Octavio de Barros*
Em maio de 2009, o economista Mohamed El-Erian (sócio de uma
importante gestora de investimentos) publicou um artigo que teve e tem
até hoje grande repercussão, na medida em que trata do conceito da
economia operando em um modelo chamado de "novo normal" ("A new normal",
Mohamed A. El-Erian, "Secular Outlook", maio 2009). O artigo refere-se à
situação da economia global pós-crise de 2008, que deverá perdurar por
um período longo em substituição a uma configuração que prevaleceu até
2007.
A ideia do "novo normal" traduz o reconhecimento de que a economia
mundial passará a conviver com características inéditas bem distintas
daquelas que prevaleceram até poucos anos atrás. Para recapitularmos, na
visão do autor, o "antigo normal" modo de funcionamento da economia era
marcado por taxas de crescimento bem mais elevadas, propiciadas por uma
expansão global do crédito e por uma despreocupação com o financiamento
soberano. No período de 2000 a 2007, tivemos o crescimento exuberante
da China, um sistema financeiro pouco regulado, baixa intervenção do
Estado na economia, elevadas taxas de retorno, crescimento econômico
baseado sobretudo no consumo etc. Esse modo de funcionamento da economia
teria se esgotado na visão do mencionado artigo seminal.
O "novo normal" envolveria a China crescendo menos e convergindo
gradualmente para padrões clássicos de desenvolvimento, os países
emergentes focando cada vez mais no investimento e no aumento da
produtividade do que no consumo, maior e mais rígida regulação do setor
financeiro, mais moderada expansão do crédito, taxas menores de retorno
dos negócios em geral e busca de menor concentração de renda.
Discute-se qual será o novo padrão
de crescimento que marcará um período
de pelo menos uma década no Brasil
e no mundo emergente
Parece intuitivo que o "novo normal" da economia esperado pelas
economias maduras dialoga com um "novo normal" também dos países
emergentes, como o Brasil. Daí nos cabe refletir não apenas sobre o que
seria esse possível "novo normal" que a economia brasileira estaria
obrigada a inaugurar ou que já teria inaugurado. Ou seja, discute-se
qual será o novo padrão de crescimento, a normalidade econômica que
marcará um período longo, de pelo menos uma década no Brasil e no mundo
emergente.
O fato de a economia mundial estar vivendo um momento especial, que
poderíamos classificar como "ajuste de contas", acaba nublando a
compreensão do alcance de um novo modelo de crescimento das economias em
geral, que imaginamos que venha a ter vida longa. Alguns analistas,
precipitadamente, ainda acalentam a tese de que, passada a fase crítica
de ajustes na Europa, nos Estados Unidos e na China, todas as economias
reencontrarão taxas elevadas de crescimento e se observará a volta da
euforia do crescimento dos negócios a taxas novamente invejáveis.
Minha visão é a de que, depois do inevitável ciclo de ajustes que
ainda durará alguns anos, sobretudo nas economias maduras, não veremos
tão cedo assim a volta da "era da euforia" nos negócios. Mesmo em
ambientes que poderíamos classificar como otimistas, passaremos a
assistir com muito mais frequência a um posicionamento cauteloso por
parte de empresas e famílias. Seria como se, mesmo em ambientes
positivos, a "era da euforia" passasse a ser substituída pela "era do
otimismo com cautela e parcimônia", sem que isso necessariamente
signifique que o espírito animal do empresário não volte mais a estar
presente.
A economia mundial e a brasileira ingressam em uma fase aparentemente
irreversível de maior regulação governamental, em que "o novo normal"
significa taxas mais moderadas e menos voláteis de crescimento e,
consequentemente, de investimento. Por consequência, estamos a um pulo
de taxas também mais moderadas de retorno dos negócios empresariais em
geral, analisando-os de forma agregada. É como se tivesse havido um
aprendizado com a crise, que faz com que as empresas e as famílias deem
passos mais calculados e menos afoitos nas suas decisões de consumo e de
investimento. Até quando esse comportamento prevalecerá é difícil
prever, mas parece que será um longo processo.
Do lado mais exagerado, observa-se que em momentos de crise,
sobretudo de crises da envergadura desta a que estamos assistindo, há
uma recorrente reaparição de teses estagnacionistas, como se o
crescimento econômico fosse seguir medíocre por muito tempo, como se o
mundo tivesse se transformado em um grande Japão, que cresce pouquíssimo
há décadas. Há também análises que olham para o ambiente de incerteza
global com reverberação midiática constantemente negativa e observam,
por exemplo, o crescimento brasileiro muito baixo por quatro trimestres
e, mesmo em um ambiente de estímulos governamentais e de taxas de juros
em patamares historicamente inéditos, projetam mecanicamente um futuro
quase sombrio.
O que quero aqui sugerir é que as populares teses estagnacionistas
são muito frágeis, ainda que sedutoras, e não podem ser confundidas com a
alta probabilidade, que defendo, de que estejamos ingressando em um
"novo normal", com recuperação da atividade econômica no mundo e no
Brasil. Essa recuperação será, porém, em patamares mais moderados, mais
condizentes com a realidade de economias mais reguladas do ponto de
vista de crédito e do ponto de vista dos incentivos fiscais.
Isso talvez ajude a explicar o tipo de recuperação que podemos
esperar daqui para diante. Mas, como sabemos que política monetária
funciona desde que a aversão ao risco não seja exagerada, apostamos na
recuperação cíclica tão logo os temas globais mais nevrálgicos sejam
adequadamente endereçados e os riscos de ruptura se dissipem.
Saídas de crise na forma de "V" parecem fora do radar, tanto no mundo
como no Brasil. Seria mais plausível uma saída de crise mais parecida
com um "V mais aberto", plasticamente similar ao símbolo da marca Nike,
só para trazermos um pouco de humor a um artigo austero como este.
Estamos falando de um "otimismo repaginado", com menores
comportamentos pro-cíclicos e com agentes econômicos agindo com um pouco
mais de racionalidade e parcimônia, pelo menos por um bom tempo. As
boas oportunidades estarão sempre à disposição, mas identificá-las
exigirá mais trabalho e mais competência estratégica em todos os países,
inclusive no Brasil.
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Octavio de Barros, diretor do departamento de pesquisas e
estudos econômicos do Bradesco, é doutorado pela Universidade de Paris
X-Nanterre
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