Boaventura Sousa Santos*
Desde já sugiro a convocação de um Foro Social do Sul da Europa, que complemente e expanda o imenso potencial revelado pelo Congresso Democrático das Alternativas
Numa democracia liberal a funcionar normalmente, a questão
do sujeito político não se põe, pois a sociedade politicamente
organizada em partidos gera os sujeitos necessários à condução da vida
coletiva. A democracia portuguesa não está a funcionar normalmente,
como de resto acontece nos outros países da Europa do Sul. A razão é
conhecida: é uma democracia tutelada por uma força estrangeira que não
responde democraticamente perante os portugueses. O governo é uma
delegação de uma agência internacional de negócios. Daqui decorrem os
outros sinais de anormalidade. Entre os milhares de cidadãos que se
manifestam na rua capta-se um evidente sentimento antipartidos que
abrange todo o espetro político. Esse clamor desliza por vezes para a
antipolítica onde germinam todos os extremismos. Mas a criatividade da
crise portuguesa é tão grande que a direita no poder gerou a sua própria
indignação contra o poder. Figuras gradas do PSD e do CDS manifestam-se
com uma violência tão grande que o cidadão distraído nem se apercebe de
que elas cozinharam ao longo de décadas a mediocridade política que
está no poder. Temos dois movimentos de indignados, os que só têm a rua
para se indignar e os que têm ao seu dispor os jornais, as rádios e as
televisões para o fazer.
De tudo resulta que os partidos no poder são um sujeito político
ausente, ao mesmo tempo que não parece haver um sujeito alternativo, já
que o PS, depois de ter assinado o memorando e as parcerias
público-privadas, só poderá ser oposição se começar por se opor a si
mesmo. A expressão da ausência de sujeitos políticos à direita e ao
centro está na proposta de um governo de unidade nacional que gira a
crise até que a Europa a resolva. Esperar pela Europa é o mesmo que
esperar por Godot. Se nada fizermos pela nova Europa (o que implica
desobediência organizada ao memorando e a toda a política e economia que
ele pressupõe), a velha Europa nada fará por nós. Daí a minha convicção
de que estamos à procura de novos sujeitos políticos.
Não penso haver condições para a emergência de um sujeito político
de extrema direita. O cenário mais credível tem duas dimensões. A
primeira é a constituição de um novo sujeito político que capte a
energia de muitos milhares de cidadãos dispostos a soltar-se das suas
lealdades partidárias para encontrar uma solução para o país, a partir
de alternativas concretas. Não se trata de criar um partido novo.
Trata-se de criar uma frente eleitoral e política através de um ato de
refundação de dois partidos, o PS e o BE. O PS convoca um congresso
extraordinário, desvincula-se do memorando e dos contratos das parcerias
leoninas e elege um líder para a borrasca (o atual é o líder da bonança
feita de bonança). O BE, também em congresso, liberta-se de toda a
ideologia de vanguarda. Elege um líder de retaguarda, que põe o BE a
caminhar com a sociedade excluída e sobretudo com a que caminha mais
devagar. Assim refundados, estes dois partidos podem gerar um novo
sujeito político de alta intensidade democrática.
A segunda dimensão consiste na convocação, que desde já sugiro, de um
Foro Social do Sul da Europa, a realizar no próximo ano. Complementa e
expande o imenso potencial revelado pelo Congresso Democrático das
Alternativas. Por um lado, é europeu e não apenas português; por outro, é
convocado por movimentos e organizações sociais, e não apenas por
cidadãos. Este Foro discutirá os caminhos para a Europa a partir da
premissa da sua profunda democratização. Poderá gerar a energia que leve
a UE a merecer o Prémio Nobel da Paz, por enquanto uma piada de gosto
duvidoso. Será convocado por velhos e novos movimentos, pelos
indignados, sindicatos, estudantes, desempregados, imigrantes,
movimentos feministas, antirracistas, ecologistas, de gays e lésbicas,
etc. Os sindicatos sentir-se-ão então revigorados e acompanhados, mais
capazes de conviver com a diversidade sem a procurar suprimir sob uma
avalanche de bandeiras vermelhas e de discursos longos e maçudos dos
seus líderes.
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* Sociólogo português. Prof. Universitário. Escritor.
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