terça-feira, 16 de outubro de 2012

Um manual para entender o jornalismo Veja

Juremir Machado da Silva*


Nada como um velho filme para explicar “novas” realidades, sabendo-se que a realidade é uma cadela, uma vadia, como pensava Jean Baudrillard, uma construção coletiva que, muitas vezes, é empurrada por ventos individuais capazes de obrigá-la a se contercer para caber numa forma moldada para representar justamente aquilo que nega.

Todo o jornalismo estilo Veja e assemelhados está em “A montanha dos sete abutres”, filme de de Billy Wilder, de 1951.

Quando não se cria o fato, basta aumentá-lo, inflá-lo, hiperdimensioná-lo e fazê-lo render.

Depois, quando algo dá errado, a saída de emergência é sempre a mesma: nós só cobrimos os fatos.

A revista Veja, assim como o seu oposto idêntico, a Carta Capital, nem sempre faz jornalismo.

Cria, sempre que necessário, a realidade que deseja. Evidentemente em nome dos desejos não confessados, ou mesmo não professsados, daqueles que a publicação pensa ou decide representar como porta-voz de si mesma.

A Veja não está só.

Reinaldo Azevedo, seu cavaleiro enfurecido, conta com a parceria de profissionais isentos de opinião imortal: Merval Pereira e Ricardo Noblat também atuam nessaa militância de direita que os afasta imortalmente de jornalistas como Janio de Freitas, Carlos Heitor Cony e até Josias de Souza. Quanto mais rejeitam ideologias, mais afirmam as suas, heroicamente.
Sim, direita e esquerda estão por toda parte, especialmente nos discursos de direita que negam a existência de esquerda e direita para melhor afirmar a supramacia da direita sobre a esquerda, fazendo do direitismo uma neutralidade soberana.

A direita é contra cotas, bolsa-família, ProUni, Estado atuante e por aí vai. Muitas vezes essa rejeição é fruto de uma concepção de mundo intelectualmente crua e nada mais. Outras vezes, no entanto, libera essa raiva do outro, do pobre, do perdedor, do que vai estragar a festa. Até pouco tempo, em certas faculdades públicas, só havia cotas para brancos ricos, aqueles que tinham condições de se preparar para a competição e para acertar respostas, algumas vezes, de questões absolutamente inúteis.

A escolha da questão que seleciona também é um sistema de hierarquia social.

Aos lacerdinhas não interessa a verdade, seja ela qual for, ainda mais quando ela puder alcançá-los.

Interessa atingir a meta.
 
É ideologia pura.

Não lhes interessa apenas ver os larápios condenados, o que todos queremos.

Interessa-lhes o resultado ideológico, o símbolo, o cálculo político. Nesse quesito, está acompanhada pela esquerda.

Mas não pelos franco-atiradores.

A corrupção nem sempre escandaliza os lacerdinhas e os seus oponentes.

Salvo quando pode ser útil ideologicamente.

Quando pode render.

Estou esperando as críticas à absolvição de Duda Mendonça.

O marqueteiro fez o jogo.

Recebeu milhões no exterior, não os declarou, sabia que vinham de fonte ilícita.

Foi aliviado, em parte, até pelo “nosso herói”, Joaquim Barbosa.

Por que mesmo?

Quando uma revista como a Veja trata um juiz, que faz bem o seu trabalho, como herói, hiperdimensionando seu papel, infantiliza o leitor. Joga o leitor para dentro de uma estrutura folhetinesca. Faz da realidade uma história em quadrinhos. Ninguém precisa de heróis. Nem eles existem. Exceto na mitologia midiática da dicotomia entre o bem e o mal.

Billy Wilder mostrou tudo isso no seu clássico com Kirk Douglas no papel de jornalista decadente e cínico.

O Senhor América queria um herói.

O Senhor e a Senhora Brasil também querem.

O brasileiro médio quer novela.

A revista Veja fornece o produto.

Distribui as culpas de acordo com o seu interesse. O corruptor deve pagar muito mais que o corrompido, mesmo que, neste caso, ambos tenham compartilhado o mesmo objetivo, a mesma fraude, a mesma podridão e o mesmo dinheiro.

Direita e esquerda estão abraçadas nos mensalões brasileiros.

ACM Neto, do DEM, chamando o PT de “partido do mensalão”, o que é a mais pura verdade, tem algo de surrealista, como se, de repente, a realidade fizesse uma curva e entrasse numa espiral, consumindo-se numa vertigem de incongruências, num sopro escancarado de verdades como mentiras, de hipocrisias como moralidades, de inversões como reversões de expectativa.

Mesmo que o STF esteja julgando bem, a mídia o está aplaudindo mais por razões ideológicas. O STF, porém, pode fazer mais, pode zerar o jogo, colocar na mesma cela, pelo mesmo tempo, os parceiros de assalto ao poder e aos seus cofres.

O mensalão da esquerda, que comprou a direita, não absolve a direita dos seus cinco séculos de saques aos cofres públicos e ao poder. Os cinco séculos de poder da direita, com algumas minúsculas frestas, não absolvem a esquerda da sua burrice, da sua desonestidade e da sua tentativa de correr mais rápido do que a própria sombra, como um fantasma assombrado por si.

A hora da verdade está aí.

Basta querer enxergá-la em toda a sua complexidade.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Cronista.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=3352

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