terça-feira, 16 de outubro de 2012

A perda da reflexão histórica

Erick Wilson Pereira* 

  Eric Hobsbawm

Tempo de eleições, de longas filas de cidadãos de todas as ideologias, credos e classes à espera do cumprimento do dever de escolher seus líderes e representantes. Antes de ser assaltado pela incredulidade, lembrei-me de Eric Hobsbawm, o mais erudito historiador político e social do nosso tempo: “Se a massa de cidadãos tem alguma importância, então a política precisa ser um processo de mobilização, mesmo que esta seja simbólica, como no ato de sair de sua própria casa e ir votar”.    

Com a morte de Hobsbawm, na madrugada do primeiro dia deste outubro, perderam consistência o debate cultural, a crítica e a busca de conhecimentos sócio-históricos modulados pelo ceticismo. Para muitos, especialmente seus leitores leigos, foi-se o prazer de ter acesso à história dos três últimos séculos como uma disciplina dinâmica e atrelada a particularidades tão díspares como o futebol, o jazz, o banditismo social, o mundo do trabalho e dos movimentos populares.   

Hobsbawm se diferenciou ao associar à vastidão das descrições históricas contextos socioeconômicos modernos e temas particulares imersos na vida cotidiana. Conseguiu a façanha de transformar calhamaços de 600 páginas de informações em análises originais e palatáveis. O passado visto sob um olhar flexível, claro e sintético. O passado como base para compreender o presente e, quiçá, projetar o futuro.   

O marxismo, paixão intelectual que o transformou em leal membro do Partido Comunista por duas décadas, não evitou que ele próprio admitisse, num dos humildes arroubos de autocrítica, haver silenciado sobre uma série de fatos sobre os quais é razoável não ficar em silêncio. Ainda assim - apesar das acusações de haver contaminado seu trabalho com a ideologia marxista, e da consciência de que a causa que abraçou se revelara infrutífera -, não demonstrou arrependimentos. “Se os homens não cultivam o ideal de um mundo melhor, eles perdem algo. Se o único ideal dos homens é a busca da felicidade pessoal, por meio do acúmulo de bens materiais, a humanidade é uma espécie diminuída”.

Arrependimentos não combinam com ativismo político. Nada há de errado em querer - e lutar - por um mundo melhor. Problema é acreditar na utopia de um mundo perfeito. “No entanto, parece-me que a humanidade não poderia funcionar sem grandes esperanças e paixões absolutas, mesmo quando essas são derrotadas e torna-se claro que a ação humana não pode eliminar a infelicidade do mundo”. Sabedoria única de quem vivenciou, analisou e refletiu sobre os acontecimentos mais decisivos e transformadores dos últimos 90 anos. 
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* Erick Wilson Pereira é doutor em direito constitucional pela PUC-SP. 
Fonte: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/10/16/a-perda-da-reflexao-historica/
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