domingo, 14 de outubro de 2012

Nobel a uma espécie ameaçada

 Clóvis Rossi*
 
O Nobel da Paz foi para a União Europeia. Beleza. Trata-se do modelo menos ruim de integração e de sistema de bem-estar social jamais inventado pelo ser humano. "Uma conquista da civilização", definiu-a, certa vez, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Pena que seja hoje uma espécie ameaçada de extinção, o que foi implicitamente reconhecido pelo chefe do comitê que outorga o prêmio. 

Thorbjorn Jagland declarou que o Nobel era "uma mensagem para a Europa manter o que havia sido conseguido (...) e não deixar que o continente entre em desintegração de novo porque esta significaria a emergência do extremismo e do nacionalismo". 

Risco, de resto, apontado na véspera pelo premiê italiano, Mario Monti, para quem a crise econômica e as dificuldades para enfrentá-la provocaram suspeitas mútuas entre os sócios europeus, o que "mina os fundamentos da integração e a simpatia pela ideia europeia". 

Vista da academia, a situação não parece diferente: "Uma Europa que não funciona dificilmente pode ser atraente", escreve para "El País" José Ignacio Torreblanca (Conselho Europeu para Relações Internacionais). 

Que a Europa não está funcionando prova, por exemplo, o número atual de desempregados (18,1 milhões), em um mundo em que a crise deixou 30 milhões de desempregados adicionais, segundo balanço da Organização Internacional do Trabalho. 

Daí surge a tendência centrífuga que se instala na Europa: a Escócia fará em 2014 um referendo para decidir se se separa do Reino Unido; a Catalunha vota no dia 23 de novembro numa espécie de plebiscito pela independência; o partido Nova Aliança Flamenga quer transformar a eleição para prefeito de Antuérpia em uma espécie de referendo sobre a independência da região de Flandres, cindindo a Bélgica (justamente a capital da Europa). 

Bem antes do Nobel, a revista "Foreign Affairs" circulava com artigo de Timothy Garton Ash (Oxford University) que explicava o, digamos, desamor pela ideia de Europa. 

Primeiro, acentuando exatamente os motivos que levaram a conceder o prêmio à União Europeia: "Tanto as memórias da 2ª Guerra Mundial como as exigências da Guerra Fria empurraram três gerações de europeus aos picos de unificação política sem precedentes na história europeia e inigualada em qualquer outro continente". 

Mas, continua, "agora, com a presente crise ainda não resolvida, a Europa carece das forças motivadoras que antes a impulsionaram para a unidade". 

Tomara que a "mensagem" que o comitê do Nobel quis dar, no sentido de preservação do projeto europeu, seja recebida e devidamente entendida. 

Parece evidente que a desintegração, mesmo parcial, não beneficia ninguém, nem os países em crise que não se livrarão dela fugindo do projeto, nem os países credores, como é o caso da Alemanha, que lucraram enormemente com a União Europeia. 

O grande problema é que solidariedade, o ingrediente mais necessário para que a "mensagem" seja bem aceita, está em falta, ante as desconfianças mútuas que o italiano Mario Monti apontou corretamente. 
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*  Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às sextas no site.
Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/1168926-nobel-a-uma-especie-ameacada.shtml

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