Quem
vê o brasileiro mais preocupado com o time do coração do que em ocupar
as ruas contra a corrupção ou em defesa de uma proposta partidária pode
julgar que o avanço do Estado Democrático brasileiro beira a Série B.
Mas, afeito a paralelismos entre política e futebol e estudioso do
Brasil de longa data, o antropólogo Roberto DaMatta vem nos lembrar dos
avanços que a nossa jovem democracia, ainda nas fraldas, mostra na
História recente.
Embora moldada na forma da aristocracia e do escravismo, a democracia
brasileira tem ganhado outros contornos. Hoje, a tecnologia digital
escancara as informações e a sociedade em rede não espera mais uma
fórmula única. “Terminou a utopia”, diz. Isso muda por completo a
perspectiva, pois reduz a ideia de que a solução mágica partirá de uma
pessoa eleita, mas sim de um trabalho conjunto. E árduo, pois, segundo
ele, cresce a consciência de que as coisas nunca ficam prontas,
acabadas, e, sim, precisam ser refundadas continuamente, trabalhadas sem
fim.
A seu ver, as eleições são uma dessas oportunidades de refundação.
“As pessoas são forçadas a deixar o poder para entrar outras. Pode-se
jogar fora o velho e fundar o novo. É um rito de cataclismo. Por isso é
um ônibus que a gente não pode perder. É como dizia Eça de Queirós: ‘Os
políticos e as fraldas precisam ser trocados frequentemente. E pelas
mesmas razões’.”
Leia a seguir entrevista que DaMatta concedeu a Página22, a bordo de
um táxi, a caminho da ponte aérea, e trechos de uma palestra que fez em
São Paulo.
Página 22 – O senhor ressalta que a sociedade
brasileira é moldada por uma herança aristocrática e escravocrata.
Diante dessa constatação, como é possível a gente conseguir romper a
fronteira que distancia o interesse privado do interesse público?
Roberto DaMatta – Já estamos rompendo. Hoje, as
reações e a indignação contra políticos que se aproveitam de sua posição
de agentes públicos e que se locupletam é muito maior do que jamais
foi, tanto é que sai no jornal. Por exemplo, você vê esse caso do
mensalão: eu duvido que isso chegasse a público, digamos, 40 anos
passados. Na época dos militares, imagine quantas obras não eram feitas
ou quanto dinheiro era desviado, ou mesmo em governos anteriores, e que
não ficamos sabendo. A transparência – isso que você está usando, os
gravadores, iPhones, televisão, câmeras – impede a mentira. Veja a
filmagem das pessoas recebendo propina, que o inimigo faz. As denúncias
se transformaram em coisas muito menos acusatórias, verbais, e muito
mais provas concretas.
P22 – Hoje se podem cruzar as informações rapidamente e desmascarar…
RD – Eu dizer que não vim a São Paulo e não fiz a
palestra no Sinproquim (Sindicato das Indústrias de Produtos Químicos
para Fins Industriais e da Petroquímica no Estado de São Paulo) é
impossível. Eu tô filmado. Eu entrei, tô filmado.
P22 – Podemos dizer que a tecnologia induz a uma evolução no processo democrático?
RD – Ela promove uma transparência de tudo aquilo
que fazia parte das sociedades aristocráticas. Que começavam com as
leis. Cada grupo era julgado de uma maneira diferente do outro e você
não sabia o que estava acontecendo, porque não tinha jornal, nada disso.
Hoje, as pessoas não sabem ler e escrever. Não sabem! Mas elas sabem
ver. Elas ouvem. Então, aparece na televisão aquele batráquio de
Brasília [o então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda] –
aquilo é um escândalo, fiquei indignado com aquilo – recebendo um monte
de dinheiro. Então esse componente da tecnologia é importantíssimo,
irreversível, e só tende a aumentar.
P22 – Na mesma linha, o ciberativismo é outro elemento importante?
RD – Também. E funciona para os dois lados. Você tem
uma nova discussão de ideias, de opiniões, de formação de opiniões. E
tem mais: você pode ser mais sincero nas opiniões porque é uma coisa
mais impessoal, não é presencial.
P22 – E isso é bom para neutralizar aquele traço
cultural que o senhor cita, de que o brasileiro em geral prefere evitar o
confronto pessoal?
RD – É perfeito. Porque, cara a cara, será que você
vai dizer o que gostaria? Não, mas na internet você diz. Além disso,
existe nos sites um novo tipo de reflexão sobre o Brasil que não é só
feita por jornalistas profissionais e acadêmicos profissionais, mas por
pessoas comuns. E algumas delas são extremamente perspicazes. Então, há
uma democratização da mídia muito grande que a gente precisa levar em
conta também.
P22 – Então, apesar de tudo, a democracia no Brasil tem evoluído bastante?
RD – Sem dúvida. Senão, você não estaria fazendo
esta entrevista comigo. Desde 1979 estou mostrando essa oposição que
existe no Brasil entre a casa e a rua. Outra coisa que temos hoje é uma
consciência sobre os papéis públicos que jamais houve. Se você é
governador, esse papel o constrange. Você tem que honrá-lo. Não pode
pegar o carro do governador e sair à noite para passear em São Paulo.
Não pode pegar uma verba de recepcionar pessoas e gastar com sua
família. Hoje, temos uma consciência maior de que a moldagem
aristocrática do Estado brasileiro tira muito mais da sociedade do que
deveria tirar. Se não tirasse tanto, se não tivesse tantos funcionários,
teríamos muito mais verba para fazer ruas, aeroportos melhores etc.
P22 – Ao mesmo tempo, em relação à participação do cidadão na política, o que parece é que não há um interesse, e sim uma apatia.
RD – Então o ideal é que houvesse uma campanha para
estimular o voto, em vez de ser obrigatório. Talvez isso resultasse em
um ativismo maior. Isso é uma hipótese. Mas isso que aparece como uma
ausência de participação nas ruas, por exemplo, não acontece na
internet. Eu entro sempre no julgamento do mensalão no Terra. Você
assiste ao ministro fazendo a relatoria ou respondendo, e do lado há os
comentários (do internauta). E são muitos os comentários! Porque
justamente existe uma consciência maior de que o Estado gasta e
centraliza mais do que precisa, e é ineficiente.
P22 – Que reformas no campo político são
fundamentais e viáveis, ou seja, não são difíceis de conseguir se houver
alguma mobilização das pessoas?
RD – Tem um ponto fundamental acontecendo no campo
político brasileiro hoje: o fato de que terminou a utopia. O milenarismo
está acabando. Isso quer dizer que há um entendimento maior de que o
Brasil não vai se resolver com o Lula ou o PT sozinho. O Brasil vai se
resolver, sim, com o Lula, com o PT e com os outros partidos e com os
cidadãos brasileiros. E isso é um trabalho desgraçado. Não existe mais
uma fórmula.
Eu, por exemplo, fui criado “socializado”, em um momento em que todo
estudante era de esquerda, e se pensava que existia uma fórmula pela
qual a sociedade se resolveria para sempre. Era o caso da União
Soviética, a gente acreditava que era assim. Até sair o Relatório
Kruschev (risos) [denunciando os horrores do regime stalinista].
E quando essas coisas pipocavam… os Estados Unidos! A gente tinha de
ser igual aos Estados Unidos e estaria tudo resolvido. E não é. A gente
não tem que ser igual a ninguém, cada um procura um caminho, os caminhos
são árduos, e é exatamente por isso que sou um liberal. No liberalismo,
a gente se aproxima de uma visão que faz menos mal, pois ela não troca a
realidade pelos valores. Ninguém é o obstáculo. O obstáculo é a própria
realidade. É um guia mais firme e seguro do que você achar que o
prefeito tal vai resolver os problemas da cidade – que é como as pessoas
se apresentam nas campanhas eleitorais.
P22 – Pois é, isso continua no discurso da propaganda política. A novidade é que as pessoas estão acreditando menos?
RD – Sim, tanto que o candidato ungido pelo Deus,
que é o Lula [em referência à citação de Marta Suplicy, que se referiu a
Lula como Deus], está difícil de decolar. É um exemplo de como as
coisas não têm mais automatismo. A mecânica mudou. Antigamente, o
coronelão decidia. Depois, houve os presidentes autoritários que
mandavam em tudo e controlavam o Estado, porque o número de
representantes era menor. Em seguida, começou a abertura democrática e a
haver vários partidos.
Quem iria imaginar, na década de 1950, o Partido Verde? Quem iria
imaginar o movimento ecológico? Quem iria imaginar que a gente hoje vai
ter de fazer, de qualquer maneira, uma redefinição dos nossos estilos de
vida? Sim, porque o planeta não aguenta um sistema de produção que tem
como premissa que os recursos naturais são inesgotáveis. Eles não são.
P22 – É aquilo que o senhor provocou em sua fala agora há pouco: o quanto é suficiente?
RD – Pois é, o quanto é suficiente para você?
Quantos anéis você precisa ter? Quantos sapatos? Porque tudo isso exige
uma produção… Será que todo ano precisa sair um modelo novo de carro, ou
a gente pode deixar para sair de três em três anos?
Essas ideias estão em discussão ainda em um núcleo muito pequeno da sociedade. perto do todo, é um grupo minúsculo.
Mas os grupos minúsculos aumentam. E as pressões são muito grandes. A
questão da ecologia é interessante, porque a sustentabilidade é uma
palavra que não está ligada nem à religião nem à política, tem a ver com
o planeta. Acontecem tempestades nos Estados Unidos, começa a haver
degelo no Alasca, e os americanos começam a ver que tem alguma coisa
errada.
P22 – É a coisa mais pública que existe. Não tem
nada mais público que isso. Mas a dificuldade de lidar com o que é
público é enorme, porque o pensamento é: “Não sou o grande causador do
problema, por que eu tenho de resolver?” Então é mais difícil de
convencer as pessoas nessa matéria, não acha?
RD – É, mas o fato de ser público, notório e não ter
ligação com nenhum grupo subversivo, ou nenhuma igreja, ou nenhuma
seita, vai automaticamente levar a uma melhor redistribuição de uma
renda em um âmbito que não é nacional. As desigualdades ocorrem nos
continentes, entre países. Como é que diminui, por exemplo, o nível de
monóxido de carbono? Você tem que colocar menos automóveis em
circulação, colocar sistemas públicos de transporte, que sejam mais
eficientes. E os donos de automóveis vão ter que vender o carro ou não
comprar tantos carros.
É o que sempre falamos nesta revista: os mais ricos terão de abrir
mão do consumo para os mais pobres poderem ter acesso às oportunidades,
reduzindo as desigualdades.
A menos que você encontre novas tecnologias que neutralizem isso. Os
dois caminhos estão juntos. Não é um ou outro. Os dois estarão
conjugados.
P22 – Em relação às eleições nos Estados Unidos, o senhor está acompanhando?
RD – Estou, é um assunto muito interessante, muito
complexo, há um conflito de valores e temo que o Mitt Romney ganhe. Não
quero, mas é meu temor.
P22 – A seu ver, por que ele tem grande chance de ganhar?
RD – Porque o Obama não deu os empregos que
prometeu. Os caras (os americanos) são pragmáticos. Não é como aqui, que
você pro- mete e não faz, e tudo bem. Aquilo conta!
P22 – Além disso, teve a crise econômica, que pegou o Obama em cheio?
RD – Pegou em cheio. Ele, sim, teve uma herança maldita.
P22 – Ele conseguiu fazer muito pouco em termos de mudança, para quem tinha mudança como slogan de campanha, não é?
RD – Conseguiu fazer muito pouco porque o Congresso
americano fez com ele paralisações que nunca tinha feito em 100 anos. A
ponto de decidir não votar determinadas matérias. Porque aí tem o
elemento da cor, né? Agora tenho que ir, senão perco meu voo!
______________________________________________________________________________
A seguir, depoimentos de DaMatta colhidos no espaço de debates
“Café com Opinião”, promovido em São Paulo pelo Sinproquim, sindicato da
indústria química:
FUTEBOL VS. PARTICIPAÇÃO POLITÍCA
Uma das razões que podem explicar no Brasil o entusiasmo pelo futebol e a falta de entusiasmo pela política é que no futebol as regras são claras e entendidas pelas maioria. E na política há regulamentos e regimentos que são complexos. E uma das primeiras coisas que os políticos manipuladores fazem é estudar muito bem esses regimentos. No futebol, a gente entende melhor o funcionamento das coisas porque, quando o jogador perde um pênalti, não tem o Supremo para decidir. Mas, quando existe o mensalão, é um troço muito mais complicado, porque existe um mascaramento das situações.
Na política, a gente é muito leniente e elástico, ao contrário do
esporte, em que perdeu, perdeu. Mas, na política, nós temos que falar,
escrever para jornal, fazer pressão por meio de associações de classe,
ou chamar alguém aqui e dar duro. Aí, fatalmente, vamos entrar em uma
coisa que, dentro da cultura luso-brasileira – vou falar em geral –, é
muito difícil pra nós, que é o confronto. Que é discordar, cobrar. É
desconfortável para nós, brasileiros, fazer isso. Mas, para finalizar
nosso processo de modernização, não podemos ficar só reclamando entre
amigos. Não adianta a gente conversar de noite, dizendo um para o outro:
“Tô indignado” . Isso tem que ser externado e chegar aonde deve.
GOVERNANTES E INVERSÃO DE PAPÉIS
Precisamos mudar a ideia sobre os governantes: eles não são donos de uma coisa que nos compete, e, sim, são gerentes de alguma coisa que é nossa! São bens e serviços que nos pertencem! Então o Estado brasileiro tem uma posição invertida: aqui a sociedade trabalha para o Estado, em vez de o Estado trabalhar para a sociedade. O Estado é um meio para melhorar o bem-estar da sociedade.
Precisamos mudar a ideia sobre os governantes: eles não são donos de uma coisa que nos compete, e, sim, são gerentes de alguma coisa que é nossa! São bens e serviços que nos pertencem! Então o Estado brasileiro tem uma posição invertida: aqui a sociedade trabalha para o Estado, em vez de o Estado trabalhar para a sociedade. O Estado é um meio para melhorar o bem-estar da sociedade.
CARROS VS. SOCIEDADE DE IGUAIS
Nossa decisão do transporte foi, obviamente, uma decisão aristocrática. Cada um com seu carro, cada um quer ter o carro melhor que o outro, não é à toa que são 40 mil acidentes por ano, porque, para fazer o “sabe-com-quem-está-falando” dentro do carro, só batendo um no outro! (risos) E, quando bate, destrói propriedade, eventualmente ceifa vidas ou torna uma pessoa imprestável, com sofrimento e custo
enorme.
Nossa decisão do transporte foi, obviamente, uma decisão aristocrática. Cada um com seu carro, cada um quer ter o carro melhor que o outro, não é à toa que são 40 mil acidentes por ano, porque, para fazer o “sabe-com-quem-está-falando” dentro do carro, só batendo um no outro! (risos) E, quando bate, destrói propriedade, eventualmente ceifa vidas ou torna uma pessoa imprestável, com sofrimento e custo
enorme.
Isso acontece porque a gente não politiza mais a questão de que temos
que nos preparar para viver em uma sociedade de iguais, em que os
outros existem tanto quanto nós. Então, você entra no aeroporto para
passar pelos raios X, tem gente que fica conversando na entrada e na
saída. Se ficar naquela porta ali, como uma pessoa vai sair? A gente não
aprende isso em lugar nenhum, muito menos em casa. Nem no colégio.
Então, educação sim, mas uma educação voltada para a igualdade, que é
uma educação voltada para o outro, para o seu próximo, que tem o mesmo
problema que você. Ele não é superior nem inferior, ele é igualzinho a
você. Este é um elemento que falta na formação do espaço público
brasileiro.
Outro ponto que tenho trabalhado: o quanto é suficiente para nós? É
uma pergunta para fazermos de noite. Tenho que ter todos os livros do
mundo? Uma Mercedes-Benz? Tenho que ir todo ano a Nova York? O quanto
basta?
ARISTOCRACIA VS. REPÚBLICA
Há um paradoxo: a República brasileira destruiu a aristocracia, mas construiu a aristocracia dentro dela própria. Vejam as dinastias políticas na Bahia, no Rio. Há uma hereditariedade própria da aristocracia e das sociedades hierárquicas. A mãe briga com o garçom no restaurante se ele der pito no filho que está fazendo bagunça, por resquício escravocrata.
Há um paradoxo: a República brasileira destruiu a aristocracia, mas construiu a aristocracia dentro dela própria. Vejam as dinastias políticas na Bahia, no Rio. Há uma hereditariedade própria da aristocracia e das sociedades hierárquicas. A mãe briga com o garçom no restaurante se ele der pito no filho que está fazendo bagunça, por resquício escravocrata.
A gente faz barulho em restaurante, faz fila para entrar em avião, e
no entanto no avião tem lugar marcado! Levanta da poltrona do avião
quando as portas ainda estão fechadas. Por quê? Porque somos uns barões,
queremos sempre ser os primeiros a entrar e a sair. No fundo, somos uns
meninos mimados. Uns frescos. As nossas mães mimam a gente desde
criança. O Joãozinho reclama porque prefere o arroz em cima do feijão,
ele faz birra se o feijão ficar embaixo do arroz. E a mãe vai lá e faz o
que o filho quer.
Nos Estados Unidos, come-se de bandejão. Mas aqui não temos a cultura
do self-service, e sim a de que somos servidos por alguém. Ou pela mãe
ou pela empregada. Ou, na ausência da empregada, pelo irmão mais novo
(risos). E isso é transposto para o mundo público.
PARTIDOS E NANICOS
Ficamos os 21 anos de regime militar com dois partidos. Aí, quando liberou, fizemos o contrário: inventamos um monte de partidos. Não tem como ter tantos programas diferenciados. E tem mais: quem paga o Fundo Partidário somos nós. Esse dinheiro sai do nosso bolso! Então, a vantagem é fazer um partido novo. Eu não sei como vamos resolver isso, mas precisa de uma refundação do campo político, que acho que não interessa a ninguém. É necessário que as lideranças políticas se reúnam para fazer isso.
Ficamos os 21 anos de regime militar com dois partidos. Aí, quando liberou, fizemos o contrário: inventamos um monte de partidos. Não tem como ter tantos programas diferenciados. E tem mais: quem paga o Fundo Partidário somos nós. Esse dinheiro sai do nosso bolso! Então, a vantagem é fazer um partido novo. Eu não sei como vamos resolver isso, mas precisa de uma refundação do campo político, que acho que não interessa a ninguém. É necessário que as lideranças políticas se reúnam para fazer isso.
Por que os candidatos nanicos se candidatam toda eleição, sabendo que
não vão ganhar? É o chamado nanonarcisismo. Tem um primo da minha
mulher que é candidato a prefeito no Rio. A prefeito! Ele aparece de
óculos escuros e fala umas platitudes do tipo, “o Rio de Janeiro está
sem saúde pública”, coisa que qualquer um pode falar de qualquer lugar.
Você pode chegar em Paris e falar: “Paris está com uma deficiência de
iluminação pública” ou “A Rue de l’Étoile está com três lâmpadas
quebradas. Votem em mim para prefeito que vou consertar”.
Esse primo aparece na rua e sente uma certa satisfação, porque a
mulher, as primas o elogiam – “Você está cada vez mais bonito”. Então, a
vantagem é essa: ele fica conhecido. Tem gente para quem isso é a
glória: falarem “eu te vi na televisão”. É o contrário: ele aparece
primeiro na televisão para depois ficar famoso.
DONOS DO BRASIL
Eu vivi um tempo em que os governadores eram donos dos Estados. O Juscelino (Kubitschek) era dono do Brasil. Não era visto como gerenciador, e, sim, como dono. E teve a loucura de pegar o (Le) Corbusier para fazer aquele desenho dos prédios de Brasília. Quando Corbusier tentou fazer um redesenho em Paris, era para fazer três prédios de 5 milhas de altura cada um. Ainda bem que o prefeito de Paris não era Juscelino; se fosse, era capaz de ter feito os prédios e destruído o centro histórico de Paris.
Eu vivi um tempo em que os governadores eram donos dos Estados. O Juscelino (Kubitschek) era dono do Brasil. Não era visto como gerenciador, e, sim, como dono. E teve a loucura de pegar o (Le) Corbusier para fazer aquele desenho dos prédios de Brasília. Quando Corbusier tentou fazer um redesenho em Paris, era para fazer três prédios de 5 milhas de altura cada um. Ainda bem que o prefeito de Paris não era Juscelino; se fosse, era capaz de ter feito os prédios e destruído o centro histórico de Paris.
Aí chamaram o Niemeyer, que fez aquele negócio de concreto, tudo
voltado para dentro, ele tem uma mania de vida intrauterina, tudo
subterrâneo. E então virou o arquiteto do Brasil, virou o dono da
arquitetura brasileira. Você tem um país precisando de inovação, quer
fazer um prédio público em São Paulo e, em vez de abrir um concurso para
os jovens arquitetos participarem, você entrega para os arquitetos que
já são medalhões.
ELEIÇÕES E TROCA DE FRALDAS
A eleição só poderia ter sido inventada pela sociedade liberal, que descobre que temos de ser refeitos todos os dias. Temos que inovar, que nos refundar todo dia. As coisas nunca ficam prontas, acabadas, precisam ser refundadas continuamente. Assim como o casamento.
A eleição só poderia ter sido inventada pela sociedade liberal, que descobre que temos de ser refeitos todos os dias. Temos que inovar, que nos refundar todo dia. As coisas nunca ficam prontas, acabadas, precisam ser refundadas continuamente. Assim como o casamento.
E a eleição de quatro em quatro anos tem a capacidade de liquidar
tudo. As pessoas são forçadas a deixar o poder para entrar outras.
Pode-se jogar fora o velho e fundar o novo. É um rito de cataclismo. Por
isso é um ônibus que a gente não pode perder. É como dizia Eça de
Queirós: “Os políticos e as fraldas precisam ser trocados
frequentemente. E pelas mesmas razões”.
----------------------
Reportagem por Amalia Safatle, da Página 22
(Página 22)Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/de-fralda-em-fralda/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mercado-etico-hoje
Nenhum comentário:
Postar um comentário