MARTHA MEDEIROS*
De repente, em função de dois acontecimentos recentes
(a morte da esfuziante Hebe Camargo e o ataque inesperado de uma
eleitora ao candidato José Serra, em São Paulo), o selinho ganhou um
protagonismo até então inédito. Já não era sem tempo. Com tanta gente
cultuando o beijo profundo e apaixonado, aquele de fazer as órbitas
revirarem dentro dos olhos, o selinho vem a público reclamar: eu também
existo.
O selinho é inocente, já nasceu absolvido pela sociedade. Mas não custa ficar atento. Lembro de um namorado, lá no início dos anos 80, que era muito moderninho, tinha várias amigas descoladas que faziam teatro, e ao encontrá-las na noite salpicava seus selinhos na maior pureza – curiosamente, só nas bonitas. Hum. No começo, eu fingia que achava muito natural. Depois, abri o jogo, falei que sentia ciúme. Ele então veio com aquele discurso paz e amor, típico da era de Aquarius, sobre cultivar a harmonia entre os seres, abrir-se para as revelações místicas, libertar a mente, let the sunshine in e outras embromações, e foi então que fiz de conta que seu papo lisérgico havia me convencido – ora, eu também cumprimentaria meus amigos com selinhos. Só os bonitos, claro. Foi então que ele repentinamente teve a sua revelação mística e parou de vez com a distribuição de bitocas. Dali por diante, foram longos anos de harmonia e salutar caretice.
A importância que dou ao selinho vem de um episódio distante da minha biografia. Na saída do colégio, ao final de uma manhã, um rápido roçar de lábios ganhou o título honroso de “meu primeiro beijo”. Um selinho, um só, e foi o que bastou para que eu voltasse para a casa levitando por vários quarteirões. Passei a tarde me olhando no espelho para ver se eu estava diferente, se alguém notaria minha transformação de menina para mulher – eu devia ter o que, uns 14? Do primeiro beijo pra valer não lembro nada, mas esse selinho continua mantendo seu lugar no pódio entre os momentos mais adoráveis e femininos da minha adolescência. Diante disso, como não levar essa modalidade de carinho a sério?
A foto de Silvio Santos dando o último selinho na Hebe, dentro do caixão, é uma imagem terna e eterna. As redes sociais já se mobilizaram para fazer do dia 29 de setembro o Dia do Selinho, que não vai pegar, claro, a não ser que vire feriado, a única coisa que respeitamos. Tudo continuará como antes. O selinho será para sempre um gesto de afeto assexuado. É uma beliscadinha oral, um atrevimentozinho entre amigos, uma brincadeirinha entre adultos, uma provocaçãozinha, um beijo no diminutivo: singelinho, rapidinho, malandrinho.
Mas por mais que se esforce em parecer casual, terá para sempre seus significados secretos. O selinho será para sempre um gesto de amor assexuado.
O selinho é inocente, já nasceu absolvido pela sociedade. Mas não custa ficar atento. Lembro de um namorado, lá no início dos anos 80, que era muito moderninho, tinha várias amigas descoladas que faziam teatro, e ao encontrá-las na noite salpicava seus selinhos na maior pureza – curiosamente, só nas bonitas. Hum. No começo, eu fingia que achava muito natural. Depois, abri o jogo, falei que sentia ciúme. Ele então veio com aquele discurso paz e amor, típico da era de Aquarius, sobre cultivar a harmonia entre os seres, abrir-se para as revelações místicas, libertar a mente, let the sunshine in e outras embromações, e foi então que fiz de conta que seu papo lisérgico havia me convencido – ora, eu também cumprimentaria meus amigos com selinhos. Só os bonitos, claro. Foi então que ele repentinamente teve a sua revelação mística e parou de vez com a distribuição de bitocas. Dali por diante, foram longos anos de harmonia e salutar caretice.
A importância que dou ao selinho vem de um episódio distante da minha biografia. Na saída do colégio, ao final de uma manhã, um rápido roçar de lábios ganhou o título honroso de “meu primeiro beijo”. Um selinho, um só, e foi o que bastou para que eu voltasse para a casa levitando por vários quarteirões. Passei a tarde me olhando no espelho para ver se eu estava diferente, se alguém notaria minha transformação de menina para mulher – eu devia ter o que, uns 14? Do primeiro beijo pra valer não lembro nada, mas esse selinho continua mantendo seu lugar no pódio entre os momentos mais adoráveis e femininos da minha adolescência. Diante disso, como não levar essa modalidade de carinho a sério?
A foto de Silvio Santos dando o último selinho na Hebe, dentro do caixão, é uma imagem terna e eterna. As redes sociais já se mobilizaram para fazer do dia 29 de setembro o Dia do Selinho, que não vai pegar, claro, a não ser que vire feriado, a única coisa que respeitamos. Tudo continuará como antes. O selinho será para sempre um gesto de afeto assexuado. É uma beliscadinha oral, um atrevimentozinho entre amigos, uma brincadeirinha entre adultos, uma provocaçãozinha, um beijo no diminutivo: singelinho, rapidinho, malandrinho.
Mas por mais que se esforce em parecer casual, terá para sempre seus significados secretos. O selinho será para sempre um gesto de amor assexuado.
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* Jornalista. Escritora. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 03/10/2012
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