domingo, 21 de outubro de 2012

Quão rara é a Terra?

Marcelo Gleiser*

A semelhança de tamanho com o nosso planeta é só um dos atributos que talvez sejam necessários à vida 

Agora que temos a certeza de que existe um número enorme de planetas com características físicas semelhantes à Terra, vale perguntar se esses astros têm, de fato, a chance de abrigar formas de vida e, se tiverem, que vida seria essa.

Antes, alguns números importantes. Os melhores dados com relação à existência de outros planetas vêm de um satélite da Nasa, o Kepler, que anda buscando planetas como a Terra ao fazer um mapeamento de 100 mil estrelas que estão na nossa região cósmica.

Pelo projeto da missão, a identificação dos planetas usa um efeito chamado de trânsito: quando um planeta passa na frente de sua estrela (por exemplo, Vênus passando na frente do Sol), o brilho da estrela é ligeiramente diminuído. Marcando o tempo que demora para o planeta passar em frente à estrela, a diminuição do brilho e, se possível, o período da órbita (quando o planeta retorna ao seu ponto inicial), é possível determinar o tamanho e massa do planeta.

Com isso, a missão estima que cerca de 5% dos planetas na nossa galáxia têm massas semelhantes à Terra e, possivelmente, estão na zona habitável, o que significa que a temperatura na sua superfície permite a existência de água líquida (se houver água neles).

Como sabemos que o número de estrelas na nossa galáxia é em torno de 200 bilhões, a estimativa da missão Kepler implica que devem existir em torno de 10 bilhões de planetas com dimensões semelhantes às da Terra. Nada mal, se supormos que basta isso para que exista vida. Porém, a situação é bem mais complexa e depende em detalhe das propriedades da vida e, em particular, da história geológica do planeta.
 
 Sem nossa Lua, o eixo de rotação 
teria um movimento caótico e 
a temperatura variaria 
de forma aleatória.

Aqui na Terra, a vida surgiu 3,5 bilhões de anos atrás. Porém, durante aproximadamente 3 bilhões de anos, a vida aqui era constituída essencialmente de seres unicelulares, pouco sofisticados. Digamos, um planeta de bactérias. Só bem depois que a atmosfera da Terra foi "oxigenada", e isso devido à descoberta da fotossíntese por certas bactérias (cianobactérias, na verdade), é que seres multicelulares, bem mais tarde, surgiram.

A mudança gerou outra coisa importante: quando o oxigênio sofreu a ação da radiação solar, formou-se a camada de ozônio que acaba por proteger a superfície do planeta. Sem essa proteção, a vida complexa na superfície seria inviável.

Fora isso, a Terra tem uma lua pesada, o que estabiliza o seu eixo de rotação -a Terra é como um pião que está por cair, rodopiando em torno de si mesma numa inclinação de 23,5 graus. Essa inclinação é a responsável pelas estações do ano e por manter o clima da Terra relativamente agradável.

Sem nossa Lua, o eixo de rotação teria um movimento caótico e a temperatura variaria de forma aleatória. Juntemos a isso o campo magnético terrestre, que nos protege da radiação solar e de outras formas de radiação do espaço, e o movimento das placas tectônicas, que funciona como um termostato terrestre e regula a circulação de gás carbônico na atmosfera, e vemos que são muitas as propriedades que fazem o nosso planeta ser especial.

Portanto, mesmo que existam outras "Terras" pela galáxia, defendo ainda a raridade do nosso planeta e da vida complexa que nele existe.
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* MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI
Fonte: Folha on line, 21/10/2012
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