Lúcia Guimarães*
"O que a democracia requer é debate público, não informação."Christopher Lasch
NOVA YORK - Vou desligar a secretária eletrônica, emudecer o celular e
não atendo o interfone do porteiro noturno, que combate o tédio com a
minha biblioteca. De 10 às 11 e meia da noite de quarta-feira, hora de
Brasília, o primeiro e mais importante debate desta campanha
presidencial vai monopolizar a nossa atenção. A cobertura da imprensa,
alimentada pela máquina publicitária dos dois lados, trata a aproximação
do encontro entre Barack Obama e Mitt Romney, em Denver, quarta-feira,
num tom que lembra a véspera da luta entre Muhammad Ali e George
Foreman, em 1975. Os argumentos dos candidatos estão sendo pesados, seus
golpes previstos e o sparring verbal de cada um, na maratona de
treinos, foi objeto de inúmeras reportagens.
No ensaio Jornalismo, Publicidade e a Arte Perdida do Argumento,
publicado em 1990, o historiador Christopher Lasch afirmou que a
preocupação do jornalismo americano com a pureza da objetividade era um
desserviço à informação. Lasch morreu em 1994, ano em que Newt Gingrich
liderou uma vitória eleitoral republicana e transformou a paisagem
política com sua oratória moralista que teve grande sucesso em colar nos
democratas adjetivos como "sujo" e "adúltero".
Lasch, autor do clássico A Cultura do Narcisismo, não
defendia a polarização tragicômica que se vê hoje na mídia, nem o
desprezo por fatos expressado por Karl Rove, ex-assessor de George W.
Bush, que se referiu aos jornalistas como "a comunidade que se baseia na
realidade".
Mas Lasch antecipou o declínio do debate público num contexto em que
fatos viram munição ideológica. Numa tentativa de baixar as expectativas
com seu desempenho, o mal-amado Romney disse que não há dúvida que
Barack Obama é um homem muito eloquente. Tradução: ele pode mentir
melhor.
O sedativo telejornal da rede pública americana ofereceu um momento
de frisson no segmento habitual da sexta-feira, conhecido como Shields
and Brooks. Um velho jornalista simpatizante democrata, Mark Shields,
analisa a semana política com David Brooks, o colunista conservador do New York Times,
mas o diálogo entre os dois não costuma exibir grandes rachaduras. Na
sexta passada, a âncora perguntou a ambos como se explicava a nova
vantagem de Barack Obama nas pesquisas. Shields, ofereceu sua teoria:
"Mitt Romney é o primeiro candidato dos últimos 35 anos que, onde
quer que faça campanha, piora. Acho que este é o seu problema real.
Quanto mais o público vê Romney, menos gosta dele".
A câmera cortou para a âncora perplexa e um derrotado David Brooks balbuciou seu acordo com o argumento.
Agora, caro leitor, vamos dar um pulinho a Staten Island, a menos querida das cinco regiões que formam Nova York. A revista Atlantic Monthly
foi lá primeiro e relata o que chama de a revolução da escrita. Na
escola New Dorp, que já foi típica da tragédia da educação pública para
os menos favorecidos neste país, 80% dos alunos se formaram sem repetir o
ano letivo, em junho passado. Como a escola chegou lá, sem que a
composição demográfica dos alunos tenha mudado? Os mesmos 40% que vêm de
famílias pobres - um terço hispânicos, 12% negros - são obrigados a
escrever. O programa, que vai começar a ser imitado em outros Estados,
poderia ser útil em escolas de jornalismo.
Um aluno de 8, 10, ou 15 anos na New Dorp, não escreve redações sobre
o que sente, quer ser quando crescer ou o que fez nas férias. É
obrigado a articular seus pensamentos em argumentos coerentes, compor
pequenos ensaios que sejam persuasivos sobre as ideias que defende. E
isto não se aplica apenas à aula de inglês. Os alunos saem de New Dorp
tendo escrito sobre história e ciência. Enfim, prontos para debater e
defender a democracia, como queria Christopher Lasch.
Quem sabe, se algum graduado de New Dorp se tornar jornalista, vai
combater o narcisismo, a doença infantil do bloguismo. E vai poupar seus
leitores da egomania de parte do jornalismo digital. Sua ideia de unir o
universal ao particular não será blogar sobre um evento mundial
inserindo comentários sobre o cachorro quente que comeu durante dito
evento. A não ser, é claro, que o vendedor do cachorro quente seja um
desempregado que atenda pelo nome de Mahmoud Ahmadinejad.
Até quarta-feira e prometo não blogar sobre o corgi adorável que vai assistir ao debate comigo.
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*Jornalista
Fonte: http://www.estadao.com.br/01/10/2012
Imagem da Interneet
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