Curtis McCarty esteve preso 21 aos, 19 dos quais no corredor da morte Daniel Rocha
Curtis passou 19 anos à espera de ser executado. A condenação foi
anulada e foi libertado, o que não significa que ficou livre.
A
impossibilidade de fazer conversa
é um dos pesos que carrega.
Há pouco tempo, Curtis McCarty teve “uma experiência bizarra”. O pai,
viúvo, voltou a casar e quando estava a arrumar a casa onde vivia com a
mãe encontrou as cartas que ele enviara da prisão. “A partir de certa
altura, havia ali muita violência. Não reconheci aquela pessoa. Era eu,
mas era uma versão perversa de mim, não reconheci muito do que tinha
escrito”, diz.
Curtis fala das cartas quando está a tentar
explicar que não se lembra assim tão bem dos muitos anos que passou
preso, 21, por um crime que não cometeu e dos três julgamentos, em 1986,
1989 e 1995, em que foi condenado à morte pelo assassínio de Pamela
Willis, de 18 anos. “Sei que devia ter memórias mais vívidas, mas não
tenho. Não sei como é que suportei esses julgamentos. Só sei que me
levantava todos os dias da cama.”
Curtis nasceu pobre, na cidade
norte-americana de Oklahoma, no estado norte-americano com o mesmo nome,
e tomou más decisões. Aos 15 anos já tinha problemas com drogas e
desistira da escola. Conheceu Pam, filha de um polícia que levava uma
vida parecida. Pam foi morta em 1982 e Curtis, então com 19 anos, foi
uma das muitas pessoas que os investigadores ouviram.
Quatro anos
mais tarde foi acusado e condenado. Já tinha um filho com seis anos que
vivia com a mãe e com quem nunca conseguiu construir uma relação desde
que foi libertado, há sete anos.“Alguém decidiu que o melhor era
dizer-lhe que eu era má pessoa, que não queria saber dele. Não culpo
ninguém, mas foi uma má decisão. Mesmo um adolescente tem direito à
verdade”, diz Curtis, depois de contar que o próprio filho, já pai,
começou a fugir das suas responsabilidades. “Ele devia saber melhor, não
é? Tendo o meu exemplo. E sabe, mas escolheu agir errado mesmo assim.”
Nos
21 anos de cárcere, os pais foram a única presença constante na sua
vida. A mãe estava muito doente quando saiu da prisão e morreu três anos
depois. “Eram a minha fundação no mundo real, emocionalmente,
financeiramente, socialmente, eram só eles… Todos os meus amigos eram
toxicodependentes e pequenos criminosos. É incrível, eu conhecia muita
gente, nunca mais vi nenhuma das pessoas que conhecia em Oklahoma, nem
uma.”
Os amigos desapareceram e não o apoiaram, embora alguns
tenham ido falar com os pais, explicar-lhes que tinham medo de ser
acusados de alguma coisa se o defendessem. “A polícia ameaçou-os”,
explica Curtis. “Só uma pessoa é que testemunhou, Tracy, ela sabia onde é
que eu estava e não teve medo de falar. Eu tinha conhecido a Pam
através dela. Foi corajosa mas não valeu de nada.” Quando Curtis foi
libertado, Tracy tentou contactá-lo e até enviou um recado através de um
jornalista, mas Curtis não quis vê-la.
Tanto cansaço
O homem de 52 anos que agora conhecemos parece exausto. Está fisicamente cansado, chegou de Roma no domingo, passou três horas a responder a perguntas no chat de Facebook organizado pela Amnistia Internacional que o convidou a estar em Lisboa esta segunda-feira, 30 de Novembro, Dia Internacional Cidades Pela Vida – Cidades Contra a Pena de Morte.
A
conversa com o PÚBLICO aconteceu segunda de manhã mas o cansaço de
Curtis é maior do que o de uma noite mal dormida. É o cansaço de uma
vida interrompida e impossível de recuperar. Há pausas enormes depois
das perguntas e antes que a sua voz baixa comece a falar, sempre
pausadamente. Às vezes os olhos encontram-se com o interlocutor, muitos
períodos em que parecem perdidos no infinito. Há lágrimas e há dor,
muita dor.
Pam foi violada, estrangulada e esfaqueada. Curtis foi
condenado por um júri que acreditou no testemunho de uma analista
forense, Joyce Gilchrist, que afirmou que os cabelos na cena do crime
podiam ser seus e que o esperma recolhido na vítima correspondia ao seu
tipo de sangue. Gilchrist tinha alterado as suas notas em 1985, para
acrescentar a parte dos cabelos – algo que os advogados de Curtis só
descobriram muito mais tarde.
Em 2000, a analista começou a ser
investigada por falsos resultados noutros casos e acabou despedida por
falsificar provas. As provas que examinou foram usadas em 3000 processos
e conduziram a 23 sentenças de morte; onze destas pessoas foram
executadas. O procurador que acusou Curtis em 1986 e 1989 também foi
mais tarde acusado de “esconder provas essenciais”. Segundo o Registo
Nacional de Exonerações, um projecto da Faculdade de Direito da
Universidade do Michigan, Robert H. Macy enviou 73 pessoas para o
corredor da morte em 21 anos, mais do que qualquer outro procurador nos
Estados Unidos.
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Reportagem por
Fonte: http://www.publico.pt/mundo/noticia/uma-vida-a-falar-da-vida-que-nao-se-teve-da-vida-no-corredor-da-morte-1716065
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