quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Ortega y Gasset

Jéferson Assumção lança livro sobre filosofia baseado em Ortega y Gasset <br /><b>Crédito: </b> Eduardo Seidl / Divulgação / CP

Jéferson Assumção lança livro baseado em Ortega y Gasset

Secretário adjunto da Cultura e filósofo autografa "Homem-Massa" em Porto Alegre


Conforme o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), o “homem-massa” é um novo bárbaro, que vive na cultura como em estado de natureza, que se ocupa em desocupar-se. Pois o filósofo e atual secretário adjunto da Cultura do Rio Grande do Sul, o filósofo Jéferson Assumção, resolveu transpor ao livro “Homem-Massa – a filosofia de Ortega y Gasset e sua crítica à cultura massificada” o resultado de uma pesquisa e posterior dissertação ao Doutorado em Humanidades e Ciências Sociais da Universidade de León, na Espanha. A obra editada pela Bestiário e Fundación Ortega-Marañon terá lançamento nesta quarta-feira, às 19h, na Pinacoteca (República, 409).

Em entrevista ao Correio do Povo, Jéferson fala sobre a obra, sobre os pontos mais importante da filosofia de Ortega y Gasset e sobre o raciovitalismo.

CP - Como foi a concepção do livro e qual a ideia básica da obra?

Jéferson - O livro resulta de uma pesquisa sobre o conceito de "homem-massa", dos princípios da filosofia do espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), para a Suficiência Investigadora do programa de Doutorado em Humanidades e Ciências Sociais da Universidade de León, Espanha. Teve alguma adaptação, pequena, para um público mais aberto, mas ainda assim a própria dissertação originalmente segue uma linha, eu diria, um tanto orteguiana, ensaística, menos rígida. Ortega tinha uma forma própria de expor seu pensamento, francamente oposto à linguagem tradicional da filosofia acadêmica. "A clareza é a cortesia do filósofo", ele dizia. E a filosofia, profundo esforço de buscar a superfície, de se manter flutuando no mar do absurdo. Ortega sempre tentou evitar o hermetismo e a mera exibição de "bíceps de feira do tecnicismo acadêmico" - como ele definia. Escreveu na encruzilhada entre filosofia, sociologia, jornalismo e literatura, buscando juntar o que há de mais interessante em cada uma dessas áreas, numa exposição elegante, desportiva, de suas ideias - a maioria publicada em jornais espanhóis e latino-americanos das primeiras décadas do século XX. Ele se incomodava muito com o idealismo e o racionalismo, mas não sentia suficiência em um pensamento meramente vitalista.

CP – Seria o filosofar “raciovitalista”?

Jéferson – Sim, por isso seu filosofar é "raciovitalista". E seus textos coerentes com esta intersecção entre razão (filosofia e sociologia) e vida (jornalismo e literatura). Eu tentei seguir esta forma de exposição, obviamente que com resultados bem menos interessantes que os do filósofo espanhol. Para o livro, escrevi uma Introdução e um Posfácio, nos quais coloco mais frontalmente minhas opiniões sobre o tema e proponho uma forma de abordagem atual para ele. No “corpo do livro”, limito-me a expor o que Ortega pensava, coisas que, hoje em dia talvez soem um pouco anacrônicas e até mesmo preconceituosas a respeito da relação massa e minoria, por exemplo. Mas que, para um pesquisador sobre o tema, é mais importante que tenha um certo nível de objetividade e distanciamento.

CP - Quais os pontos mais importantes da filosofia de Ortega y Gasset e com o que você concorda ou não?

Jéferson - Concordo com sua visão de cultura como “esforço natatório”, gosto muito de sua estética, de sua ética da gratuidade, de sua exigência de criatividade antiqueixosa contra o coitadismo, da maneira como ele considera o homem-massa paciente, mas também agente (ou seja, responsável em certa medida) por sua condição de massa, devido às suas escolhas etc. Acho que a ideia de co-implicação eu-circunstância, ou seja, de que o ser humano não é apenas o sujeito encapsulado em si mesmo, mas também não é apenas circunstância (corpo, psiquismo, língua, pátria etc) mas um amálgama desses dois, de que recebeu gratuitamente uma vida, mas que esta não lhe foi dada pronta e sim por fazer. Que ele tem que fazê-la criativamente, com esforço diário de dar sentido a essa flecha já lançada, que está forçado a esta liberdade (o que ele disse antes mesmo de Sartre). Que pode escolher massificar-se na heteronomia, vivendo as leis do outro, ou, o que seria mais nobre, conforme Ortega, tentar viver de maneira mais autônoma, elegendo o seu programa de vida e sendo responsável ele. Mesmo a mais pobre das pessoas, para Ortega, é portadora dessa vocação inicial do ser humano, dessa chama de humanidade. Claro que as circunstâncias pesam e muitas vezes desanimam, diminuem a alma, o ímpeto. Mas isso não pode resultar em angústia. Ortega chamava isso de o “caráter desportivo da moral”, avesso à asfixia da angústia existencialista e ao queixume de autores materialistas ou religiosos, que ele também evitava.

CP – E a noção de humanidade em Ortega?

Jéferson - A ideia de que a vida humana individual é a realidade radical, mas que nós somos um ser-com-os-outros, milhões de eus-circunstâncias geradores de um perspectivismo universalmente distribuído inversa à fragmentação relativista, é portadora de uma ideia de humanidade muito rica. Acho tudo isso ainda muito válido para fundamentar uma ideia de sociedade que não desmoralize seus integrantes, que leve em consideração que as pessoas não são apenas circunstâncias, não são apenas zoe, mas biós, duas palavras para designar“vida” em grego, o primeiro mais ligado à biologia e o segundo, cheio de narrativa pessoal, de razão narrativa, como dizia Ortega, à biografia de cada um. Ortega era muito bélico em relação às instâncias que achatavam o ser humano, principalmente o estado ortopédico, da revolução bolchevique, e o mercado de massas, que ele via nascer com a emergência dos Estados Unidos. O homem-massa do início do século XX tinha duas capitais, Moscou e Nova Iorque, ambas cidades representavam simbolicamente grandes centros geradores de heteronomia. E de homens-massa.
-----------------------
Fonte:  http://www.correiodopovo.com.br/ArteAgenda/?Noticia=472069
Crédito: Eduardo Seidl / Divulgação / CP

Nenhum comentário:

Postar um comentário