Gilles Lapouge*
Realizaram-se ontem as eleições parlamentares na
Geórgia. Qual o motivo de se dedicar uma análise a esse fato, uma vez
que a Geórgia é uma minúscula nação de apenas 4,5 milhões de habitantes,
às margens do Mar Negro, entre a Rússia, ao norte, e Turquia, Armênia e
Azerbaijão, ao sul?
A explicação é simples: esse pedaço de terra é o prêmio de um
confronto geopolítico virulento, disputado entre Ocidente e Oriente,
entre a Rússia e a Europa liberal. O mundo já se dera conta disso em
2008, quando a Rússia tentou um golpe contra a Geórgia, mas, no fim,
aceitou retirar suas tropas, ocupando, entretanto, uma província
secessionista, a Abkházia, que representa 20% do território georgiano.
Na época, Putin reconheceu que tentara pôr as mãos na Geórgia porque
tinha medo de que o país aderisse à Otan e à União Europeia, o que
equivaleria a um cerco à Rússia. Agora, o que está em jogo nas eleições
legislativas é a mesma coisa: a Geórgia permanecerá voltada para as
nações livres, como continua sendo sob a orientação do seu atual
presidente, Mikhail Saakashvili, ou, ao contrário, se afastará da Europa
para se reaproximar do Kremlin? Aliás, esse é o grande sonho de Putin:
atrair os antigos vassalos da URSS numa união eurasiana, como já
conseguiu fazer com a Ucrânia, que se afastou do campo ocidental.
A personalidade do homem que ontem desafiou nas urnas o presidente
pró-ocidental define a aspereza do embate atual: Bidzina Ivanishvili fez
carreira em Moscou. Chegou à capital russa em 1982, onde começou a vida
vendendo telefones. Em 1990, quando a URSS se esgarçava, sua fortuna
aumentou enormemente. Em 2005, já integrava a lista dos bilionários no
ranking das 500 maiores empresas da revista Forbes.
Em 2002, havia deixado a Rússia e se instalado na França, em
Saint-Tropez, a capital do luxo e das celebridades. Por que
Saint-Tropez? "Porque adoro a natureza", afirmou. No entanto, regressou à
Geórgia em 2003.
Dotado de grande habilidade, evitou bandear-se para o Kremlin. Ele se
considera pragmático e desejoso apenas de garantir a felicidade do povo
- seu partido chama-se O Sonho Georgiano. Parece sincero quando afirma
que a Geórgia não deve "se deixar enredar nos jogos estratégicos entre
as grandes potências". Ivanishvili afirma que o fato de querer
restabelecer relações amistosas com Moscou não significa que seja hostil
à União Europeia.
Igreja Ortodoxa. Entretanto, essas declarações não
bastam para tranquilizar. Ocorre que há um precedente: há dois anos, na
Ucrânia, Viktor Yanukovich tinha o mesmo discurso. Mas, uma vez eleito
presidente, virou as costas à Europa e seus princípios democráticos.
Um elemento nos faz temer a mesma reviravolta em caso de vitória de
Ivanishvili: o comportamento da Igreja Ortodoxa. Essa igreja é poderosa.
No país, que se converteu ao cristianismo no ano 330, os ortodoxos
representam mais de 80% da população. A Igreja Ortodoxa é muito apegada à
cultura eslava. Nos comícios realizados por Ivanishvili, havia uma
forte presença de vestes negras e grandes barbas.
O padre Gavalda não tem papas na língua: "Devemos escolher entre o
bem e o mal". E o teólogo Basile Kobakhidzé explica: "A Igreja
(Ortodoxa) quer sua revanche contra o presidente Saakashvili. Ela odeia
suas orientações pró-ocidentais, os direitos do homem, a democracia, o
individualismo, a Otan. Evidentemente, é uma igreja nacional, mas quer o
retorno ao seio russo-ortodoxo".
Alguns padres imploram aos fiéis que não aprendam inglês. Outra
proibição é a leitura de Harry Potter. Recentemente, houve um escândalo
nas prisões georgianas: alguns detentos foram filmados sendo violentados
e espancados por guardas penitenciários. Essas cenas são do
conhecimento dos pregadores ortodoxos. O bispo Spyridion Abouladze
comentou: "Foram os americanos, os ingleses e os franceses que ordenaram
as violações em nossas prisões".
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* Jornalista e escritor francês. Colunista do Estadão
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,as-eleicoes-na-georgia-,938750,0.htm
Imagem da Internet
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