Uso do Twitter se tornou comum entre escritores, que não se importam com a limitação de 140 caracteres. No Brasil, virou instrumento importante para divulgação.
Uma mídia irresponsável e irritante. Foi assim que, para surpresa de muita gente, Jonathan Franzen, o celebrado autor de “As correções” e “Liberdade”,
definiu a rede de microblog Twitter. Para o escritor norte-americano, é
impossível criar argumentos razoáveis em 140 caracteres: “É como
escrever um romance sem a letra P”, observou. A limitação do microblog
pode ser frustrante para quem, como Franzen, está acostumado a se
expressar por calhamaços de 500 páginas. Mas o fato é que a ferramenta
se tornou útil e corriqueira para muitos escritores. Justamente por
serem profissionais da palavra, seus perfis talvez provoquem um
interesse especial entre os usuários. Difícil, afinal, não querer
acompanhar o dia a dia de autores como Salman Rushdie ou Margaret Atwood, que usam o Twitter para opinar com um pouco mais de descontração sobre qualquer assunto.
Na verdade, há infinitas maneiras para um escritor usar o microblog. Bret Easton Ellis, por exemplo, transformou seu perfil em laboratório para a continuação de seu Psicopata Americano (aceitando inclusive sugestões de seus seguidores), enquanto Chuck Palahniuk
se contentou, nos últimos tempos, em divulgar suas palestras e artigos.
Já os escritores brasileiros, presos às limitações de um mercado
editorial muito menos poderoso e organizado, podem descobrir no Twitter
uma ferramenta para conquistar leitores. A situação, nesse caso, se
inverte: muitos se tornam personalidades na rede social antes de ganhar
espaço no mundo literário. Não estamos falando aqui de figuras como Paulo Coelho,
cuja fama internacional o obriga a tuitar simultaneamente em inglês,
francês, espanhol e português, mas sim da imensa maioria dos autores
brasileiros que sofre para encontrar seu público.
Autor de Areia nos dentes, Antonio Xerxenesky
tem 2.336 seguidores na rede social, mas muitos deles só chegaram ao
seu livro depois de descobrir seu perfil no Twitter. “Isso aconteceu
porque sou um escritor mais desconhecido”, avalia. “Nesse caso, primeiro
se aparece como indivíduo na rede social e depois como escritor. Em
todos os eventos sempre surgia algum leitor dizendo que me conhecia do
Twitter. Até hoje acabo encontrando pessoas dizendo que me seguem na
rede social”.
Xerxenesky tem consciência de que o Twitter é útil para promover o
próprio trabalho, mas também sabe que não pode fazer disso “um
objetivo”. “Não tem nada mais chato do que um escritor que usa a rede
social apenas para se divulgar”, admite. “Usei e uso o Twitter para
falar bobagem, compartilhar links legais (geralmente sobre literatura)
e, ocasionalmente, divulgar alguma entrevista comigo, um debate, um
lançamento”. Nos últimos tempos, porém, Xerxenesky tem preferido o
Facebook ao microblog, porque “ninguém com mais de 20 anos tem tempo
para usar bastante duas redes sociais ao mesmo tempo”.
Ferramenta que encurta distâncias
Um caso radical de reconhecimento via Twitter é o da poetisa paranaense Ana Guadalupe.
Desde 2007 na rede social, acumulou mais de 5.500 seguidores, que logo
passaram a acompanhar seu blog de poesia e se transformaram em possíveis
leitores de seu livro, Relógio de sol, lançado em 2011. Com
tweets descompromissados, a autora driblou um mercado quase inexistente
como o da poesia, alcançando, segundo ela, um público de “todas as
idades”. “No meu caso, o que chamam de ‘bom humor’ no Twitter serviu pra
sugerir que poesia não precisa ser difícil, escrita por uma senhora
deprimida. Acabei ouvindo algumas vezes que meus poemas foram uma
surpresa boa para leitores pouco habituados com poesia, que não
esperavam gostar. Mas também no Twitter tive contato com pessoas que já
liam poesia, outros autores, e jornalistas. Então, acho que é uma
ferramenta que serve para aproximar mesmo”.
Guadalupe foi mais longe e transformou o seu próprio perfil no
Twitter em material literário. Uma literatura com uma dicção peculiar,
diferente da que apresenta em livro ou em blog. “Vai no sentido de
registrar algumas anotações, começos de ideias, tons, humores, anedotas,
que talvez você use depois ou talvez de alguma forma dialogue com o que
você escreve”, explica a poetisa. “Acho que o escritor em especial
adota às vezes um tom literário ao fazer essas ‘anotações’, ou tem um
cuidado natural com o texto do tweet. Acho que escritores no Twitter
tendem a criar essas dicções, que são distantes do corriqueiro ‘indo
almoçar com a família’ de alguém que não escreve. É o que observo nos
escritores norte-americanos jovens que usam a ferramenta, como o Tao
Lin, que criou uma dicção só dele”.
O carioca Marcelo Moutinho não pode dizer que construiu sua carreira literária graças ao Twitter. Quando lançou seu primeiro livro, Memória dos barcos,
em 2001, a rede ainda sequer existia. O autor, no entanto, acredita que
o Twitter ajudou bastante na divulgação do seu último livro, A palavra ausente
(de 2011), tanto para chamar atenção do lançamento como para repercutir
as leituras e reações. “As pessoas usam as redes para comentar o livro,
e você pode replicar matérias, resenhas e entrevistas, que talvez não
fossem lidas ou vistas”. Moutinho, no entanto, acha importante que o seu
perfil na rede não fique “restrito à minha persona de escritor”. Faz
questão de tweetar sobre assuntos extra-literários, contemplando também
outros de seus afetos, como “o futebol, a música, a boemia…”
Ferramenta de marketing
Apesar do seu potencial de divulgação, o marketing profissional via
Twitter não é usado de forma maciça pelas editoras brasileiras. Costuma
ser mais uma iniciativa individual e diletante, realizada na maior parte
das vezes pelos próprios autores.
“No Brasil ainda não é tão comum a divulgação de autores pelo
Twitter. Nos EUA é muito mais maçante, pois muitas contas de escritores
são administradas por agências literárias ou editoras”, explica o
escritor – e adepto do Twitter – Carlos Henrique Schroeder.
“Não acredito que o Twitter seja a melhor forma de divulgar uma obra ou
autor, acho que o Facebook é mais eficiente neste caso. Mas o Twitter é
bom para construir ou solidificar uma imagem, pode ser uma ferramenta
importante de marketing. Mas os autores que realmente ganham seguidores
fiéis são os que se expõem um pouco mais, e que administram suas
próprias contas. Existem vários tipos de perfis de usuários do Twitter,
do meramente mercadológico aos que usam como diário ou em substituição
deste, e também há os que usam para se sentirem vivos, pois se trata de
uma rede social de compartilhamento de opiniões, de ideias”.
Estabelecido em Santa Catarina, Schroeder é um tipo raro de
escritor-tweeteiro que prefere divulgar a obra dos outros a promover
seus próprios livros. Compartilhando regularmente links para artigos e
ensaios ignorados pela grande mídia, seu perfil virou referência entre
os usuários do meio literário.
“Como moro num Estado periférico (em termos culturais), tento me
manter conectado com o mundo”, conta. “Leio diariamente cerca de dez
cadernos de cultura, a maioria em inglês ou espanhol, e sempre que vejo
alguma coisa legal, compartilho. Raramente falo do meu próprio trabalho,
pois tenho vergonha… Timidez… Mas acho que quando lançar alguma coisa
nova, talvez tente vencer este bloqueio. Prefiro ser um bom filtro, um
bom compartilhador de informações. E acho essa a grande vantagem do
Twitter: dependendo de quem você segue, recebe informações de primeira
mão, e de qualidade, uma espécie de super-jornalismo. E como a pauta de
literatura cai ano a ano nos cadernos culturais brasileiros, tenho
imenso prazer em divulgar cadernos como o Radar Libros do argentino
Página 12, ou blogs interessantes como o do Kelvin Falcão Klein ou do
Hugo Crema, que são jovens e antenados”.
‘Xingando muito no Twitter’
Se, em função de sua natureza micro, o Twitter não parece moldado
para discussões profundas sobre literatura, não se pode negar sua
facilidade em provocar brigas, protestos e indignações. Pois, não se
engane, até os escritores “xingam muito no Twitter”. Recentemente, o
escritor Eduardo Sterzi usou o microblog para atacar o Prêmio Moacyr Scliar, promovido pelo governo do Rio Grande do Sul. Além de recusar a menção honrosa que lhe foi atribuída, enumerou o que considerava ser uma série de falhas nos critérios da premiação.
Na França, o escritor François Bon,
grande entusiasta das ferramentas digitais, discutiu publicamente com a
editora Gallimard sobre sua tradução não-autorizada de O velho e o mar,
de Hemingway, que ele disponibilizou online mesmo sem possuir os
direitos da obra. O debate virtual rendeu defesas e ataques apaixonados,
levando inclusive à criação da hashtag “#Gallimerde” – trocadilho que
teremos a delicadeza de não traduzir aqui.
Numa linha mais, digamos, anedótica, Marcelo Moutinho expôs sua
indignação com a Academia Brasileira de Letras, que o impediu de entrar
na instituição para realizar uma entrevista na TV Senado sobre seu
último livro. Razão da intransigência? O autor estava usando uma
bermuda. Ao reclamar na rede social, recebeu o apoio e solidariedade dos
colegas escritores, mas nenhuma resposta da ABL.
Para escritores de gerações mais antigas ou que simplesmente não
possuem intimidades com o mundo virtual, resta uma relação de
estranhamento e adaptação. Outros alimentam uma relação de ódio e
necessidade, como o gaúcho Paulo Scott. O autor do recente Habitante irreal
diz que só aprendeu a “mexer no Twitter” por causa do livro novo, mas
acredita que isso não lhe trouxe leitores suplementares. “Achei o
Twitter muito absorvente quando entrei”, lembra. “Pensei: esse troço é
do mal, vai acabar com todo o meu tempo”. Scott largou o Facebook, mas
continua no Twitter.
Por sua vez, o premiado e consagrado Antônio Torres
diz que buscou nas redes sociais “um respiradouro” para o esvaziamento
das pautas sobre literatura na imprensa. “Claro que tudo o que rola na
internet aproxima os leitores mesmo”, avalia. “Difícil é quantificar
isso. Por enquanto – sou um tuiteiro recente – tenho reencontrado mais
autores meus conhecidos do que descoberto novos. Mas o que me parece é
que, com a escassez de espaços na imprensa e TV (rádio nem se fala) para
os livros e seus autores, é preciso voltar-se para as redes sociais,
assim como para os sites e os blogs”.
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Reportagem por Bolívar Torres
Fonte: http://opiniaoenoticia.com.br/10/04/2012
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