Clóvis Rossi*
O Nobel da Paz foi para a União Europeia. Beleza. Trata-se do modelo
menos ruim de integração e de sistema de bem-estar social jamais
inventado pelo ser humano. "Uma conquista da civilização", definiu-a,
certa vez, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Pena que seja hoje uma espécie ameaçada de extinção, o que foi
implicitamente reconhecido pelo chefe do comitê que outorga o prêmio.
Thorbjorn Jagland declarou que o Nobel era "uma mensagem para a Europa
manter o que havia sido conseguido (...) e não deixar que o continente
entre em desintegração de novo porque esta significaria a emergência do
extremismo e do nacionalismo".
Risco, de resto, apontado na véspera pelo premiê italiano, Mario Monti,
para quem a crise econômica e as dificuldades para enfrentá-la
provocaram suspeitas mútuas entre os sócios europeus, o que "mina os
fundamentos da integração e a simpatia pela ideia europeia".
Vista da academia, a situação não parece diferente: "Uma Europa que não
funciona dificilmente pode ser atraente", escreve para "El País" José
Ignacio Torreblanca (Conselho Europeu para Relações Internacionais).
Que a Europa não está funcionando prova, por exemplo, o número atual de
desempregados (18,1 milhões), em um mundo em que a crise deixou 30
milhões de desempregados adicionais, segundo balanço da Organização
Internacional do Trabalho.
Daí surge a tendência centrífuga que se instala na Europa: a Escócia
fará em 2014 um referendo para decidir se se separa do Reino Unido; a
Catalunha vota no dia 23 de novembro numa espécie de plebiscito pela
independência; o partido Nova Aliança Flamenga quer transformar a
eleição para prefeito de Antuérpia em uma espécie de referendo sobre a
independência da região de Flandres, cindindo a Bélgica (justamente a
capital da Europa).
Bem antes do Nobel, a revista "Foreign Affairs" circulava com artigo de
Timothy Garton Ash (Oxford University) que explicava o, digamos, desamor
pela ideia de Europa.
Primeiro, acentuando exatamente os motivos que levaram a conceder o
prêmio à União Europeia: "Tanto as memórias da 2ª Guerra Mundial como as
exigências da Guerra Fria empurraram três gerações de europeus aos
picos de unificação política sem precedentes na história europeia e
inigualada em qualquer outro continente".
Mas, continua, "agora, com a presente crise ainda não resolvida, a
Europa carece das forças motivadoras que antes a impulsionaram para a
unidade".
Tomara que a "mensagem" que o comitê do Nobel quis dar, no sentido de
preservação do projeto europeu, seja recebida e devidamente entendida.
Parece evidente que a desintegração, mesmo parcial, não beneficia
ninguém, nem os países em crise que não se livrarão dela fugindo do
projeto, nem os países credores, como é o caso da Alemanha, que lucraram
enormemente com a União Europeia.
O grande problema é que solidariedade, o ingrediente mais necessário
para que a "mensagem" seja bem aceita, está em falta, ante as
desconfianças mútuas que o italiano Mario Monti apontou corretamente.
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* Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha,
ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un
Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e
domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado
Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às
terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às
sextas no site.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/1168926-nobel-a-uma-especie-ameacada.shtml
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