Moza Bint Nasser*
Em Tal Rifat, nas cercanias da cidade síria de Alepo, as
crianças não têm escola para frequentar. O edifício, atingido duas
vezes por ataques aéreos nas últimas semanas, está completamente
arruinado. Os alunos de Azaz, outra cidade próxima, não estão em melhor
situação: há uma base militar onde costumava ficar a escola. Fora dos
limites do país de mais de 23 milhões de pessoas, nos acampamentos
superlotados da Jordânia (outro país do Oriente Médio) as crianças
refugiadas turcas ou libanesas têm sorte se conseguirem encontrar um
professor para continuarem a ter aulas.
A educação está sendo atacada, e não só na Síria, mas em várias
regiões do mundo. Do Afeganistão à Costa do Marfim, de Gaza ao Sudão do
Sul, a história é a mesma. Há 28 milhões de crianças vivendo em zonas de
conflito sem receber nenhuma educação e o número de ataques contra os
estabelecimentos de ensino está aumentando. Apesar da proibição
explícita por parte das leis internacionais, a santidade do aprendizado é
violada diariamente das maneiras mais absurdas possíveis. A guerra
civil deixa inúmeras crianças fora da escola. Há alguns motivos para
isso. Um é que unidades estão ocupadas por refugiados. Outro é que
muitos pais têm medo da violência.
Felizmente, a comunidade global está começando a notar esse problema
pernicioso e, nas próximas semanas e nos próximos meses, uma série de
iniciativas importantes vai falar sobre isso.
Primeiramente, precisamos amplificar as vozes das vítimas e deter a
corrupção moral com a perspectiva real de punição. O Education Above
All, um grupo do qual tenho a honra de ser presidente, publicou um item
importante esta semana: Protecting Education in Insecurity and Armed
Conflict (Como proteger a educação em tempos de insegurança e conflitos
armados), um manual que reúne as leis internacionais existentes sobre a
proteção da educação em zonas de conflito. Pela primeira vez os
investigadores, advogados e juízes têm um livro em que basear o
comportamento dos violadores da educação. É um novo e poderoso
instrumento de justiça.
E enquanto os líderes mundiais se reúnem para a Assembleia-Geral da
ONU, em Nova York, eu me juntarei ao secretário-geral Ban Ki-moon e
outras pessoas para lançar uma grande campanha que lidará com o fato
vergonhoso de que 61 milhões de crianças no mundo inteiro não podem ir à
escola.
Por maiores que sejam os desafios, é possível, até mesmo nas piores
circunstâncias de pobreza e conflito, oferecer às crianças uma educação
significativa. Durante o meu trabalho como enviada especial da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) e por meio dos meus projetos no Iraque, em Gaza, na Indonésia e
em outros lugares, tive o privilégio de testemunhar a eficácia de
intervenções relativamente simples, mas inovadoras.
Meus mandatos na Unesco e na ONU são globais e existem crianças que
precisam desesperadamente da nossa proteção em todas as regiões, mas há
lições importantes a serem aprendidas com a minha região natal no
Oriente Médio, onde pudemos presenciar avanços importantes. As
matrículas no ensino fundamental aumentaram em mais de 10% na última
década, as diferenças entre os sexos diminuiu e mais crianças estão
passando do ensino fundamental para o médio. Apesar disso, mais de 6
milhões de crianças ainda não vão à escola e mais de um quarto dos
adultos são analfabetos. Com dois terços da população árabe com menos de
25 anos de idade (o chamado youth bulge, ou "explosão juvenil"), a
maneira como os jovens enfrentarão os anos que estão por vir
determinará, em grande parte, o futuro da nossa região e das nossas
perspectivas comuns de paz e segurança globais.
O Iraque é um exemplo. Ele já foi um país líder em educação no mundo
árabe, mas sofreu muito como resultado das três décadas de conflito.
Enquanto na década de 1980 as taxas de alfabetização eram altas, hoje
quase um quarto dos iraquianos é analfabeto e a taxa é ainda maior em
algumas áreas rurais e entre as mulheres. Ao ver o trabalho que lá está
sendo feito para incentivar a educação formal e informal, treinar
professores e promover a alfabetização, fiquei convencida de que a
educação é a chave para ajudar o berço da civilização a curar suas
feridas e se reerguer.
Temos muito a ganhar. Sabemos que uma criança que nasce de uma mãe
que sabe ler tem 50% mais chances de viver além dos 5 anos de idade. Nos
países em desenvolvimento, cada ano extra de ensino fundamental pode
acrescentar, no mínimo, 10% aos ganhos futuros da criança. Essa pode ser
a saída do círculo vicioso e a entrada para o virtuoso. Os adultos com
um grau de segurança financeira têm muito mais chances de investir na
educação dos filhos.
É por isso que, apesar da quantidade e da escala dos desafios que
enfrentamentos, nunca me senti tão empolgada e cheia de esperança pelas
crianças esquecidas quanto me sinto hoje. O Qatar vai fazer a sua parte.
Em novembro a comunidade global de educação se reunirá em Doha para o
World Innovation Summit for Education (Wise) anual, que terá como tema
Transformando a Educação. Um dos prêmios Wise 2012 será destinado a
reconhecer o projeto que forneceu melhor financiamento inovador para a
educação primária. Isso reflete o meu apoio aos Objetivos do Milênio
traçados pela ONU, que inclui, entre outras metas, ter um ensino básico
universal.
Este ano convidarei outras pessoas para se juntarem a mim numa nova
iniciativa que oferecerá educação de qualidade e resultados
verdadeiramente mensuráveis em benefício das crianças ao redor do mundo.
A educação é uma bênção. Ela nos dá oportunidades, influência e uma
obrigação moral clara de usar esses dons para proteger esse direito para
outras pessoas.
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* É A ENVIADA ESPECIAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA E SUPERIOR DA UNESCO
Fonte: Estadão on line, 31/12/2012
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