sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Silêncio vermelho

 O novo Nobel de Literatura, Mo Yan, num programa de TV chinês em 2010
 O novo Nobel de Literatura, Mo Yan, num programa de TV chinês em 2010


 Nobel de Literatura para chinês Mo Yan reforça debate sobre liberdade de criação no país 

Em chinês, Mo Yan, pseudônimo adotado pelo novo Prêmio Nobel de Literatura, significa "não fale". 

Mas o anúncio, ontem, de que a principal distinção literária mundial foi dada ao autor -cujo nome verdadeiro é Guan Moye-, causou barulho dentro e fora da China. 

Num país sufocado pela censura, Mo Yan, 57, é apontado por ativistas como um autor alinhado ao regime, ou pelo menos indiferente aos abusos cometidos contra a liberdade de expressão. 

"Dar este prêmio a um escritor que conscientemente se dissociou das lutas políticas da China de hoje? Acho que é quase intolerável", disse ao jornal português "Público" o artista plástico e ativista Ai Weiwei. 

À agência "Efe", Weiwei disse que o Mo Yan "é parte do sistema", embora tenha ressalvado que não conhecia a obra do compatriota. 

A organização Chinese Human Rights Defenders aproveitou a ocasião para pedir de novo vez a libertação de Liu Xiaobo, chinês Nobel da Paz em 2010, que continua preso.
Se naquele ano o regime criticou a premiação de Liu Xiaobo, desta vez órgãos oficiais saudaram Mo Yan. 

Na sua tradicionalmente sucinta e hermética nota, a Academia Sueca disse que premiava Mo Yan porque o autor, "com realismo alucinatório, funde contos populares, a história e o contemporâneo". 

Autor de romances, novelas e contos ambientados na China rural, com elementos históricos e de realismo mágico, teve ontem sua obra comparada à de Faulkner e de García Marquez, de quem o chinês se diz admirador. 

Seu livro mais conhecido no Ocidente deve isso ao cinema: "Sorgo Vermelho" (1987) foi levado às telas por Zhang Yimou, o mesmo de "Lanternas Vermelhas". 

No seu último romance, "Wa", aborda um tema sensível ao regime, a política de controle de natalidade que força mulheres a abortar. 

Segundo chinês a receber a distinção literária -Gao Xingjian foi premiado em 2000-, Mo Yan receberá o equivalente a R$ 2,4 milhões. No seu agradecimento, via veículos oficiais, disse que estava feliz, mas mais concentrado em escrever novos livros. 

Como já ocorrera com o último Nobel, o sueco Tomas Tranströmer, Mo Yan nunca foi publicado no Brasil. Professores do Departamento de Letras Orientais da USP disseram desconhecer sua obra. 

É mais traduzido em francês (18 livros) do que em inglês (dez). Em Portugal, saiu um único romance do escritor, "Peito Grande, Ancas Largas" (editora Ulisseia, 2007). 

"É um dos autores mais consistentes da literatura contemporânea. Nesse livro, criou um painel muito rico do que foi a China no século 20", disse ontem o editor português da obra, Vasco Silva. 

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'Sorgo Vermelho' marcou geração pós-Revolução

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

O anúncio de Mo Yan como Prêmio Nobel de Literatura trouxe como principal referência para o público ocidental a adaptação de um de seus romances para o cinema em 1987.

"Sorgo Vermelho", filmado pelo cineasta chinês Zhang Yimou (que em 2000 adaptaria "Happy Times", outra obra de Yan), foi um dos títulos que marcaram a emergência da chamada "quinta geração". O termo designou o grupo de diretores que integrou a primeira turma após a reabertura da Escola de Cinema de Pequim.

Com filmes que venceram aos poucos dogmas temáticos e visuais impostos durante o período da Revolução Cultural, entre 1966 e 1976, nomes como Chen Kaige e Zhang Yimou atraíram o interesse ocidental.

"Sorgo Vermelho", filme de estreia de Zhang Yimou, retorna ao norte rural da China nos anos 1920 para narrar uma fábula de sobrevivência que reconstitui a violência dos hábitos culturais impostos à mulher.

Depois de vendida a um velho doente que logo morre, uma jovem tenta sobreviver organizando o negócio na companhia de outras mulheres. Com a invasão japonesa, qualquer projeto de liberdade passa a ser punido com rudeza.

A escolha da vítima feminina retomava uma antiga tradição do cinema chinês, que desde os anos 1920 explorou a carga emocional de melodramas para representar simbolicamente a repressão.

Ao reutilizar a fórmula, o filme foi identificado como manifestação de liberdade, após um período de opressão. Aos olhos ocidentais, porém, a habilidade de explorar simbolicamente as cores num impressionante universo visual é que ficou na memória.
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Fonte: Folha on line, 12/10/2012

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