Marcelo Gleiser*
O prêmio Nobel de Física de 2012, conferido nesta semana, foi para o
francês Serge Haroche e o americano David Wineland. Ambos são pioneiros
da manipulação de sistemas quânticos, o mundo dos átomos, elétrons e
outras partículas.
As descobertas têm importância tanto para compreensão dos efeitos
bizarros que ocorrem no mundo do muito pequeno quanto para aplicações
práticas, como relógios ultraprecisos e computadores quânticos.
O mundo quântico é extremamente frágil. Um dos maiores problemas da
física quântica é como medi-lo sem interferir nele. Na nossa realidade,
isso é bem mais fácil: você vê uma mosca, sabe onde está e, em
princípio, pode medir sua velocidade: basta dividir a distância que a
mosca percorreu pelo tempo de voo.
Mas, se essa mosca fosse um elétron, a coisa ficaria bem mais difícil.
Quanto mais precisa for a medida da posição do elétron, mais vago o
valor da sua velocidade. Isso porque o ato de medir interfere com o que
está sendo medido: no caso, partículas de luz, os fótons, têm de ser
refletidas no elétron e viajar até um detector.
Para saber melhor onde está o elétron, o fóton precisa ter maior
energia. Com isso, acaba "empurrando" o elétron, interferindo na sua
posição. Com a mosca isso também ocorre, mas os fótons não têm energia
suficiente para empurrá-la.
Essa é a diferença entre o mundo clássico, o nosso mundo, e o mundo
quântico. O desafio é como medir sem interferir, ou ao menos interferir
preservando a natureza quântica dos fenômenos observados.
Haroche conseguiu "prender" fótons entre dois espelhos, fazendo com que
ricocheteassem inúmeras vezes, viajando um total de 40 mil quilômetros
antes de serem perdidos. Isso acaba construindo uma onda estável entre
os dois espelhos, uma superposição coerente dos fótons. Para tal, o
experimento tem de ser extremamente preciso e estável: qualquer
interferência externa destruiria a coerência dos fótons. Esses
"espelhos" foram feitos de material supercondutor e mantidos a
temperaturas baixíssimas.
A informação sobre os fótons foi obtida emitindo átomos de rubídio um a
um para não destruir a coerência dos fótons, um feito incrível. Haroche
tentava reproduzir no laboratório um efeito conhecido como gato de
Schrödinger, explorando a transição entre o mundo quântico e o mundo
clássico.
Schrödinger imaginou que, se um gato estivesse preso numa caixa com um
gás venenoso cuja emissão é controlada por átomos radioativos, um
observador externo não saberia se o gato está morto ou vivo: só abrindo a
caixa, observando o gato, teria uma resposta.
Ou seja, no mundo quântico, o estado do gato seria uma combinação dos
dois, morto e vivo ao mesmo tempo --um estado de coerência quântica. Os
fótons entre os espelhos fazem algo semelhante, uma superposição de dois
estados que sobrevive por um tempo, até ser destruída após a passagem
de vários átomos de rubídio.
Com isso, Haroche pôde estudar a destruição gradativa de um estado
quântico pela primeira vez. Isso poderá ajudar no desenho de novos
computadores que exploram as propriedades do mundo quântico para fazer
cálculos muito mais eficientemente do que os atuais.
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* Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do
Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e
autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos
na versão impressa de "Ciência".
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/1168601-controlando-a-fragilidade-quantica.shtml
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/1168601-controlando-a-fragilidade-quantica.shtml
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