quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O fechamento de jornais impressos

Dirceu Martins Pio*

 

A notícia do tipo “banho de água fria” persegue a mídia impressa, no Brasil e no mundo. Agora mesmo é a Newsweek, revista norte-americana fundada em 1933, que anuncia que vai desistir da versão impressa para concentrar-se na edição digital. No Brasil, especula-se sobre o fechamento do Jornal da Tarde, veículo pertencente à família Mesquita, do Grupo Estado, e que revolucionou a linguagem jornalística durante os anos 1970. Sem muito alarde, o longevo Estado do Paraná, diário pertencente ao ex-governador Paulo Pimentel, trocou de dono, deixou de circular em papel e ficou apenas com sua versão na Web.

Estes 12 anos de novo milênio não têm sido muito generosos com os impressos no Brasil. Assistimos ao desaparecimento da versão impressa do Jornal do Brasil, que a seu tempo representou uma das mais criativas escolas de jornalismo do país, e ao fim, definitivo, da Gazeta Mercantil, considerado o maior e melhor jornal de economia e negócios da América Latina. Os ganhos, representados pelo lançamento de novos títulos no período (Valor Econômico e Brasil Econômico, para ficar em dois exemplos), não chegam a compensar as perdas, especialmente se formos considerar o impacto sobre o mercado de trabalho de jornalistas (só a Gazeta Mercantil, chegou a ter uma redação com mais de 500 profissionais).

Entre as perdas em geral, o caso da Newsweek é o mais intrigante. A sua tiragem caiu de quatro milhões de exemplares para 1,5 milhão em menos de uma década. A crise começou a atingir a revista em 2008. Tentou diferentes estratégias para superar seus problemas financeiros. Não obteve êxito. Em agosto de 2010, seus donos (Washington Post) a venderam a Sidney Harman, da indústria de equipamentos de áudio. Houve boatos de que Harman pagou apenas um dólar pelo título, assumindo o passivo.

“Falência ou fadiga de material”

Nos diferentes casos, a desculpa para o retrocesso é a competição com os meios digitais. Só nos EUA, a web teria roubado 39% dos leitores dos impressos. Não se entende que a competição tenha sido tão cruel com uma Newsweek e até agora, ao que se sabe, benevolente com sua principal concorrente – a Time, do alto de seus 3,5 milhões de exemplares semanais. Há sempre algo de misterioso, inexplicável, ou mesmo mal compreendido nesses rumorosos casos de fracasso.

Vejam o que diz Peter Drucker, o papa da administração moderna, numa de suas últimas entrevistas (2006) à revista HSM Management:

“O bom Deus fez as coisas de tal modo que as árvores não crescem ininterruptamente até o céu. E não há nenhuma empresa que vai crescer para sempre e sair-se bem para sempre. O período médio de sucesso para a maioria das empresas bem-sucedidas é de 30 anos. Pouquíssimas companhias continuam bem-sucedidas por um período contínuo mais longo do que isso. O que geralmente acontece é que, depois, elas não fecham as portas, mas, mesmo que administradas excepcionalmente bem, passam os próximos 20 ou 30 anos apenas equilibrando-se.”

Falecido em 2005, o austríaco Peter Drucker havia acumulado tamanha vivência no setor empresarial em seus 96 anos de vida que simplesmente não pode ser desmentido. Se vivo fosse, explicaria muitos desses retrocessos ora presenciados como consequência de “falência ou fadiga de material”, ou seja, certas empresas, longevas, esgotaram ao longo do tempo toda a sua capacidade de se renovar e se adaptar aos novos tempos. Perdem-se, como no caso da Gazeta Mercantil ou, como aparenta, no caso da Newsweek, num emaranhado de problemas financeiros e não encontram forças para a superação. Melhor culpar a conjuntura adversa.

Economia e negócios

No microcosmos do setor de comunicação serve-nos de exemplo o caso do Grupo do ex-governador do Paraná Paulo Pimentel, que tinha emissoras de TV, de rádio e dois jornais impressos. Com a idade avançada, Pimentel não encontrou na família ninguém interessado ou suficientemente capaz de dar continuidade aos negócios na área de comunicação. Começou a desmobilizar o grupo há poucos anos. Vendeu suas emissoras de TV (afiliadas ao SBT) para Ratinho; vendeu um de seus jornais, de cunho popular, para o grupo da Gazeta do Povo. Não encontrou compradores interessados em manter a versão impressa de o Estado do Paraná. Livrou-se dela a qualquer preço. E fez todos esses movimentos de retrocesso num período em que seu estado, o Paraná, tem passado por grande vitalidade econômica.

Já a notícia sobre o fechamento do Jornal da Tarde permanece como simples boato. Quem está de fora percebe que ele está sem perspectiva há vários anos. Padece muito mais que seu irmão mais velho – O Estado de S. Paulo – da continuada política de redução de custos do Grupo. O Jornal da Tarde foi lançado em 1966 por iniciativa do jornalista Ruy Mesquita. Tivessem seus filhos – jornalistas – continuado na gestão das empresas, é bem provável que teriam encontrado um caminho mais moderno para o JT. Pelo que se vê, contudo, o poder inovador do Grupo Estado foi abatido junto com o afastamento da família Mesquita, adotado em 2003. Coincidência ou não, o Jornal da Tarde completará 47 anos em janeiro. Pode ser que esteja em crise também por fadiga de material.

Em 1993, quando trabalhava na Agência Estado, perguntaram-me que destino daria ao Jornal da Tarde se tivesse algum poder de decisão a respeito. Respondi ao pé da letra: transformaria o Jornal da Tarde em jornal de economia e negócios e o punha para competir com a Gazeta Mercantil, líder incontestável do segmento na época.

Cobertura de Brasil
Fazia sentido: os jornalistas da família Mesquita sempre tiveram grande admiração pela Gazeta Mercantil. O Grupo Estado, inclusive, pretendeu comprá-la em 2001, no início da crise que a abateu. Imaginei que levar a família a investir em seu “sonho de consumo” dentro de casa poderia trazer bons resultados. Fortalecido no segmento de economia e negócios, o Jornal da Tarde muito provavelmente teria evitado o lançamento do Valor Econômico, por iniciativa da Folha de S.Paulo em parceria com O Globo e, na entrada do novo milênio, teria se transformado no herdeiro natural da Gazeta Mercantil, que desapareceria do mercado em 2009.

Se me fizessem a mesma pergunta, hoje a resposta seria bem outra, pois o segmento de economia e negócios foi bem ocupado por dois jornais – Valor Econômico e Brasil Econômico – e por várias revistas. Penso que o destino que poderia evitar o fechamento do Jornal da Tarde seria transformá-lo num bom jornal metropolitano, com bons conteúdos voltados para as famílias da Grande São Paulo – mulheres, homens, jovens. Dito assim, isto parece uma bobagem – todos os jornais são dirigidos às famílias –, mas não é. Ninguém mais faz jornal pensando no interesse específico da mulher ou dos jovens. Estes, aliás, já são considerados perdidos como leitores de jornal, o que é uma atitude suicida.

O irmão mais velho do Jornal da TardeO Estado de S.Paulo – teria um espectro de cobertura mais amplo e uma circulação mais ampla. Teria de resgatar a cobertura de Brasil, que foi desativada nos últimos anos. Voltaria a circular com mais força no interior de São Paulo e aumentaria sua presença nas principais capitais do país.

A síndrome dos 30 anos

Já o novo Jornal da Tarde começaria por resgatar seu antigo e majestoso formato gráfico, que atribuía prioridade às fotos e às ilustrações. Contemplaria uma certa segmentação de cobertura por bairros e por municípios da região metropolitana. Seus conteúdos seriam mais locais. Os acontecimentos da polícia seriam cobertos pela perspectiva da segurança dos cidadãos. O jornal daria suporte no dia-a-dia às mulheres que trabalham fora de casa e precisam conviver com as agruras de uma colossal malha urbana. Os jovens seriam contemplados com muitos assuntos de seu interesse – música, tecnologias digitais, ensino, empreendedorismo, mercado de trabalho. Não precisaria ser diário. Poderia ter apenas três edições semanais – quintas, sábados e domingos. Deveria ter uma presença muito forte na Web para interagir também fortemente com seu público. Seria um jornal, repito, para ser construído com grande empatia em relação às famílias paulistanas ou da região metropolitana de São Paulo.

Há meios modernos e práticos de driblar a demanda por novos investimentos. É possível reconstruir o Jornal da Tarde pelo regime da autossuficiência. Por exemplo: uma estrutura jornalística que tenha de ser implantada em Osasco precisa ser paga pela publicidade a ser captada no município. Deve ser mesmo um trabalho de reconstrução. Além disso, o jornal deveria continuar como beneficiário das sinergias internas: os mesmos conteúdos produzidos para atender ao irmão mais velho são vendidos pela Agência Estado e continuarão a ter um aproveitamento razoável pelo novo Jornal da Tarde.

Só não sei como o Jornal da Tarde conseguiria se livrar da síndrome dos 30 anos tão claramente identificada por Peter Drucker.
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*Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado, da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa.
Fonte:  http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed717_o_fechamento_de_jornais_impressos

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