Carlos Alberto Di Franco*
Gay Talese, um dos fundadores do New Journalism (Novo
Jornalismo) - uma maneira de descrever a realidade com o cuidado, o
talento e a beleza literária de quem escreve um romance -, é um crítico
do jornalismo sem alma e sem graça. Seu desapontamento com a qualidade
de certa mídia pode parecer radical e ultrapassada. Mas não é. Na
verdade, Talese é um enamorado do jornalismo de qualidade. E a boa
informação, independentemente da plataforma de veiculação, reclama
competência, rigor e paixão.
Segundo Talese, a crise do jornalismo está intimamente relacionada
com o declínio da reportagem clássica. "Acho que o jornalismo, e não o
Times, está sendo ameaçado pela internet", pondera. "E o principal
motivo é que a internet faz o trabalho de um jornalista parecer fácil.
Quando você liga o laptop na sua cozinha, ou em qualquer lugar, tem a
sensação de que está conectado com o mundo. Em Pequim, Barcelona ou Nova
York... Todos estão olhando para uma tela de alguns centímetros. Pensam
que são jornalistas, mas estão ali sentados, e não na rua. O mundo
deles está dentro de uma sala, a cabeça está numa pequena tela, e esse é
o seu universo. Quando querem saber algo, perguntam ao Google. Estão
comprometidos apenas com as perguntas que fazem. Não se chocam
acidentalmente com nada que estimule a pensar ou a imaginar. Às vezes,
em nossa profissão, você não precisa fazer perguntas. Basta ir às ruas e
olhar as pessoas. É aí que você descobre a vida como ela realmente é
vivida."
A crítica de Gay Talese é um diagnóstico certeiro da crise do
jornalismo. Os jornais perdem leitores em todo o mundo. Multiplicam-se
as tentativas de interpretação do fenômeno. Seminários, encontros e
relatórios, no exterior e aqui, procuram, incessantemente, bodes
expiatórios. Televisão e internet são, de longe, os principais vilões
apontados. Será?
É evidente que a juventude de hoje lê muito menos. No entanto, como
explicar o estrondoso sucesso editorial do épico O Senhor dos Anéis e
das aventuras de Harry Potter? Os jovens não consomem jornais, mas não
se privam da leitura de obras alentadas. O recado é muito claro: a
juventude não se entusiasma com o produto que estamos oferecendo. O
problema, portanto, está em nós, na nossa incapacidade de dialogar com o
jovem real.
Mas não é somente a juventude que foge dos jornais. A chamada elite -
as classes A e B - também tem aumentado a fileira dos desencantados.
Será inviável conquistar toda essa gente para o mágico mundo do
jornalismo? Creio que não. O que falta, estou certo, é ousadia e
qualidade.
Os jornais, equivocadamente, pensam que são meios de comunicação de
massa. E não são. Daí derivam erros fatais: a inútil imitação da
televisão, a incapacidade de dialogar com a geração dos blogs e dos
videogames e o alinhamento acrítico com os modismos politicamente
corretos. Esqueceram-se de que os diários de sucesso são aqueles que
sabem que o seu público, independentemente da faixa etária, é
constituído por uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de produtos
de qualidade.
Num momento de ênfase no didatismo e na prestação de serviços -
estratégias úteis e necessárias -, defendo a urgente necessidade de
complicar as pautas. O leitor que precisamos conquistar não quer o que
pode conseguir na TV ou na internet. Ele quer qualidade informativa: o
texto elegante, a matéria aprofundada, a análise que o ajude,
efetivamente, a tomar decisões. Quer também mais rigor e menos
alinhamento com unanimidades ideológicas.
A fórmula de Talese demanda forte qualificação profissional. "A minha
concepção de jornalismo sempre foi a mesma. É descobrir as histórias
que valem a pena ser contadas. O que é fora dos padrões e, portanto,
desconhecido. E apresentar essa história de uma forma que nenhum
blogueiro faz. A notícia tem de ser escrita como ficção, algo para ser
lido com prazer. Jornalistas têm de escrever tão bem quanto
romancistas." Eis um magnífico roteiro e um formidável desafio para a
conquista de novos leitores: garra, elegância, rigor, relevância.
O nosso problema, ao menos no Brasil, não é de falta de mercado, mas
de capacidade de conquistar uma multidão de novos leitores. Ninguém
resiste à matéria inteligente e criativa. Em minhas experiências de
consultoria, aqui e lá fora, tenho visto uma florada de novos leitores
em terreno aparentemente árido e pedregoso.
O problema não está na concorrência dos outros meios, embora ela
exista e não deva ser subestimada, mas na nossa incapacidade de
surpreender e emocionar o leitor. Os jornais, prisioneiros das regras
ditadas pelo marketing, estão parecidos, previsíveis e,
consequentemente, chatos.
A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo
analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso
encantar o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo
declaratório. Menos Brasil oficial e mais vida. Menos aspas e mais
apuração. Menos frivolidade e mais consistência.
Além disso, os leitores estão cansados do baixo-astral da imprensa
brasileira. A ótica jornalística é e deve ser fiscalizadora. Mas é
preciso reservar espaço para a boa notícia. Ela também existe. E vende
jornal. O leitor que aplaude a denúncia verdadeira é o mesmo que se
irrita com o catastrofismo que domina muitas de nossas pautas.
Perdemos a capacidade de sonhar e a coragem de investir em pautas
criativas. É hora de proceder às oportunas retificações de rumo. Há
espaço, e muito, para o jornalismo de qualidade. Basta cuidar do
conteúdo. E redescobrir uma verdade constantemente negligenciada: o bom
jornalismo é sempre um trabalho de garimpagem.
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* DOUTOR EM COMUNICAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DA NAVARRA. É
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO DO INSTITUTO NACIONAL DE CIÊNCIAS
SOCIAIS (IICS)
E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR
E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR
Fonte: Estadão on line, 01/10/2012
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