Juremir Machado da Silva*
Nada como um velho filme para explicar “novas” realidades, sabendo-se
que a realidade é uma cadela, uma vadia, como pensava Jean Baudrillard,
uma construção coletiva que, muitas vezes, é empurrada por ventos
individuais capazes de obrigá-la a se contercer para caber numa forma
moldada para representar justamente aquilo que nega.
Todo o jornalismo estilo Veja e assemelhados está em “A montanha dos sete abutres”, filme de de Billy Wilder, de 1951.
Quando não se cria o fato, basta aumentá-lo, inflá-lo, hiperdimensioná-lo e fazê-lo render.
Depois, quando algo dá errado, a saída de emergência é sempre a mesma: nós só cobrimos os fatos.
A revista Veja, assim como o seu oposto idêntico, a Carta Capital, nem sempre faz jornalismo.
Cria, sempre que necessário, a realidade que deseja. Evidentemente em
nome dos desejos não confessados, ou mesmo não professsados, daqueles
que a publicação pensa ou decide representar como porta-voz de si mesma.
A Veja não está só.
Reinaldo Azevedo, seu cavaleiro enfurecido, conta com a parceria de
profissionais isentos de opinião imortal: Merval Pereira e Ricardo
Noblat também atuam nessaa militância de direita que os afasta
imortalmente de jornalistas como Janio de Freitas, Carlos Heitor Cony e
até Josias de Souza. Quanto mais rejeitam ideologias, mais afirmam as
suas, heroicamente.
Sim, direita e esquerda estão por toda parte, especialmente nos
discursos de direita que negam a existência de esquerda e direita para
melhor afirmar a supramacia da direita sobre a esquerda, fazendo do
direitismo uma neutralidade soberana.
A direita é contra cotas, bolsa-família, ProUni, Estado atuante e por
aí vai. Muitas vezes essa rejeição é fruto de uma concepção de mundo
intelectualmente crua e nada mais. Outras vezes, no entanto, libera essa
raiva do outro, do pobre, do perdedor, do que vai estragar a festa. Até
pouco tempo, em certas faculdades públicas, só havia cotas para brancos
ricos, aqueles que tinham condições de se preparar para a competição e
para acertar respostas, algumas vezes, de questões absolutamente
inúteis.
A escolha da questão que seleciona também é um sistema de hierarquia social.
Aos lacerdinhas não interessa a verdade, seja ela qual for, ainda mais quando ela puder alcançá-los.
Interessa atingir a meta.
É ideologia pura.
Não lhes interessa apenas ver os larápios condenados, o que todos queremos.
Interessa-lhes o resultado ideológico, o símbolo, o cálculo político. Nesse quesito, está acompanhada pela esquerda.
Mas não pelos franco-atiradores.
A corrupção nem sempre escandaliza os lacerdinhas e os seus oponentes.
Salvo quando pode ser útil ideologicamente.
Quando pode render.
Estou esperando as críticas à absolvição de Duda Mendonça.
O marqueteiro fez o jogo.
Recebeu milhões no exterior, não os declarou, sabia que vinham de fonte ilícita.
Foi aliviado, em parte, até pelo “nosso herói”, Joaquim Barbosa.
Por que mesmo?
Quando uma revista como a Veja trata um juiz, que faz bem o seu
trabalho, como herói, hiperdimensionando seu papel, infantiliza o
leitor. Joga o leitor para dentro de uma estrutura folhetinesca. Faz da
realidade uma história em quadrinhos. Ninguém precisa de heróis. Nem
eles existem. Exceto na mitologia midiática da dicotomia entre o bem e o
mal.
Billy Wilder mostrou tudo isso no seu clássico com Kirk Douglas no papel de jornalista decadente e cínico.
O Senhor América queria um herói.
O Senhor e a Senhora Brasil também querem.
O brasileiro médio quer novela.
A revista Veja fornece o produto.
Distribui as culpas de acordo com o seu interesse. O corruptor deve
pagar muito mais que o corrompido, mesmo que, neste caso, ambos tenham
compartilhado o mesmo objetivo, a mesma fraude, a mesma podridão e o
mesmo dinheiro.
Direita e esquerda estão abraçadas nos mensalões brasileiros.
ACM Neto, do DEM, chamando o PT de “partido do mensalão”, o que é a
mais pura verdade, tem algo de surrealista, como se, de repente, a
realidade fizesse uma curva e entrasse numa espiral, consumindo-se numa
vertigem de incongruências, num sopro escancarado de verdades como
mentiras, de hipocrisias como moralidades, de inversões como reversões
de expectativa.
Mesmo que o STF esteja julgando bem, a mídia o está aplaudindo mais
por razões ideológicas. O STF, porém, pode fazer mais, pode zerar o
jogo, colocar na mesma cela, pelo mesmo tempo, os parceiros de assalto
ao poder e aos seus cofres.
O mensalão da esquerda, que comprou a direita, não absolve a direita
dos seus cinco séculos de saques aos cofres públicos e ao poder. Os
cinco séculos de poder da direita, com algumas minúsculas frestas, não
absolvem a esquerda da sua burrice, da sua desonestidade e da sua
tentativa de correr mais rápido do que a própria sombra, como um
fantasma assombrado por si.
A hora da verdade está aí.
Basta querer enxergá-la em toda a sua complexidade.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Cronista.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=3352
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