O catolicismo se globaliza, mas as outras religiões
também e
formam um mundo de religiões globais, todas abertas,
sem
monopólio em parte alguma, constata o sociólogo, Senior Fellow da
Georgetown University.
“O catolicismo sempre significou uma religião universal”. Essa afirmação foi feita pelo sociólogo da religião Jose Casanova, em entrevista concedida pessoalmente à IHU On-Line, quando esteve na Unisinos a convite do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Segundo ele, o catolicismo se faz global “porém se desterritorializa, e isso quer dizer que os territórios que eram católicos se tornam religiosamente pluralistas”.
E continua: “há um pluralismo religioso muito grande no Brasil que é
parte desse processo global. Portanto, o catolicismo se globaliza, mas
as outras religiões também, formando um mundo de religiões globais,
todas abertas, sem monopólio em parte alguma”.
Há dois modelos de secularização, segundo o autor de Public religions in the modern world.
Ele explica: “um que é secularização sem religião, e, de alguma
maneira, sobrevive à religião. E outro, que é abrir um espaço neutro
para todas as religiões, para todas as culturas, para todas as formas de
pensar”.
Esses, segundo Casanova, são os dois modelos de
estágio secular: “um modelo de estágio laicista, que quer marginalizar a
religião para que ela não tenha um papel na vida pública; e o outro
modelo de estágio secular, que é um estado neutro que garante a todas as
religiões igualdade e possibilidade de participar da vida pública”.
Jose Casanova
esteve na Unisinos, onde ministrou as palestras: “As religiões na
sociedade e na academia. Desafios e perspectivas” e “Teologia e
religiões no espaço público da academia e da sociedade”.
Casanova é um dos mais respeitados sociólogos da
religião na atualidade. É professor titular no departamento de
sociologia da Georgetown University em Washington/DC, EUA, uma
universidade jesuíta fundada em 1789, e diretor do programa “Globalização, religião e o secular” do Center Berkley daquela universidade.
Sua obra-prima é Public religions in the modern world (Chicago/London:
The University of Chicago Press, 1994), considerado um clássico na
área. Nela contradiz a muito postulada conexão íntima entre modernidade
(ocidental, mas vista como universal) e secularização, em especial onde
mantém que a religião seria fadada a virar algo meramente privado, sem
incidência pública. Além dessa obra, é autor entre outros, do seguinte
título: A secular age: dawn or twilight? [capítulo tirado de uma coletânea sobre o livro de Charles Taylor Uma era secular (São Leopoldo: Unisinos, 2010)].
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual a contribuição do catolicismo em uma época onde avança a secularização?
IHU On-Line – Qual a contribuição do catolicismo em uma época onde avança a secularização?
Jose Casanova – Depende do que se entende por
secularização. O catolicismo seguia um modelo de religião estatal,
territorial, confessional. Desde o aggiornamento (1) , em 1960,
ele abandonou esse modelo e se tornou uma religião mais livre, mais
independente da sociedade civil. E isso o permitiu se desterritorializar
e se tornar mais aberto a um modelo de religião global. O catolicismo
sempre significou uma religião universal. Nesse sentido, a Igreja sempre
foi universal. No entanto, isso é o que se pretendia. Na realidade, só
se constituiu em uma religião global nos últimos cem anos.
IHU On-Line – O senhor considera que o catolicismo está se tornando uma religião global?
IHU On-Line – O senhor considera que o catolicismo está se tornando uma religião global?
Jose Casanova – Até o século XVI, o catolicismo
esteve restringido à Europa. Com o colonialismo europeu, estendeu-se a
todas as Américas e à Ásia. Nos últimos 50 anos, ampliou sua abrangência
por outras terras. No entanto, a grande expressão do catolicismo surge
com o colonialismo espanhol e português principalmente. Hoje em dia, na
Ásia, por exemplo, com exceção das Filipinas, trata-se de uma religião
muito pequena.
IHU On-Line – Então, acredita que ele tem tudo para se tornar uma religião global, é isso?
IHU On-Line – Então, acredita que ele tem tudo para se tornar uma religião global, é isso?
Jose Casanova – Sim. Mas simultaneamente, enquanto o
catolicismo se torna global, ele se desterritorializa, e isso quer
dizer que os territórios, que antes eram católicos, agora se tornam
também pluralistas (do ponto de vista do pluralismo religioso). Então, a
religião católica se torna uma religião global, mas ela tem que
competir com outras religiões, inclusive nos países que eram católicos e
já não o são mais (pelo menos não oficialmente). Por exemplo, o Brasil era
oficialmente um país católico e as outras religiões estavam ocultas.
Nos últimos 40 anos, apareceram com força o pentecostalismo e as
religiões afro-brasileiras. Então, há um pluralismo religioso muito
grande no país e isso também é parte do processo global. Portanto, o
catolicismo se globaliza, mas as outras religiões também, formando um
mundo de religiões globais, todas abertas, sem monopólio em parte
alguma.
IHU On-Line – Nesse caso, de que modo a secularização pode ou não conviver com o religioso?
IHU On-Line – Nesse caso, de que modo a secularização pode ou não conviver com o religioso?
Jose Casanova – Havia um modelo de secularização que
era visto como um processo superior ao estágio religioso, como se o
estágio secular fosse sua sequência natural. Agora, há um processo pelo
qual se entende o secular como um espaço neutro, onde todas as
religiões, não religiões e ideologias não religiosas podem viver
conjuntamente. Há dois modelos de secularização: um que é secularização
sem religião, e de certa maneira ele sobrevive à religião. E há outro
modelo de secularização que permite abrir um espaço neutro para todas as
religiões, para todas as culturas, para todas as formas de pensar.
Esses são os dois modelos de estágio secular: um modelo de estágio
laicista, que quer marginalizar a religião, para que ela não tenha um
papel na vida pública; e o outro modelo que é um estado neutro, para que
todas as religiões tenham igualdade e possam participar de uma vida
pública.
IHU On-Line – Quais são as diversas formas e aplicabilidades da secularização?
IHU On-Line – Quais são as diversas formas e aplicabilidades da secularização?
Jose Casanova – O conceito de secularização é muito
ambíguo e multivalente, motivo pelo qual eu diria que há três
significados distintos: secularização simplesmente como diferenciação de
esferas seculares (o Estado, a economia, a ciência da religião), tal
como um processo geral de modernização; secularização como o declínio, a
perda de crenças e práticas religiosas; e secularização como a
privatização, ou seja, a religião deve se privatizar e se tornar mais
“fina”. Na Europa, esses três processos andaram conjuntamente e
pensava-se que a modernidade necessariamente tendia não só à
diferenciação de esferas seculares e religiosas, mas também à perda da
religião, à queda de práticas e crenças religiosas. A experiência global
nos indica que a secularização como diferenciação é compatível com
muitas dinâmicas religiosas diferentes. As sociedades seculares
europeias são praticamente “sem religião”. No entanto, nos EUA, a
secularização de diferenciação leva ao crescimento das religiões. No Brasil vemos
o mesmo caso: nos últimos 40 anos a sociedade brasileira se modernizou.
O catolicismo perdeu sua hegemonia, mas há o crescimento de diversas
religiões. Então, em muitas partes do mundo, o que chamamos de “a
primeira secularização” é compatível e até ajuda no crescimento das
religiões. Ou seja, diferenciação não significa necessariamente perda ou
queda das religiões.
IHU On-Line – Qual a relação entre secularização e democracia?
IHU On-Line – Qual a relação entre secularização e democracia?
Jose Casanova – Ambos são modelos de pluralização,
que exigem a perda do monopólio. Mas a democracia simplesmente significa
pluralização de esquemas e de propostas políticas que, em vez de
imporem a hegemonia, mostram a necessidade de se conviver uns com os
outros. Nesse sentido, a democratização leva necessariamente a um
caminho de pluralização religiosa. Há uma teoria que diz que a
pluralização religiosa põe em questão a pretensão de verdade absoluta de
uma única religião e, portanto, questiona todas as religiões. Porque,
se todas são verdadeiras, nenhuma é verdadeira. Sociologicamente, o que
vemos é que os países mais pluralistas religiosamente não são aqueles em
que a religião desaparece, pelo contrário. A Índia e os EUA são
possivelmente as duas sociedades mais pluralistas do mundo, ambas
democráticas. Entretanto, são muito religiosas. Então, não há evidência
sociológica nenhuma de que a pluralização religiosa leve à perda da
religião. Pelo contrário.
IHU On-Line – Nesse sentido, quais são as religiões que mais contribuem com a democracia de um país? O senhor pode citar como exemplo alguma religião que tenha uma importante contribuição na América Latina?
IHU On-Line – Nesse sentido, quais são as religiões que mais contribuem com a democracia de um país? O senhor pode citar como exemplo alguma religião que tenha uma importante contribuição na América Latina?
Jose Casanova – Essa é uma pergunta histórica, pois
vivemos um momento em que as religiões dos países autoritários, que
estão em viés de democratização, são justamente as que têm a
possibilidade de contribuir para a democracia. O catolicismo, durante
muitas décadas, não deu sua contribuição nesse sentido. Pelo contrário,
era um obstáculo em muitos países. Nos anos 1960, a maioria dos países
católicos do mundo era autoritária, não democrática. Entretanto, o
processo de aggiornamento do Concílio Ecumêmico Vaticano II ajudou
a transformar a ideia de modelo político da Igreja, que adotou o
discurso dos direitos humanos e do valor da democracia. Então, pela
primeira vez na história, muitos movimentos católicos participaram
ativamente e desempenharam um papel muito importante na democratização
dos países. Esse processo começou na Espanha, depois seguiu por toda a América Latina, logo passou ao leste da Europa (como a Polônia)
e se estendeu, inclusive, por países que não eram católicos, mas onde
minorias católicas desempenharam um papel importante, como em Taiwan, Coreia do Sul e África do Sul.
Por isso essa terceira onda democrática pode ser chamada de uma “onda
católica”. Hoje em dia, presenciamos uma quarta onda democrática
muçulmana. Pensava-se que a religião muçulmana era antidemocrática, mas o
islamismo se converteu em democracia muçulmana, e movimentos muçulmanos
desempenham um papel muito importante na democratização da Indonésia, que é o maior país muçulmano do mundo, ou na Turquia, cujo partido que a governa é muçulmano e que tem feito uma nação mais democrática do que era antes (basta ver a Primavera Árabe, que não sabemos como acabará). Há claramente um processo de democratização dos países árabes.
IHU On-Line – Nesse sentido, que fenômeno está surgindo com as religiões e/ou com a secularização no mundo globalizado?
IHU On-Line – Nesse sentido, que fenômeno está surgindo com as religiões e/ou com a secularização no mundo globalizado?
Jose Casanova – Uma questão que pode ser citada como
resposta é a globalização, que leva à desterritorialização de todas as
religiões e à perda de hegemonia territorial. O que temos percebido é um
crescimento do pluralismo religioso associado à imigração. Por exemplo,
o Brasil é um país de imigrantes, onde cada grupo trouxe sua religião:
os africanos, os portugueses, os chineses, os japoneses, etc. Hoje em
dia, em função da globalização, da imigração e de movimentos
intelectuais dos meios de comunicação, tudo se globaliza, incluindo as
religiões. O que vemos é um processo de formação do que se chamariam
“comunidades imaginárias religiosas globais” (comunidades católica
global, muçulmana global, hindu global, etc.). Dessa forma, todas as
religiões estão se reconstituindo globalmente como comunidades
imaginárias, competindo e também convivendo umas com as outras. É um
processo de reconhecimento múltiplo de todas as religiões do mundo.
IHU On-Line – Em relação ao segundo modelo de secularização abordado pelo senhor, ou seja, o contexto da secularização em que as religiões terão que aprender a se aproximar e a dialogar minimamente, como se dará esse processo, uma vez que a maioria das religiões tem, em sua essência, um sentido missionário, sempre atuando mais na sociedade, buscando novos adeptos etc.? Nesse sentido, como essa segunda secularização dialoga com essa pretensão?
IHU On-Line – Em relação ao segundo modelo de secularização abordado pelo senhor, ou seja, o contexto da secularização em que as religiões terão que aprender a se aproximar e a dialogar minimamente, como se dará esse processo, uma vez que a maioria das religiões tem, em sua essência, um sentido missionário, sempre atuando mais na sociedade, buscando novos adeptos etc.? Nesse sentido, como essa segunda secularização dialoga com essa pretensão?
Jose Casanova – Trata-se de um processo de aprendizagem. Possivelmente o primeiro lugar onde isso aconteceu foi nos EUA,
país no qual não havia processo de encontro ou de conflito entre várias
religiões cristãs, mas entre várias religiões protestantes. Não havia
apenas uma igreja protestante, mas sim várias seitas, dúzias delas
tiveram que aprender a conviver umas com outras. Em princípio, não
reconheciam o catolicismo. Eventualmente, reconheceram os católicos e os
judeus. A questão é como pluralizar a situação para que não haja uma
igreja em minoria, e sim equivalência. A Igreja Católica, por uma parte,
afirma que é a detentora da verdade, mas reconhece a liberdade
religiosa e, portanto, o pluralismo religioso. Logo, não pode lutar
contra esse pluralismo. E isso leva à obrigação de reconhecer a
liberdade religiosa. Esse processo de cada religião se apresentar ao
mundo inteiro como verdadeira, e o direito de cada uma ser diferente e
única, é, hoje em dia, um princípio universal de todas as religiões.
Isso foi o grande ensinamento do judaísmo, que resistiu à insistência do
cristianismo, de que este último era uma religião verdadeira, e que os
judeus deviam se tornar cristãos. O judaísmo insistiu no direito de os
judeus serem judeus, particulares, não universais. Então, é o conflito
entre universalismo e particularismo. A verdade sempre pretende ser
universal, mas, na realidade, cada verdade universal é sempre
particular. Ademais, nenhuma religião precisa se converter às outras. No
entanto, ao mesmo tempo, todas pretendem que sua mensagem, por mais
particular e única, seja também uma mensagem universal para toda a
humanidade. Além disso, não são as religiões que têm direito, pois elas
não existem. Somente as pessoas têm direito. Então, o mundo moderno
sacraliza a pessoa humana. E é ela quem tem direito sagrado inalienável à
verdade. Portanto, as religiões não têm direitos absolutos, e sim os
indivíduos.
IHU On-Line – Como analisa daqui para frente as religiões? As vê cada vez mais desterritorializadas e globais?
IHU On-Line – Como analisa daqui para frente as religiões? As vê cada vez mais desterritorializadas e globais?
Jose Casanova – O catolicismo vivia na tradição das
famílias; batizavam-se as crianças e esperava-se que elas seguissem
católicas por toda a vida. Esse era o modelo. Hoje em dia, isso não
serve mais. A fé atualmente tem que ser voluntária e assumida
individualmente. Não é suficiente batizar uma criança. Ela tem que,
quando adulta, confirmar sua fé. É um processo que necessita de
evangelização contínua. A religião deve ser algo individual e
voluntário. Isso ocasiona uma competição entre todas as crenças, e elas
podem se tornar um mercado livre. Ademais, estamos em um processo de
globalização que implica no reconhecimento da pluralidade da humanidade,
certamente nunca homogênea. Reconhecemos que o universalismo é plural e
que, inclusive, todas as ideias universalistas humanas têm formas
distintas historicamente.
IHU On-Line – Como avalia o diálogo da teologia com outras ciências na academia?
IHU On-Line – Como avalia o diálogo da teologia com outras ciências na academia?
Jose Casanova – É uma questão de contexto. Na
Alemanha, é muito simples, pois a teologia sempre fez parte da
universidade moderna. Ele é um conceito mais amplo do que o conceito
latino de ciência e significa a “atual forma de saber”, ou seja, é a
produção de conhecimento literalmente. Na Espanha ou na França, isso é
impossível. Por definição, a universidade é um espaço laico, e não há
lugar para as religiões. Uma universidade pública na França ou na
Espanha não pode possuir nenhuma faculdade de teologia, nem sequer
formar uma ciência das religiões, porque na França se trata de uma
ciência secularista, que estuda as religiões de uma perspectiva
laicista.
A obra de Charles Taylor (2) – A secular age
– é uma análise de como se formou a referida era, mas é também uma
tentativa de chamar a atenção à possibilidade de encontrar formas de
transcendência nesta idade secular e de questionar o fato de que há uma
razão secular natural que é superior à razão religiosa. Portanto, esta
última não pode ser inserida na cena pública. Seria um fator arbitrário,
privado, que não pode ser submetido a um discurso público. Há a
possibilidade de que o conceito de religião seja demasiado ambíguo e
equivalente, e que se torne totalmente ineficaz. Logo, seria melhor
abandoná-lo, porque não há nenhum conceito de religião que possa
incorporar tudo o que hoje, no mundo, denomina-se “religião”.
IHU On-Line – Já que citou a obra de Charles Taylor – A Secular Age – gostaríamos que o senhor fizesse uma apresentação geral da obra.
IHU On-Line – Já que citou a obra de Charles Taylor – A Secular Age – gostaríamos que o senhor fizesse uma apresentação geral da obra.
Jose Casanova – Muito difícil. É uma obra de 900 páginas: são três livros em um. Seria impossível eu oferecer um resumo sucinto. Convidei Charles Taylor
a ir a Georgetown para ministrar três palestras e elaborar um resumo de
sua obra para o público geral, e ele foi incapaz de fazê-lo. Portanto,
eu também não poderei. Mas posso dizer que o livro é possivelmente a
reconstrução genealógica mais completa que temos de como se
transformaram as sociedades cristãs ocidentais de uma situação em que
todo mundo acreditava em Deus – e a crença Nele era aceita como o
normal, sendo muito difícil, quase impossível, não acreditar – a uma
situação em que, ao inverso, o natural é não acreditar, sendo a fé que
exige um processo reflexivo. Então, ele toma esse modelo que começa em
1500, quando o natural era acreditar, e a reflexão quase impossível em
não acreditar. Por um lado, Taylor quer
explicar esse processo, também comparando como é diferente o que ocorre
na Europa e na América do Norte. O que ele quer fazer é mostrar àqueles
que não creem, principalmente porque não crer não é natural, a refletir
por que não creem, que a não crença não é algo simplesmente natural,
mas que se trata de um produto desse processo histórico. Além disso, ser
reflexivo não é tarefa apenas dos crentes. Os não crentes também o
devem ser. Então, a questão é como, dentro do pluralismo enorme, pode
reaparecer a transcendência, principalmente porque ela é muito
importante para Charles Taylor.
IHU On-Line – Qual é o grande mérito da obra?
IHU On-Line – Qual é o grande mérito da obra?
Jose Casanova – É precisamente forçar, na idade
secular, todos os grandes pensadores seculares a repensar a história,
sendo que esta era uma genealogia da religião como uma forma de
liberação da ignorância e do avanço da ciência. O que Charles Taylor faz
é unir todas as religiões, não como alternativas que se excluem, mas
sim como todas construíram o presente. Talvez, a função mais importante
seja levar todos a refletirem. Ademais, percebe-se que esse era um tema
que os cientistas e os filósofos não abordavam. Já os não religiosos não
tratavam do referido assunto porque se pensava que era um tema
irrelevante, mas Charles Taylor
apostou nele: da crença e da transcendência, e o que esta última
significa na humanidade. Aliás, ele apostou em todos os discursos sérios
e filosóficos contemporâneos.
IHU On-Line – Quais são as suas críticas perante o livro de Taylor?
IHU On-Line – Quais são as suas críticas perante o livro de Taylor?
Jose Casanova – O livro está restringido ao que
chamam Atlântico Norte. É baseado numa experiência de países do norte
europeu, sobretudo a França, a Alemanha, assim como na experiência da
América do Norte. Os EUA são os que Taylor conhece melhor, mas ele passa muito tempo trabalhando na Índia e
sabe que a situação global é muito mais complexa. Então, faz-se
necessário reconstruir essa história dentro do marco norte-atlântico
para poder globalizar.
Não é tanto uma crítica. A minha diferença com Taylor,
e o que na crítica havia lhe proposto, é que um mesmo modelo de
experiência fenomenológica nos força a repensar sua própria teoria e,
principalmente, a refletir por que essa secularização na Europa teve uma
experiência fenomenológica de não crença, que é muito radicalmente
diferente da norte-americana, uma vez que, se pensamos no que Taylor afirma, de que na Europa, hoje em dia, o normal é não crer e acreditar é muito difícil, é verdade.
Para que uma pessoa seja crente atualmente na Europa, ela tem que
fazer um esforço de pensamento reflexivo. O que reflete hoje em dia é o
crente; o não crente não precisa ter refletido. É a opção natural. Mas
nos EUA não é assim. Pelo contrário, lá todo mundo crê
ainda. E é a pessoa jovem não crente que tem que ter uma coragem muito
grande para se opor à crença da sociedade. Então, para mim Taylor
não refletiu suficientemente, porque esse mesmo marco que ele construiu
leva a essas experiências fenomenológicas tão diferentes na Europa e nos EUA. E, se esta experiência é tão diferente nesses países, a perspectiva se faz global. Logo, a pergunta que Taylor nos
faz é: de que maneiras diferentes se experimentam fenomenologicamente,
em diferentes culturas, essa expansão global do marco imanente secular?
IHU On-Line – Quais as principais críticas de Taylor à nossa época?
IHU On-Line – Quais as principais críticas de Taylor à nossa época?
Jose Casanova – Uma das principais críticas de Taylor é
que o ser secular é um ser não reflexivo. E a humanidade necessita
sempre ser reflexiva. Então, a não crença se converte na crença. Quando a
não crença se converte em crença reflexiva, ele convida a refletir
sobre a transcendência, constituindo uma maneira de convidar o homem
moderno à reflexão para que não considere natural o que é naturalizado,
mas sim se encontre sempre em processos contingentes não naturalizados.
Enfim, o mais importante de Taylor não é reproduzir
como chegamos a ser seculares, mas questionar a forma como naturalizamos
essa secularidade, como se isso fosse algo natural.
IHU On-Line – Qual é o conceito de secularização adotado por Taylor e no que esse conceito se diferencia do seu?
IHU On-Line – Qual é o conceito de secularização adotado por Taylor e no que esse conceito se diferencia do seu?
Jose Casanova – Há diferenças. Ele fala de três: secular one, secular two, secular three.
Dois dos nossos conceitos são muito parecidos: o conceito de
secularização como diferenciação e o conceito de secularização como
perda de religião. No que nos diferenciamos tomaria muito tempo; prefiro
não responder, porque é muito complicado. Taylor mesmo
não está claro nisso. Ele escreveu o livro quando estávamos juntos.
Certamente nossas posições, hoje, estão muito mais próximas do que
quando eu escrevi ou quando ele escreveu, uma vez que estão
continuamente mudando. Não há fórmula válida que explique. É muito
complexo.
IHU On-Line – Para Charles Taylor, o que significa crer em Deus no mundo de hoje?
IHU On-Line – Para Charles Taylor, o que significa crer em Deus no mundo de hoje?
Jose Casanova – O que significava acreditar em Deus está mais ou menos definido por uma tradição cristã de uma ideia de transcendência. Taylor naturalmente
acentua a importância do deísmo como uma face que passa do teísmo, da
crença em Deus particular, o Deus do Abraão, de Jacó, de Jesus Cristo,
ao Deus deísta universal natural. E isso levou do teísmo para o deísmo e
deste ao ateísmo. Houve uma transformação, segundo a análise de Taylor.
A explicação
Teísmo é simplesmente a crença em um deus particular, é unido à fé cristã, a Deus, principalmente à Revelação. O deísmo é
a busca por um Deus natural, universal abstrato, que não está
relacionado com nenhuma revelação particular. Então, é da passagem do
teísmo ao deísmo que, na análise de Taylor, faz-se
possível que chegue ao ateísmo, sendo esse um marco imanente secular
completo. Logo, para o referido autor a questão é como se pode voltar a
introduzir a ideia de transcendência que rompe com o marco imanente, sem
necessidade de se voltar para o teísmo antigo e nem para o deísmo.
Ademais, já não se pode pensar em uma forma de transcendência imposta a
toda a sociedade como modelo, como marco.
A divinização
A divinização
Ao final do livro de Charles Taylor há uma expressão de fé enorme; uma ânsia de divinização e encarnação: “Deus encarna em mim e eu me divinizo”. Então, o que Taylor quer
oferecer é a possibilidade de cada indivíduo no mundo moderno procurar e
experimentar essa divinização. O autor oferece a possibilidade de
romper com os marcos analíticos que faziam a transcendência impensável
dentro do mundo imanente da ciência, da democracia, da economia moderna,
do individualismo. Mostra, inclusive com sua própria experiência, como
grandes indivíduos, inclusive os santos, são modelos de procura da
transcendência.
Logo, ele almejava abrir lacunas, romper barreiras dentro desse marco
imanente pelo qual a transcendência pode ser inserida novamente. Com
isso os indivíduos podem estar abertos a ela. E, na última parte de seu
livro, há uma afirmação de uma experiência própria de transcendência –
“se eu experimentei, outros indivíduos do mundo podem também
experimentar”.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a crença, nos últimos séculos, visto que, outrora, ela era apenas a um Deus, e agora passa a ser a vários outros deuses ou outras coisas?
IHU On-Line – Como o senhor avalia a crença, nos últimos séculos, visto que, outrora, ela era apenas a um Deus, e agora passa a ser a vários outros deuses ou outras coisas?
Jose Casanova – A crença em Deus é algo muito
complexo. Alá se tornou um deus particular muçulmano. Então, a questão é
se outros indivíduos que não são muçulmanos podem usar o nome de Alá.
Em árabe, ele é simplesmente deus. No cristianismo, a questão é se Deus
é trinitário ou unitário. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. E o que
significa isso? Como sabemos, para os pentecostais, é um renascimento do
Espírito Santo na crença de Pentecostes. Há outras tradições que são
politeístas ou panteístas, que Deus está em tudo e é tudo. A nossa
crença ocidental acredita que Deus é um ser criador e que há um hiato
enorme entre Ele e a criação.
Sagrado na natureza
Sagrado na natureza
Estamos, hoje, em um momento de crise ecológica global em que é
necessário encontrar outra vez o sagrado na natureza. Devemos encontrar a
transcendência, a imanência e o sagrado no natural. Por isso, na
atualidade são as religiões mais primitivas, as afro-brasileiras ou as
ameríndias que sempre sacralizaram a natureza. E o homem moderno se
quiser se salvar e não destruir a si próprio e ao meio ambiente, do qual
necessita para viver, precisa ressacralizar, de algum jeito, a
natureza, e não impor essa divisão moderna cartesiana entre sujeito e
objeto, matéria e espírito.
Idade global
Idade global
A questão não é acreditar em Deus, mas no que é Deus e como acreditar
nele. A globalização nos força a reconhecer como a humanidade
desenvolveu, construiu e encontrou formas universais de conceitualizar,
de ver, de experienciar Deus, e como cada uma é experiente, é positiva.
Além disso, a ideia de que uma delas é verdadeira e as outras são falsas
é problemática. Logo, a questão é sempre estar aberto a uma experiência
que vai além de qualquer experimento histórico contingente, inclusive a
que acredita que Deus pode encarnar-se não somente em Jesus Cristo, mas
em outras culturas. A mesma ideia da contingência histórica nos força a
reconhecer as possibilidades de uma encarnação contínua. Deus em
manifestações distintas é o que seria precisamente o espírito
trinitário. A cristologia tem que aceitar um espírito que está aberto a
toda criação e a toda a experiência da humanidade. Então, não é questão
de acreditar em Deus como acreditávamos, mas sim de uma abertura de
significado de Deus em uma idade global, em que se devem incorporar
todas as experiências religiosas de toda humanidade.
Notas:
1.- Aggiornamento: termo italiano utilizado
durante o Concílio Ecumênico Vaticano II e que o Papa João XXIII
popularizou como “expressão do desejo de que a Igreja Católica saísse
atualizada do Concílio Vaticano II”. Em outras palavras, aggiornamento é
a adaptação e a nova apresentação dos princípios católicos ao mundo
atual e moderno. (Nota da IHU On-Line).
2.- Charles Taylor: filósofo canadense e professor
emérito da Universidade McGill, Montreal. É conhecido pelos seus
contributos em filosofia política, filosofia social e história da
filosofia. É autor de Uma era secular. São Leopoldo: Unisinos, 2010; Imaginários sociais modernos. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2010; As fontes do self. São Paulo: Loyola, 2005; Hegel e a sociedade moderna. São Paulo: Loyola, 2005; e Argumentos filosóficos. São Paulo: Loyola, 2000, entre outros. (Nota da IHU On-Line).
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Fonte: IHU on line, 09/04/2012
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