Dirceu Martins Pio*
A notícia do tipo “banho de água fria” persegue a mídia impressa, no Brasil e no mundo. Agora mesmo é a Newsweek,
revista norte-americana fundada em 1933, que anuncia que vai desistir
da versão impressa para concentrar-se na edição digital. No Brasil,
especula-se sobre o fechamento do Jornal da Tarde, veículo
pertencente à família Mesquita, do Grupo Estado, e que revolucionou a
linguagem jornalística durante os anos 1970. Sem muito alarde, o longevo
Estado do Paraná, diário pertencente ao ex-governador Paulo
Pimentel, trocou de dono, deixou de circular em papel e ficou apenas com
sua versão na Web.
Estes 12 anos de novo milênio não têm sido muito generosos com os
impressos no Brasil. Assistimos ao desaparecimento da versão impressa do
Jornal do Brasil, que a seu tempo representou uma das mais criativas escolas de jornalismo do país, e ao fim, definitivo, da Gazeta Mercantil,
considerado o maior e melhor jornal de economia e negócios da América
Latina. Os ganhos, representados pelo lançamento de novos títulos no
período (Valor Econômico e Brasil Econômico, para
ficar em dois exemplos), não chegam a compensar as perdas, especialmente
se formos considerar o impacto sobre o mercado de trabalho de
jornalistas (só a Gazeta Mercantil, chegou a ter uma redação com mais de 500 profissionais).
Entre as perdas em geral, o caso da Newsweek é o mais
intrigante. A sua tiragem caiu de quatro milhões de exemplares para 1,5
milhão em menos de uma década. A crise começou a atingir a revista em
2008. Tentou diferentes estratégias para superar seus problemas
financeiros. Não obteve êxito. Em agosto de 2010, seus donos (Washington Post)
a venderam a Sidney Harman, da indústria de equipamentos de áudio.
Houve boatos de que Harman pagou apenas um dólar pelo título, assumindo o
passivo.
“Falência ou fadiga de material”
Nos diferentes casos, a desculpa para o retrocesso é a competição com
os meios digitais. Só nos EUA, a web teria roubado 39% dos leitores dos
impressos. Não se entende que a competição tenha sido tão cruel com uma Newsweek e até agora, ao que se sabe, benevolente com sua principal concorrente – a Time,
do alto de seus 3,5 milhões de exemplares semanais. Há sempre algo de
misterioso, inexplicável, ou mesmo mal compreendido nesses rumorosos
casos de fracasso.
Vejam o que diz Peter Drucker, o papa da administração moderna, numa de suas últimas entrevistas (2006) à revista HSM Management:
“O bom Deus fez as coisas de tal modo que as árvores não crescem
ininterruptamente até o céu. E não há nenhuma empresa que vai crescer
para sempre e sair-se bem para sempre. O período médio de sucesso para a
maioria das empresas bem-sucedidas é de 30 anos. Pouquíssimas
companhias continuam bem-sucedidas por um período contínuo mais longo do
que isso. O que geralmente acontece é que, depois, elas não fecham as
portas, mas, mesmo que administradas excepcionalmente bem, passam os
próximos 20 ou 30 anos apenas equilibrando-se.”
Falecido em 2005, o austríaco Peter Drucker havia acumulado tamanha
vivência no setor empresarial em seus 96 anos de vida que simplesmente
não pode ser desmentido. Se vivo fosse, explicaria muitos desses
retrocessos ora presenciados como consequência de “falência ou fadiga de
material”, ou seja, certas empresas, longevas, esgotaram ao longo do
tempo toda a sua capacidade de se renovar e se adaptar aos novos tempos.
Perdem-se, como no caso da Gazeta Mercantil ou, como aparenta, no caso da Newsweek, num emaranhado de problemas financeiros e não encontram forças para a superação. Melhor culpar a conjuntura adversa.
Economia e negócios
No microcosmos do setor de comunicação serve-nos de exemplo o caso do
Grupo do ex-governador do Paraná Paulo Pimentel, que tinha emissoras de
TV, de rádio e dois jornais impressos. Com a idade avançada, Pimentel
não encontrou na família ninguém interessado ou suficientemente capaz de
dar continuidade aos negócios na área de comunicação. Começou a
desmobilizar o grupo há poucos anos. Vendeu suas emissoras de TV
(afiliadas ao SBT) para Ratinho; vendeu um de seus jornais, de cunho
popular, para o grupo da Gazeta do Povo. Não encontrou compradores interessados em manter a versão impressa de o Estado do Paraná.
Livrou-se dela a qualquer preço. E fez todos esses movimentos de
retrocesso num período em que seu estado, o Paraná, tem passado por
grande vitalidade econômica.
Já a notícia sobre o fechamento do Jornal da Tarde permanece
como simples boato. Quem está de fora percebe que ele está sem
perspectiva há vários anos. Padece muito mais que seu irmão mais velho –
O Estado de S. Paulo – da continuada política de redução de custos do Grupo. O Jornal da Tarde
foi lançado em 1966 por iniciativa do jornalista Ruy Mesquita. Tivessem
seus filhos – jornalistas – continuado na gestão das empresas, é bem
provável que teriam encontrado um caminho mais moderno para o JT.
Pelo que se vê, contudo, o poder inovador do Grupo Estado foi abatido
junto com o afastamento da família Mesquita, adotado em 2003.
Coincidência ou não, o Jornal da Tarde completará 47 anos em janeiro. Pode ser que esteja em crise também por fadiga de material.
Em 1993, quando trabalhava na Agência Estado, perguntaram-me que destino daria ao Jornal da Tarde se tivesse algum poder de decisão a respeito. Respondi ao pé da letra: transformaria o Jornal da Tarde em jornal de economia e negócios e o punha para competir com a Gazeta Mercantil, líder incontestável do segmento na época.
Cobertura de Brasil
Fazia sentido: os jornalistas da família Mesquita sempre tiveram grande admiração pela Gazeta Mercantil.
O Grupo Estado, inclusive, pretendeu comprá-la em 2001, no início da
crise que a abateu. Imaginei que levar a família a investir em seu
“sonho de consumo” dentro de casa poderia trazer bons resultados.
Fortalecido no segmento de economia e negócios, o Jornal da Tarde muito provavelmente teria evitado o lançamento do Valor Econômico, por iniciativa da Folha de S.Paulo em parceria com O Globo e, na entrada do novo milênio, teria se transformado no herdeiro natural da Gazeta Mercantil, que desapareceria do mercado em 2009.
Se me fizessem a mesma pergunta, hoje a resposta seria bem outra, pois o
segmento de economia e negócios foi bem ocupado por dois jornais – Valor Econômico e Brasil Econômico – e por várias revistas. Penso que o destino que poderia evitar o fechamento do Jornal da Tarde
seria transformá-lo num bom jornal metropolitano, com bons conteúdos
voltados para as famílias da Grande São Paulo – mulheres, homens,
jovens. Dito assim, isto parece uma bobagem – todos os jornais são
dirigidos às famílias –, mas não é. Ninguém mais faz jornal pensando no
interesse específico da mulher ou dos jovens. Estes, aliás, já são
considerados perdidos como leitores de jornal, o que é uma atitude
suicida.
O irmão mais velho do Jornal da Tarde – O Estado de S.Paulo
– teria um espectro de cobertura mais amplo e uma circulação mais
ampla. Teria de resgatar a cobertura de Brasil, que foi desativada nos
últimos anos. Voltaria a circular com mais força no interior de São
Paulo e aumentaria sua presença nas principais capitais do país.
A síndrome dos 30 anos
Já o novo Jornal da Tarde começaria por resgatar seu antigo e
majestoso formato gráfico, que atribuía prioridade às fotos e às
ilustrações. Contemplaria uma certa segmentação de cobertura por bairros
e por municípios da região metropolitana. Seus conteúdos seriam mais
locais. Os acontecimentos da polícia seriam cobertos pela perspectiva da
segurança dos cidadãos. O jornal daria suporte no dia-a-dia às mulheres
que trabalham fora de casa e precisam conviver com as agruras de uma
colossal malha urbana. Os jovens seriam contemplados com muitos assuntos
de seu interesse – música, tecnologias digitais, ensino,
empreendedorismo, mercado de trabalho. Não precisaria ser diário.
Poderia ter apenas três edições semanais – quintas, sábados e domingos.
Deveria ter uma presença muito forte na Web para interagir também
fortemente com seu público. Seria um jornal, repito, para ser construído
com grande empatia em relação às famílias paulistanas ou da região
metropolitana de São Paulo.
Há meios modernos e práticos de driblar a demanda por novos investimentos. É possível reconstruir o Jornal da Tarde
pelo regime da autossuficiência. Por exemplo: uma estrutura
jornalística que tenha de ser implantada em Osasco precisa ser paga pela
publicidade a ser captada no município. Deve ser mesmo um trabalho de
reconstrução. Além disso, o jornal deveria continuar como beneficiário
das sinergias internas: os mesmos conteúdos produzidos para atender ao
irmão mais velho são vendidos pela Agência Estado e continuarão a ter um
aproveitamento razoável pelo novo Jornal da Tarde.
Só não sei como o Jornal da Tarde conseguiria se livrar da síndrome dos 30 anos tão claramente identificada por Peter Drucker.
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*Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado, da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa.
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed717_o_fechamento_de_jornais_impressos
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