José Eustáquio Diniz Alves*
A cornucópia é um símbolo da mitologia grega que representa a
fertilidade e a abundância. É uma espécie de fonte natural que fornece
gratuitamente e ilimitadamente todos os bens necessários às expectativas
humanas. Algo próximo do paraíso.
A cornucópia faz parte dos sonhos dos hiper otimistas que acreditam
que o crescimento econômico pode ocorrer de maneira infinita e sem
restrições do meio ambiente. Faz parte também dos sonhos dos políticos
que acham que podem prometer mundos e fundos para seus eleitores, pois
com “vontade política” seria possível alimentar quantas pessoas fossem
necessárias, assim como fornecer casas, aparelhos eletro-domésticos,
carros, lazer, etc.
Na mitologia grega, a cornucópia era representada por um vaso em
forma de chifre, com uma enorme abundância de frutas e flores
transbordando em torno dele. Na era moderna, a Cornucópia é representada
pela mistificação da racionalidade humana e da tecnologia.
Os autores Peter Diamandis e Steven Kotler, no livro “Abundance – The
Future Is Better Than You Think” (Abundância – o futuro é melhor do que
você pensa), de 2012, tratam a tecnologia como uma panacéia capaz de
fazer brotar a abundância, manter o crescimento exponencial e
democratizar o bem estar. Para eles, um guerreiro Masai, do Quênia,
dispõe hoje em dia de mais informação, pelo Google, ou pelo celular, do
que o presidente dos Estados Unidos há 15 anos (Só faltou perguntar o
que o guerreiro Masai vai fazer com tanta informação?).
O estado de fartura universal até 2040, previsto no livro Abundance,
considera que todas as pessoas do mundo teriam acesso aos direitos
básicos de alimentação, energia de baixo custo e mínimo impacto
ambiental. Todos os seres humanos viveriam em democracias plenas, graças
a 3 vetores de forças: 1) devido a filantropia e ao crescimento de
doações generosas dos chamados tecnofilantropos multibilionários (como
Bill Gates e outros) que estão investindo em inovação?e transparência,
com foco global; 2) devido ao empreendedorimo schumpeteriano de
indivíduos e pequenos grupos capazes de brincar com genética e
desenvolver engenhocas no fundo do quintal, disponibilizando suas
descobertas na world web; 3) devido ao crescimento da classe média
mundial que estaria incorporando as pessoas extremamente pobres e
famintas (cerca de 1 bilhão de habitantes do mundo que estão em situação
de insegurança alimentar e ganham menos de US$ 1,25 por dia) ampliando o
universo de riqueza potencial, devido, principalmente, à tecnologia.
Não é piada, mas Diamandis e Kotler acreditam (ou vendem a mensagem)
que qualquer pessoa em situação de exclusão social, mas que tenha um
telefone conectado à Internet (seja um guerreiro Masai ou um caboclo
nordestino) pode receber uma educação universitária e usufruir a
abundância da Cornucópia moderna. Desta forma, como a tecnologia está
disponível em aparelhos baratos, bastaria o esforço pessoal dos
abnegados do mundo para se chegar ao paraíso do consumo, pois os
conflitos sociais e os entreveros nacionais devem ser superados por meio
da filantropia de meia dúzia de multibilionários de wall street e do
vale do silício. Assim, ao invés de repetir os ideólogos do capitalismo
que propunham a redução da pobreza por meio da participacão dos
operários nos lucros das empresas, agora surge a alternativa milagrosa
de acabar com a pobreza mundial por meio da caridade digital. É como se
um diploma universitário e a educação à distância fossem capazes de
resolver os problemas do mundo, como uma panaceia.
Outro autor que busca atualizar o mito da cornucópia no mundo moderno
é o britânico Matt Ridley que escreveu o livro: “The Rational Optimist:
How Prosperity Evolves” (O otimista racional: como a prosperidade
evolui), de 2010. Matt Ridley defende a idéia de que o ser humano está
evoluindo nos últimos 10.000 anos, conseguindo, mesmo que de forma
irregular, tudo que uma pessoa poderia querer ou precisar: calorias,
vitaminas, água limpa, máquinas, privacidade, meios de viajar mais
rápido, capacidade de se comunicar a longas distâncias, etc.
Em agosto 2012, Matt Ridley escreveu o artigo “Apocalypse Not” na
Wired Magazine, criticando as supostas visões catastrofistas dos
ambientalistas e defendendo idéias cornucopianas. Partindo da crítica ao
que ele chama de visões eco-apocalípticas, argumenta que a tecnologia
pode aumentar a produção de alimentos de forma complementar aos
biocombustíveis. Com a produção agrícola geneticamente modificada,
segundo ele, os agricultores podem ficar mais ricos e com maior proteção
às temperaturas extremas. Se os engenheiros conseguirem fazer a fusão
nucleares o problema de energia será resolvido ao mesmo tempo que se
reduzirá as emissões de carbono. A produção de gás ao substituir o
carvão também poderá reduzir as emissões de carbono. Ridley conclama a
humanidade a enfrentar as ameaças ecológicas do futuro inovando e
aplicando novos conhecimentos e novas tecnologias. Segundo ele, foi
assim que a humanidade evoluiu nos últimos dez mil anos.
De fato, o ser humano apresentou grande progresso ao longo da
história, em especial, nos ultimos 100 anos. A esperança de vida da
população mundial estava abaixo de 30 anos em 1900 e chegou a cerca de
70 anos em 2012. Realmente já existem cerca de 6 bilhões de habitantes
com acesso à água potável, à energia elétrica e ao telefone (fixo e
celular). Também houve uma ampliação da democracia do mundo. Mas tudo
isto só foi possível devido ao uso generalizado dos combustíveis fósseis
que funcionou como uma cornucópia que possibilitou a multiplicação dos
alimentos e dos inúmeros bens de consumo baratos.
Porém, o pico do petróleo se aproxima e a economia internacional já
tem desacelerado e está tendo de enfrentar os problemas do endividamento
e do envelhecimento populacional (especialmente nos países
desenvolvidos). Países como o Japão já enfrentam 20 anos de estagnação,
sendo que em 2012 houve até uma pequena redução do alto nível de
esperança de vida. A atual crise europeia tem sido a prova mais cabal da
impossibilidade de um crescimento econômico infinito. Países como
Grécia, Portugal e Espanha, todos com alta proporção de pessoas com
diploma universitário, estão reduzindo os seus níveis de abundância e
piorando o padrão de vida, especialmente das jovens gerações.
Desta forma, é preciso lembrar que a economia é parte do ecosistema e
quase todo o progresso humano aconteceu às custas do regresso
ambiental. A humanidade evoluiu destruindo o capital natural. Houve
redução da cobertura vegetal e das florestas, desertificação, poluição
dos rios e lagos, acidificação dos oceanos, depleção das fontes de água
limpa, super exploração dos aquíferos, congestionamento nas grandes
cidades, segregação social e espacial, redução da biodiversidade e dos
estoques de peixes, além do aquecimento global e da mudanças climáticas
extremas que têm provocados grandes desastres e ondas de refugiados do
clima.
Portanto, a humanidade precisa superar a era dos combustíveis
fósseis, aprender a produzir novas formas de energia de baixo carbono,
garantir o cultivo de alimentos de forma orgânica e sustentável (com
redução dos agrotóxicos), construir cidades habitáveis, erradicar a
pobreza, reduzir as desigualdades, chegar à fecundidade abaixo do nível
de reposição e gerenciar o patrimônio global dos oceanos, da
biodiversidade e da atmosfera. Mas não será com falsas ilusões
cornucopianas que vamos achar o caminho para mudar o atual modelo de
produção e consumo. As conquistas humanas dos últimos 100 anos podem
estar sendo colocadas em xeque pelas constantes agressões ao meio
ambiente. A natureza é rica, mas não é infinita.
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* José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor
titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da
Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus
pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: http://www.ecodebate.com.br/2012/10/03/o-mito-da-cornucopia-e-os-cornucopianos-modernos-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Muito boa a exposição, ajudou-me bastante a entender tal conceito. Obrigado.
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