tempo. Pois crescemos, viramos gente grande, logo está na hora de dizer: xô, tranqueiras.
É uma terapia rápida e de baixo custo: desapegar-se das tralhas a fim de aliviar a rotina. Abrindo espaço, nos sentimos mais leves e tudo em volta clareia, inclusive as ideias. Se bobear, até a saúde melhora: bye bye ácaros, traças, cupins e aedes aegypti (água parada também é lixo).
Escutei outro dia, em algum lugar, que existem fios invisíveis que nos ligam a tudo aquilo que possuímos. Está explicado: como não se sentir deprimido num ambiente lotado de entulho? Como não acordar cansado estando interligado a uma tonelada de peso inútil? Vale para o que é material e, óbvio, para o coração, aquele pequeno músculo que bate dentro do peito e que não merece hospedar tanto sentimento que não serve pra nada, a não ser para obstruir as artérias. Já experimentou não sentir tanto assim? Chega de abraçar todas as dores do mundo. Sinta com mais discernimento e sofisticação: grite menos, resmungue menos, se importe menos. Aposente o dançarino de tango argentino.
Hora de fazer uma faxina no sótão e no porão (mas quem ainda tem sótão e porão?). Ok, voltemos à vida real, a dos apartamentos minúsculos: tire as coisas de cima da cama, remova aquelas pilhas no canto da parede e esvazie os armários para que as portas possam fechar de novo.
Estou parecendo uma mãe chata? Paciência. Hoje baixou em mim a dona Maria. Por isso, vos digo: doe o que estiver empanturrando seu cotidiano, desfaça-se do que está mofando na garagem e aproveite também para parar de fumar. Sei lá, achei que calhava.
Acumular dá a falsa sensação de permanência, diz a sabedoria oriental. Só que nada permanece. Nem você. Então, deixe suas gavetas arrumadas, por obséquio.
Celebro as desintoxicações, todas elas. Limpar é uma atitude que traz consequências saudáveis ainda que tenha gente que precise de uma bagunça em volta, de crostas no chão e na alma, de se perder em meio a embalagens de comida, toalhas sujas e cacarias. Vá tentar explicar a elas o quanto suas vidas estão emperradas justamente por causa dessa preguiça em colocar um par de luvas, pegar um balde e se desfazer dos excessos.
“Não se enlouquece quando se tem um tanque cheio de roupa suja pra dar conta”, dizia o antenado Caio Fernando Abreu, de quem tenho lembrado muito nesses tempos em que todos parecem meio pirados.
A casa de todos nós é impregnada de toxinas. Objetos e roupas que não usamos mais, coisas quebradas ou lascadas, plantas mortas, papelada sem sentido, jornais e revistas antigos, remédios vencidos, meias furadas, eletrodomésticos estragados. Guardá-los é uma ilusão de que trarão de volta a época em que serviram para alguma coisa. Uma resistência à passagem do tempo. Pois crescemos, viramos gente grande, logo está na hora de dizer: xô, tranqueiras.
É uma terapia rápida e de baixo custo: desapegar-se das tralhas a fim de aliviar a rotina. Abrindo espaço, nos sentimos mais leves e tudo em volta clareia, inclusive as ideias. Se bobear, até a saúde melhora: bye bye ácaros, traças, cupins e aedes aegypti (água parada também é lixo).
Escutei outro dia, em algum lugar, que existem fios invisíveis que nos ligam a tudo aquilo que possuímos. Está explicado: como não se sentir deprimido num ambiente lotado de entulho? Como não acordar cansado estando interligado a uma tonelada de peso inútil? Vale para o que é material e, óbvio, para o coração, aquele pequeno músculo que bate dentro do peito e que não merece hospedar tanto sentimento que não serve pra nada, a não ser para obstruir as artérias. Já experimentou não sentir tanto assim? Chega de abraçar todas as dores do mundo. Sinta com mais discernimento e sofisticação: grite menos, resmungue menos, se importe menos. Aposente o dançarino de tango argentino.
Hora de fazer uma faxina no sótão e no porão (mas quem ainda tem sótão e porão?). Ok, voltemos à vida real, a dos apartamentos minúsculos: tire as coisas de cima da cama, remova aquelas pilhas no canto da parede e esvazie os armários para que as portas possam fechar de novo.
Estou parecendo uma mãe chata? Paciência. Hoje baixou em mim a dona Maria. Por isso, vos digo: doe o que estiver empanturrando seu cotidiano, desfaça-se do que está mofando na garagem e aproveite também para parar de fumar. Sei lá, achei que calhava.
Acumular dá a falsa sensação de permanência, diz a sabedoria oriental. Só que nada permanece. Nem você. Então, deixe suas gavetas arrumadas, por obséquio.
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* Jornalista. Escritor
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4928581.xml&template=3916.dwt&edition=28021§ion=1026
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