Venício A. de Lima*
Apesar da certeza arrogante com que alguns “pesquisadores” nos oferecem
interpretações sobre a influência da grande mídia – ou da inexistência
dela – tanto no funcionamento das instituições republicanas como no
comportamento coletivo – ou no comportamento do que se chama de “opinião
pública” –, os dias que correm oferecem razões de sobra para muita
reflexão e humildade.
Alguns exemplos reveladores:
1. É difícil acreditar que a posição unânime da grande mídia favorável à condenação de todos os réus, por todos
os crimes a eles imputados pelo Ministério Público na Ação Penal nº
470, ao longo dos últimos sete anos, não tenha exercido influência
importante no resultado do julgamento no STF.
Dito de outra forma: tivesse a grande mídia, desde a primeira denúncia,
em 2005, pautado sua cobertura pelo princípio constitucional da
“presunção de inocência” em relação a todos os réus e a todas as
acusações, o resultado do julgamento teria sido o mesmo?
Supondo que a resposta correta a essa pergunta seja “dificilmente”,
estaremos admitindo a influência direta da grande mídia sobre o
Judiciário, vale dizer, um dos três poderes da República.
Nova visibilidade
2. A se confirmarem os resultados ainda pendentes no
segundo turno das eleições municipais, será possível afirmar que o
julgamento da Ação Penal nº 470 não produziu o resultado esperado
(desejado) pela grande mídia e pelos partidos de oposição [ao governo
Dilma e ao governo anterior do presidente Lula]. Isto é, apesar de anos
seguidos de “julgamento e condenação pública” de quadros dirigentes do
PT e de alguns de seus partidos aliados, candidatos desses partidos
venceram disputas em cidades-chave e tiveram expressivo número de votos
em todo o país.
Seria correto, portanto, afirmar que a grande mídia não exerce mais a
influência decisiva que já exerceu em campanhas eleitorais como, por
exemplo, nas eleições presidenciais de 1989 (Collor x Lula).
3. O Ibope divulgou recentemente o resultado
comparativo das preocupações predominantes entre os brasileiros no ano
de 1989 e em 2010 (ver aqui).
O quadro abaixo é autoexplicativo, todavia vale destacar o comentário
que está no release de divulgação dos resultados em relação ao “tipo de
preocupação” corrupção. Afirma o Ibope:
“Apesar das constantes notícias sobre o assunto, o combate à corrupção
também preocupa menos o brasileiro: de 20% passou a ser citada por 15%
dos entrevistados.”
Qual a relação da queda da preocupação do brasileiro com a corrupção e
as “constantes notícias” – uma verdadeira campanha de moralidade
seletiva e criminalização da política – veiculadas na grande mídia desde
2005?
Preocupações nacionais, ontem e hoje (IBOPE) | ||
Tipo de preocupação | 1989 | 2010 |
Inflação | 57 | 4 |
Saúde | 49 | 66 |
Segurança Pública | 15 | 42 |
Educação | 41 | 31 |
Desemprego | 39 | 29 |
Combate à corrupção | 20 | 15 |
Habitação | 15 | 9 |
Dívida Externa | 24 | - |
Drogas | - | 29 |
Fichas técnicas das pesquisas | ||
Abrangência | Nacional | Nacional |
Período de campo | Novembro/1989 | Maio/2010 |
Entrevistas | 3.650 | 2.002 |
Margem de erro | 2 pontos percentuais | 2 pontos percentuais |
4. O final da novela Avenida Brasil da Rede
Globo prendeu a atenção de boa parte do país na sexta feira (19/10). As
Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc) já haviam constatado queda
do consumo de energia durante o horário em que a novela esteve no ar:
5% entre 21h e 22h. Por causa da novela, o comício do candidato a
prefeito de São Paulo Fernando Haddad, com a participação da presidenta
Dilma, marcado para o mesmo dia do capítulo final, foi adiado.
Considerando que a novidade foi a visibilidade que deu à chamada “nova
classe C”, vale perguntar: quais modelos de comportamento (político,
ético, de consumo etc., etc.) foram “oferecidos” diariamente à imensa
audiência mobilizada por essa novela?
Outros tempos
Aparentemente contraditórios, esses fatos deveriam obrigar
“pesquisadores” a pensar duas vezes antes de fazer avaliações
definitivas: se há grande influência sobre o Judiciário, ela parece ser
bem menor em relação aos resultados eleitorais (salvo o aumento nos
índices de abstenção?) ou às preocupações dominantes entre os
brasileiros. Por outro lado, o que dizer sobre uma novela que mobiliza
milhões de pessoas a ponto de interferir diretamente na organização do
tempo cotidiano? E, mais importante, o que tudo isso tem a ver com o
processo democrático?
Hoje, como sempre, não existe explicação simples para a enorme
complexidade das relações entre a mídia, as instituições republicanas e,
sobretudo, a cidadania.
Um fato, todavia, parece certo: de maneira geral, a grande mídia não
exerce mais o imenso poder que já teve sobre a maioria da população
brasileira. Ainda bem.
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* Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no
Departamento de Ciência Política da UFMG (2012/2013), professor de
Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros.
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed717_o_poder_da_midia_contradicoes_e_%28in%29certezas
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