Marcelo Gleiser *
Tendo dedicado seu grande tratado ao próprio papa, provavelmente não era a Igreja Católica que ele temia
NOS SÉCULOS 16 e 17, o que você pensava sobre o Cosmos podia lhe custar a
vida; se não a vida, ao menos a liberdade e a integridade física.
Imagine viver numa sociedade na qual o arranjo dos céus, por fazer parte
da interpretação teológica da Bíblia, era determinado não pela ciência,
mas pela fé. Essa era a época em que viveram Copérnico, Galileu e
Johannes Kepler, os pioneiros da chamada Revolução Copernicana.
Copérnico trabalhava para a Igreja Católica na Polônia como uma espécie
de administrador local. Mas, embora houvesse estudado medicina e
jurisprudência, seu interesse real estava nos céus.
Em 1500, todos acreditavam que a Terra era o centro do Cosmo e que o
Sol, a Lua e os planetas giravam à sua volta. Em 1510, Copérnico
escreveu um pequeno tratado propondo algo inteiramente diferente: o Sol
era o centro e a Terra girava à sua volta, tal como todos os planetas.
Ele resolveu testar a recepção da ideia distribuindo o trabalho para
alguns intelectuais e membros do clero. Ao contrário do que muitos
pensam, a Igreja Católica não tinha ainda uma posição oficial contra o
sistema heliocêntrico (o Sol no centro). Quem se manifestou contra
Copérnico foi Martinho Lutero: "Há aí um astrônomo que diz que a Terra
gira em torno dos céus. O tolo acha que vivemos num carrossel". Fora
isso, nada de muito dramático ocorreu com Copérnico e seu tratado.
Apesar de sua fama crescente como excelente astrônomo, Copérnico só foi
publicar sua grande obra, o resumo do trabalho de toda a sua vida, em
1543.
Alguns afirmam que ele temia os outros astrônomos, pois sabia que seus
dados não eram dos melhores: construiu seu sistema usando medidas
astronômicas tiradas por Ptolomeu em 150 d.C. e por astrônomos árabes
durante a Idade Média -Copérnico era mais um arquiteto do que um
observador.
Talvez se preocupasse também com os luteranos, que avançavam em seu
domínio na Europa Central. Mas quando, devido à insistência de seu único
pupilo, Rheticus, ele termina o tratado, Copérnico o dedica ao papa!
Certamente não era a Igreja que ele temia.
Na época, publicar um livro significava passar um tempo junto com o
editor, acertando todos os detalhes. Como era já bem velho, Copérnico
manda Rheticus para Nuremberg de modo a tomar conta disso.
Só que o rapaz era homossexual e acabou sendo expulso da cidade. Na
pressa, deixou o manuscrito aos cuidados de Andreas Osiander, um teólogo
luterano conservador.
Péssima escolha. Osiander, representando o pensamento de sua igreja,
acrescenta um prefácio anônimo ao livro, dizendo que o sistema ali
proposto era apenas um modelo matemático que ajudava no cálculo das
posições planetárias, nada dizendo sobre o real arranjo dos céus, que
permanecia geocêntrico.
Nesse meio tempo, Copérnico sofre um derrame e só recebe as provas do
livro na cama. Segundo os relatos, ao ler o prefácio, compreendendo a
dimensão da traição de Osiander, Copérnico morre no mesmo dia. Apenas em
1609 é que Kepler desmascara a traição, argumentando que Copérnico
jamais teria escrito tal coisa. Copérnico morreu traído, mas é
imortalmente celebrado como um dos heróis da história do pensamento.
--------------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário