O novo Nobel de Literatura, Mo Yan, num programa de TV chinês em 2010
Nobel de Literatura para chinês Mo Yan reforça debate sobre liberdade de criação no país
Em chinês, Mo Yan, pseudônimo adotado pelo novo Prêmio Nobel de Literatura, significa "não fale".
Mas o anúncio, ontem, de que a principal distinção literária mundial foi
dada ao autor -cujo nome verdadeiro é Guan Moye-, causou barulho dentro
e fora da China.
Num país sufocado pela censura, Mo Yan, 57, é apontado por ativistas
como um autor alinhado ao regime, ou pelo menos indiferente aos abusos
cometidos contra a liberdade de expressão.
"Dar este prêmio a um escritor que conscientemente se dissociou das
lutas políticas da China de hoje? Acho que é quase intolerável", disse
ao jornal português "Público" o artista plástico e ativista Ai Weiwei.
À agência "Efe", Weiwei disse que o Mo Yan "é parte do sistema", embora tenha ressalvado que não conhecia a obra do compatriota.
A organização Chinese Human Rights Defenders aproveitou a ocasião para
pedir de novo vez a libertação de Liu Xiaobo, chinês Nobel da Paz em
2010, que continua preso.
Se naquele ano o regime criticou a premiação de Liu Xiaobo, desta vez órgãos oficiais saudaram Mo Yan.
Na sua tradicionalmente sucinta e hermética nota, a Academia Sueca disse
que premiava Mo Yan porque o autor, "com realismo alucinatório, funde
contos populares, a história e o contemporâneo".
Autor de romances, novelas e contos ambientados na China rural, com
elementos históricos e de realismo mágico, teve ontem sua obra comparada
à de Faulkner e de García Marquez, de quem o chinês se diz admirador.
Seu livro mais conhecido no Ocidente deve isso ao cinema: "Sorgo
Vermelho" (1987) foi levado às telas por Zhang Yimou, o mesmo de
"Lanternas Vermelhas".
No seu último romance, "Wa", aborda um tema sensível ao regime, a
política de controle de natalidade que força mulheres a abortar.
Segundo chinês a receber a distinção literária -Gao Xingjian foi
premiado em 2000-, Mo Yan receberá o equivalente a R$ 2,4 milhões. No
seu agradecimento, via veículos oficiais, disse que estava feliz, mas
mais concentrado em escrever novos livros.
Como já ocorrera com o último Nobel, o sueco Tomas Tranströmer, Mo Yan
nunca foi publicado no Brasil. Professores do Departamento de Letras
Orientais da USP disseram desconhecer sua obra.
É mais traduzido em francês (18 livros) do que em inglês (dez). Em
Portugal, saiu um único romance do escritor, "Peito Grande, Ancas
Largas" (editora Ulisseia, 2007).
"É um dos autores mais consistentes da literatura contemporânea. Nesse
livro, criou um painel muito rico do que foi a China no século 20",
disse ontem o editor português da obra, Vasco Silva.
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'Sorgo Vermelho' marcou geração pós-Revolução
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
CRÍTICO DA FOLHA
O anúncio de Mo Yan como Prêmio Nobel de Literatura trouxe como
principal referência para o público ocidental a adaptação de um de seus
romances para o cinema em 1987.
"Sorgo Vermelho", filmado pelo cineasta chinês Zhang Yimou (que em 2000
adaptaria "Happy Times", outra obra de Yan), foi um dos títulos que
marcaram a emergência da chamada "quinta geração". O termo designou o
grupo de diretores que integrou a primeira turma após a reabertura da
Escola de Cinema de Pequim.
Com filmes que venceram aos poucos dogmas temáticos e visuais impostos
durante o período da Revolução Cultural, entre 1966 e 1976, nomes como
Chen Kaige e Zhang Yimou atraíram o interesse ocidental.
"Sorgo Vermelho", filme de estreia de Zhang Yimou, retorna ao norte
rural da China nos anos 1920 para narrar uma fábula de sobrevivência que
reconstitui a violência dos hábitos culturais impostos à mulher.
Depois de vendida a um velho doente que logo morre, uma jovem tenta
sobreviver organizando o negócio na companhia de outras mulheres. Com a
invasão japonesa, qualquer projeto de liberdade passa a ser punido com
rudeza.
A escolha da vítima feminina retomava uma antiga tradição do cinema
chinês, que desde os anos 1920 explorou a carga emocional de melodramas
para representar simbolicamente a repressão.
Ao reutilizar a fórmula, o filme foi identificado como manifestação de
liberdade, após um período de opressão. Aos olhos ocidentais, porém, a
habilidade de explorar simbolicamente as cores num impressionante
universo visual é que ficou na memória.
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Fonte: Folha on line, 12/10/2012
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