Eric Hobsbawm
Tempo de eleições, de longas filas de cidadãos de todas as
ideologias, credos e classes à espera do cumprimento do dever de
escolher seus líderes e representantes. Antes de ser assaltado pela
incredulidade, lembrei-me de Eric Hobsbawm, o mais erudito historiador
político e social do nosso tempo: “Se a massa de cidadãos tem alguma
importância, então a política precisa ser um processo de mobilização,
mesmo que esta seja simbólica, como no ato de sair de sua própria casa e
ir votar”.
Com a morte de Hobsbawm, na madrugada do primeiro
dia deste outubro, perderam consistência o debate cultural, a crítica e a
busca de conhecimentos sócio-históricos modulados pelo ceticismo. Para
muitos, especialmente seus leitores leigos, foi-se o prazer de ter
acesso à história dos três últimos séculos como uma disciplina dinâmica e
atrelada a particularidades tão díspares como o futebol, o jazz, o
banditismo social, o mundo do trabalho e dos movimentos populares.
Hobsbawm
se diferenciou ao associar à vastidão das descrições históricas
contextos socioeconômicos modernos e temas particulares imersos na vida
cotidiana. Conseguiu a façanha de transformar calhamaços de 600 páginas
de informações em análises originais e palatáveis. O passado visto sob
um olhar flexível, claro e sintético. O passado como base para
compreender o presente e, quiçá, projetar o futuro.
O marxismo,
paixão intelectual que o transformou em leal membro do Partido
Comunista por duas décadas, não evitou que ele próprio admitisse, num
dos humildes arroubos de autocrítica, haver silenciado sobre uma série
de fatos sobre os quais é razoável não ficar em silêncio. Ainda assim -
apesar das acusações de haver contaminado seu trabalho com a ideologia
marxista, e da consciência de que a causa que abraçou se revelara
infrutífera -, não demonstrou arrependimentos. “Se os homens não
cultivam o ideal de um mundo melhor, eles perdem algo. Se o único ideal
dos homens é a busca da felicidade pessoal, por meio do acúmulo de bens
materiais, a humanidade é uma espécie diminuída”.
Arrependimentos
não combinam com ativismo político. Nada há de errado em querer - e
lutar - por um mundo melhor. Problema é acreditar na utopia de um mundo
perfeito. “No entanto, parece-me que a humanidade não poderia funcionar
sem grandes esperanças e paixões absolutas, mesmo quando essas são
derrotadas e torna-se claro que a ação humana não pode eliminar a
infelicidade do mundo”. Sabedoria única de quem vivenciou, analisou e
refletiu sobre os acontecimentos mais decisivos e transformadores dos
últimos 90 anos.
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* Erick Wilson Pereira é doutor em direito constitucional pela PUC-SP.
Fonte: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/10/16/a-perda-da-reflexao-historica/
Imagem da Internet
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