Entrevista da 2ª Arturo Valenzuela
Diego Urdaneta/France Presse
Arturo Valenzuela posa para foto em seu antigo escritório em Washington
Para ex-secretário-assistente de Estado, divergências sobre temas
específicos não afetam contatos, que avançam por trilhos múltiplos
Principal nome no Departamento de Estado americano para a América Latina
nos dois primeiros anos do governo Barack Obama, Arturo Valenzuela acha
que as relações entre o Brasil e os EUA avançam bem e por trilhos
múltiplos, o que evita que discordâncias sobre um tema (como Irã) afetem
os demais.
Vai tão bem, aliás, que a agenda abordada hoje por Obama e Dilma
Rousseff na Casa Branca, com educação e comércio no topo, parecerá chata
para muita gente, diz.
Mas isso, ele nega com veemência, não significa perda de interesse pelo país.
"Os latino-americanos sempre foram sensíveis à intervenção excessiva dos
EUA, e, agora que as coisas estão indo bem e os EUA começam a dar mais
atenção a outras regiões, reclamam", disse Valenzuela na última sexta,
quando recebeu a reportagem da Folha no escritório onde é hoje consultor.
"Eu acho bom que o tipo de atenção que os EUA davam à região no passado não exista mais hoje."
Leia a seguir trechos da entrevista sobre a visita de hoje e o futuro de
uma relação que, a seu ver, entra em uma fase de maior sofisticação.
Folha - Como o senhor avalia o momento atual?
Arturo Valenzuela - A relação é muito boa. O que é preciso
entender é que com qualquer país sempre vai haver algumas diferenças. A
pergunta é se neste momento há uma distância significativa entre os EUA e
o Brasil ou se eles estão construindo pontes para o futuro.
O que acontece entre EUA e Brasil está ligado a tendências
internacionais mais amplas: estamos em um mundo cada vez mais
interdependente. Algumas pessoas vão dizer que os EUA perderam
influência no Brasil porque não são mais seu principal parceiro
comercial. Mas essa é uma visão mercantilista. Ao mesmo tempo, você vê
uma tremenda evolução em outra direção, com as multinacionais
brasileiras aqui.
Hoje não dá para pensar em rivalidades nacionais da mesma forma que antes.
A relação ficou mais pragmática, menos ideológica?
Sim, percebemos que temos algo juntos em jogo. A questão hoje é a cadeia
de valores, produtos globais. As aspirações no Brasil são de avançar
nesta direção, e as principais empresas brasileiras já estão avançando.
Hoje o foco é em tecnologia, educação. Vivemos em um mundo diferente, no
qual as coisas avançam tão rápido que nós não podemos mais nos
resguardar no protecionismo. Economias que subsistem por si só
praticamente não existem mais. Essas são as agendas de hoje, e a isso
você soma mudança climática, energia alternativa...
Tem gente que vai achar que ficou chato, que vai querer falar de Cuba.
Mas esses conflitos geopolíticos do passado viraram um assunto tão
menor, sobretudo no Hemisfério Ocidental [Américas].
Assuntos globais ainda são parte da agenda entre Brasil e EUA, depois
da rejeição americana à tentativa brasileira de mediar um acordo com o
Irã sobre seu programa nuclear em 2010?
Como alguns desses temas são tão importantes na agenda dos EUA, são
questões sensíveis, quando o Brasil e a Turquia adotaram uma posição
diferente do que parecia ser mais um consenso, houve algum mal-estar.
Mas acho que não dá para pensar que discordâncias em questões assim, que
são comuns entre todos, abalem todas as outras questões.
Se esfriou um pouco a respeito de determinado aspecto, não significa que
não haja uma percepção clara de que é de interesse estratégico dos dois
países manter a boa relação. E com Dilma houve uma mudança, algumas até
cunhadas nas personalidades. Quando Celso [Amorim] era ministro das
Relações Exteriores, ele colocou muitas fichas aí. Agora que mudou o
governo, as prioridades mudaram um pouco.
Até que ponto o fato de Dilma ser mais discreta na política externa pesa?
Ajuda. Alguns assuntos haviam se tornado emblemáticos, se o Brasil podia
ajudar na questão iraniana. A adoção de um rumo mais pragmático ajuda.
Mas vou insistir que, mesmo tendo havido discordâncias, e eu vi isso de
perto quando era secretário-assistente de Estado, sempre me impressionou
o número de trilhos diferentes em que corre a relação.
O sr. menciona trilhos distintos e ênfase na cooperação. É esta a
razão para termos hoje uma agenda entre Obama e Dilma na qual educação e
cooperação científica são consideradas a prioridade?
Essas questões podem até soar mais chatas do que as grandes questões
geopolíticas, mas são os motores de uma economia globalizada.
Uma discussão com o Brasil provavelmente incluirá alguns tópicos
globais, mas, para ambos os países, todos esses assuntos que parecem
chatos são, de fato, muito importantes. As instituições internacionais,
hoje, estão, de certa forma, em crise.
E há a crise financeira, há a percepção nos EUA de que países como o
Brasil trataram bem as questões macroeconômicas e por isso havia um
amortecedor para a crise -ela poderia ter sido muito pior.
Os EUA chegam de fato a reconhecer que houve mudança no status quo?
Porque não é isso que se ouve nas instituições multilaterais.
É, nem na campanha eleitoral americana. Mas acho que o governo deste
país reconhece que mesmo que os EUA tenham ainda um papel significativo
no mundo, esse papel precisa ser desempenhado por meio do
multilateralismo, do diálogo. E precisa focar em outras questões além da
geopolítica.
O governo Obama, do qual o sr. fez parte, desde o início colocou Ásia
como prioridade, ao lado do Oriente Médio. Isso alimentou uma crítica
de que não há agenda para a América Latina aqui.
Não é verdade. A questão é que a prioridade, entre as preocupações, vai
para situações que podem sair dos trilhos. A China é a grande história
do nosso tempo. Mas isso não significa que os EUA não estejam prestando
atenção na América Latina.
Na América Latina, você não tem os desafios geopolíticos ou os enormes
desafios econômicos porque as coisas melhoraram. É estranho ouvir essa
crítica da América Latina, porque, historicamente, os latino-americanos
sempre foram sensíveis à intervenção excessiva dos EUA.
Mas qual é a agenda?
As questões se tornaram mais complexas. Você não tem oficiais de
inteligência, e há gente especializada em agricultura, comércio,
ambiente... A relação se sofisticou. Mas isso não é algo que renda
manchetes.
Mas o governo Obama consegue passar essa mensagem?
Não acho que seja essa a questão. O que este governo fez foi
significativo. Obama é um líder popular na região. Sob Bush, havia
rejeição às políticas americanas, e aí havia aqui uma coisa de lidar
apenas com os "amigos" na América Latina. Hoje, não há mais essa visão
de amigos e inimigos. Os EUA devem trabalhar com todo mundo.
Mas ainda há um problema em passar a mensagem.
Mas o problema com a mensagem não pode ser só responsabilidade dos EUA. É
preciso abandonar a ideia de que a atenção dos EUA no passado era um
problema e a falta de atenção agora é um problema. Essa mentalidade é
datada. A relação hoje é e tem de ser diferente.
Como o sr. avalia a cooperação em tecnologia?
Acho que tem um bom futuro. Isso não existia antes. Não sei o que o
Brasil vai decidir sobre [a compra de] caças [pelo governo, concorrência
em que a americana Boeing está envolvida], mas isso envolve um monte de
cálculos sobre o futuro, transferência de tecnologia etc. Mas estou bem
otimista.
Está?
Estou. Uma coisa que o Brasil tem de entender é que os EUA não vão virar
e dizer, "olha, Brasil, você cuida das relações com a América Latina,
nós não estamos mais interessados." E é preciso se levar em conta que há
outros países com outros interesses na região.
É essa a razão para não apoiar a candidatura brasileira à cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU?
Acho que eles [governo dos EUA], de verdade, ainda não conseguiram
trabalhar muito na arquitetura disso [de um conselho reformado].
Obama apoiou a Índia.
Essa decisão teve a ver com considerações extremamente complicadas na
região. É uma questão de equilibrar problemas extremamente complexos que
nós, felizmente, não temos mais na América Latina.
Sua sucessora no Departamento de Estado, Roberta Jacobson, foi aprovada agora. Qual será seu maior desafio?
Continuar a construir pontes na região com esse processo político em
Washington. Levaram [o Congresso] oito meses para aprová-la só porque
algumas pessoas [o senador republicano da Flórida Marco Rubio] têm
problema com a política do governo para Cuba. Isso mina a autoridade da
pessoa.
Raio-X
QUEM ÉArturo Valenzuela, 68, cientista político chileno-americano
O QUE FAZ
Professor de governo, diretor do Centro de Estudos da América Latina na Universidade Georgetown; consultor
O QUE FEZ
Secretário-assistente de Estado para Hemisfério Ocidental (2009-2011), assistente especial da Casa Branca para segurança nacional e questões interamericanas no Conselho de Segurança Nacional (1997-2001) e outros cargos
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Reportagem por LUCIANA COELHO DE WASHINGTON
Fonte: Folha on line, 09/04/2012
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