quinta-feira, 31 de março de 2016

Política do narcisismo perverso

Marcus Ianoni*
 
 
Se concretizada, a aventura inconsequente do impeachment, mais provável agora devido ao aprofundamento do desembarque do PMDB da coalizão de governo, será a completude da farsa narcísica que embala o comportamento político da elite rica e liberal-conservadora na crise brasileira. No narcisismo perverso, a face explícita, o falso-eu, é um simulacro de perfeição, a máscara que oculta o verdadeiro-eu, vazio em conteúdo ético e beleza psíquica, retendo apenas, devido às sequelas da ferida originária estruturalmente destrutiva, baixa-estima, inveja e ódio. Mas, incapaz de lidar com suas dores, temores e impotência, o narcisista lança-se, pelo pensamento mágico, ao reino subjetivo da superioridade, poder e controle, partindo para ações, sem limites morais, que buscam iludir a si mesmo e aos outros de que possui perfeita natureza. A sinergia entre veredas principais da Operação Lava Jato, histeria coletiva – embora principalmente seletiva – contra a corrupção e sede de impeachment das forças de oposição pode ser iluminada reportando-se ao narcisismo perverso da minoritária elite rica, força social motriz e vanguarda política do ódio contra Dilma, Lula e o PT.

Apesar dos avanços internacionalmente reconhecidos no combate à miséria extrema e na queda da desigualdade na distribuição de renda, ainda que em ritmo lento, ocorridos desde o primeiro governo Lula, o Brasil ainda é muito injusto socialmente. No Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade (IDHAD), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, calculado a partir de 2010 com uma metodologia diferente em relação ao IDH tradicional, enquanto a média da América Latina é de 0,570, a pontuação do Brasil é 0,557, ou seja, inferior. Os governos petistas, até 2014, priorizaram o combate a essa realidade trágica, em um país campeão em concentração de renda, onde o 1% mais rico embolsou, em 2013, o inigualável 27% da renda nacional, segundo estudo de Marc Morgan Milá, orientado por Thomas Piketty, na Escola de Economia de Paris. E segundo dados do IBGE referentes a 2013, os 10% mais ricos detinham 41,7% da renda familiar per capita nacional.

Como argumentou o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, a “preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres”, de governos de centro-esquerda, que procuraram manter seu compromisso sociopolítico com os de baixo, foi colocada em xeque, na primeira oportunidade – ensejada já no governo Dilma 1, devido ao crescimento baixo, inflação e escândalos de corrupção –, por um ódio coletivo da classe alta, algo inédito no Brasil, não à toa emergido em um momento histórico ímpar da democracia brasileira. Esse ódio é a fúria narcísica, invejosa, que está sempre cobiçosamente prestes a projetar seu próprio fracasso no outro; vingança oportunista e política e economicamente desastrosa do egoísmo-mor contra o partido político que, no governo, ousou, em alguma medida, não reproduzir, por meio das políticas públicas, as relações sociais à imagem e semelhança do falso-eu narcisista dos ricos, alucinadamente perfeito, mas, na verdade, apenas na construção da ordem social oligárquica e na acumulação capitalista selvagem.

Como podem governos de esquerda, justamente na pátria do autoritarismo social mantenedor das desigualdades, ousarem dificultar o secular vampirismo narcisista da elite rica (e com complexo de vira-latas) sobre os pobres, pelos quais não nutre nenhuma empatia, considerando-os apenas meros objetos a seu dispor? Como essa “raça” pode ter regulamentado o trabalho doméstico se sua condição de contratação precária era um direito adquirido dos tempos da escravidão? Como pode o populacho, ao invés de prosseguir reverenciando barões e madames, ingressar nas universidades públicas frequentadas pelos filhos da elite e começar a embarcar em aviões, meio de transporte até então exclusivo dos privilegiados? Como a plebe pode envolver-se com irregularidades no financiamento empresarial de campanhas eleitorais se esse artifício era até então de propriedade dos partidos da preservação da ordem desigual? Como pode essa “horda de comunistas” – segundo a invenção da paranoia narcisista, que projeta de modo invertido seu espírito capitalista selvagem – lograr que o STF tenha proibido o financiamento eleitoral empresarial, imensa fonte dos crimes de corrupção ativa e passiva identificados na Operação Lavo Jato? Que coerência há na iniciativa das forças político-partidárias, a começar pelo PSDB, defensoras com unhas e dentes da fonte empresarial de fundos eleitorais – cronicamente contabilizados no caixa dois e derivados de barganhas em contratação de obras públicas e compras e vendas governamentais e das estatais (de nafta para a Braskem, por exemplo) – recorrerem ao TSE para tentar impugnar a prestação de contas da campanha presidencial de Dilma? Ora, petralhas, vocês só podem fazer o que os coxinhas, avalistas do sistema político plutocrático, permitem que seja feito, mas não o que eles fazem por prerrogativa oligárquica!

O desempenho positivo dos governos Lula na economia propiciou que uma parcela da elite rica valorizasse o presidente, mas apenas circunstancialmente, pois a inevitável desvalorização e descarte do ciclo narcisista não tardou a chegar com Dilma, que desafiou o rentismo e não propiciou suprimentos narcísicos suficientes para entorpecer a frustação da burguesia semiperiférica com o país que ela tem, expressão aterrorizante de seu verdadeiro-eu, de baixíssimo teor nacional, pois governado pelo ultra-egoísmo de classe, e consequentemente sem projeto de Brasil melhor. Além disso, como o narcisista odeia intimidade, sobretudo com quem tem certa autonomia em relação à sua voracidade de poder e controle, quatro governos consecutivos encabeçados pelo PT é algo insuportável e ameaçador. Novamente, a democracia brasileira está ameaçada pelo reino da hipocrisia perversa dos ricos, especializada em produzir bodes expiatórios, como fez em 1954 e 1964.

Desde o pedido de condução coercitiva de Lula, a Operação Lava Jato passou a explicitar claramente seu enraizamento no narcisismo perverso da elite rica, que, não por mera coincidência, é onde se situa socialmente o juiz Sergio Moro. Embora empresários de peso tenham sido presos e condenados, o foco maior da grande mídia e da força-tarefa está em Lula, Dilma e no PT, visando arruinar a candidatura do primeiro às eleições de 2018, depor o governo da segunda, não sem antes enfraquecê-lo o quanto possível para facilitar o abate psicopata, e varrer do mapa o maior partido de esquerda.

O vazamento criminoso e politicamente orientado das escutas telefônicas envolvendo Lula e Dilma foi o clímax da estratégia de difamação destruidora típica do narcisismo perverso contra suas vítimas. Recentemente, o vazamento obscuro da lista, assumidamente não divulgada pelo Jornal Nacional, com 316 políticos de 24 partidos que receberam contribuições eleitorais da Odebrecht, cuja maioria defende o impeachment, seguido pela decisão de Moro sobre seu sigilo, mostra a farsa da oposição sociopolítica e parlamentar, que está à caça de um bode expiatório, a presidente Dilma. Segundo se desenha, após o almejado impeachment, o próximo passo seria esvaziar a Lava Jato, dela protegendo os políticos interessados no governo pós-deposição, e a desmobilização dos coxinhas das ruas. Evoca à lembrança o escândalo da parabólica, em 1994, quando o então ministro da Fazenda, a serviço do conservadorismo-liberal, afirmou: "Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde".

A fúria narcísica das elites ricas e de seus pares nas instituições públicas é destrutiva, mas a reação das forças politicamente saudáveis da sociedade civil veio vigorosa nas manifestações do dia 18, motivadas pelo pedido de prisão preventiva de Lula e pelo veto provisório do STF à sua posse na Casa Civil, e prossegue até hoje com diversos posicionamentos de juristas, jornalistas da imprensa nacional e internacional, intelectuais e artistas, movimentos sociais, enfim, em defesa das instituições do Estado Democrático de Direito. Reação salutar contra a política de terra arrasada do narcisismo perverso, que afunda a economia e violenta a democracia, cujo centro nevrálgico é a vingança da minoria rica contra o governo que se preocupou com os pobres.

Não se trata de aprovar a política econômica dos dois mandatos de Dilma, muito menos a corrupção, endêmica ao capitalismo e moeda corrente nas relações entre Estado e grupos empresariais no Brasil, onde também está muito próxima do arraigado clientelismo no sistema político. Mas juízes, procuradores e policiais federais instrumentalizarem politicamente o combate à corrupção e violarem direitos civis, organizações de mídia promoverem um imenso bullying contra um partido e suas lideranças, cidadãos colocarem dedo em riste na cara de quem defende o governo, mesmo não concordando com seus erros, pessoas serem agredidas nas ruas por usarem roupa vermelha e todos os demais tipos de violência, intolerância e ameaças, inclusive contra o ministro Teori Zavascki e sua família, isso tudo é expressão do novo autoritarismo que coloca em risco o desenvolvimento da democracia.

Diante de tantos problemas que o Brasil possui, a começar pela gigantesca desigualdade social, passando pela violência criminosa das polícias militares contra os pobres, por que motivo os holofotes foram colocados na corrupção, sobretudo aquela em que uma parte específica, ainda que a mais importante, de uma coalizão partidária se envolveu, o PT, principal partido governista? Uma explicação, não a única, pode estar na perversão da política, um tema da obra de Maquiavel, a serviço do poder socioeconômico narcisista da elite rica.

“Narciso acha feio tudo que não é espelho”, diz a canção. Para os ricos, pobres e negros são feios. Sim, os ricos, que, além de corromperem agentes públicos, são especialistas em sonegação e evasão fiscal, estão cinicamente liderando a campanha antipetista. Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, a sonegação somou, em 2013, R$ 415 bilhões e R$ 501 bilhões em 2014. Mas a Operação Zelotes da Polícia Federal, que investiga montantes de sonegação de valor maior que o desviado na Lava Jato, envolvendo grandes grupos econômicos nacionais e internacionais, vai sendo levada no banho-maria, a não ser quando se trata de tentar capturar Lula e familiares. Aí, então, a mídia divulga, mas jamais para tornar público, por exemplo, que a RBS, afiliada da Globo no Rio Grande do Sul, é uma das principais investigadas.

Enfim, se confirmada, a autorização de processo de impeachment por pedalada fiscal, com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, será a maldade final da farsa golpista. Mas o custo dessa inconsequência terá nome ou já tem: instabilidade social.
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* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador das relações entre Política e Economia e Visiting Researche Associate da Universidade de Oxford
Fonte: http://www.jb.com.br/marcus-ianoni/noticias/2016/03/29/politica-do-narcisismo-perverso/
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“Para se reinventar, o PT precisa sair do poder”

DANIEL AARÃO REIS
Historiador e pesquisador sobre a esquerda política

Entrevista com Daniel Aarão Reis
Professor do curso de História na Universidade Federal Fluminense (UFF) e estudioso da esquerda

Débora Melo


Com a proximidade da votação do pedido de impeachmentna Câmara, a presidenta Dilma Rousseff negocia com a base as condições para evitar que aliados desembarquem do governo.

Para o historiador Daniel Aarão Reis, que colaborou com a fundação do PT e hoje é crítico ao partido, a cláusula constitucional que permite o impeachmenté “essencialmente antidemocrática”, mas a presidenta precisa esclarecer de que forma pretende continuar conduzindo o País. “A grande questão é a seguinte: Dilma quer se manter no poder para que, exatamente? Ela não está fazendo o tipo de política com a qual se comprometeu no segundo turno. Vai fazer agora?”, questiona.

Em entrevista a CartaCapital, o historiador defende que, diante de um cenário de perda de identidade política, uma “cura de oposição” faria bem ao PT.

Professor do curso de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Aarão Reis afirma que a corrupção está na essência do sistema político e só poderá ser combatida a partir de uma profunda reforma política. “Um mínimo de isenção nos leva a concluir que o nosso sistema político acoberta e incentiva a corrupção em escala industrial”, diz.

Leia a íntegra da entrevista, concedida por e-mail:

CartaCapital: Na sua avaliação, a presidenta Dilma Rousseff tem condições de escapar do impeachment?

Daniel Aarão Reis: Em tese, sim, sobretudo acionando a capacidade de articulação do Lula. Embora desgastado, o homem tem notórias habilidades. Outro aspecto favorável é a divisão do PMDB, com a rivalidade entre Renan [Calheiros – Presidente do Senado] e [Michel] Temer. Recorde-se que, mesmo que a Câmara considere admissível o impeachment, será necessário ter maioria no Senado. Nesta altura, a definição do PMDB parece decisiva. Se rachar, a Dilma mantém chances. Se se colocar como um bloco, as chances do impeachmentcrescem bastante.

CC: Para escapar do afastamento, a presidenta precisa de apoio no Congresso. A forma como o PT conseguiu esse apoio ao longo dos anos foi um dos fatores que nos trouxe à atual condição. Como, então, buscar esse apoio?

D.A.R.: Essa cláusula constitucional de “impedir” um presidente eleito pelo povo por meio do Congresso é essencialmente antidemocrática. A instituição democrática para esses casos é o “recall”, ou seja, você convoca novamente o eleitorado para decidir. Acontece que a cláusula do impeachment pelo Congresso foi usada – e abusada – pelo PT anteriormente. Assim, o PT e o governo estão fragilizados para fazer a defesa da ilegalidade do impeachment.

O PT construiu uma tradição de maiorias obtidas por cargos e favores, quando não, através de meios heterodoxos. Numa situação política crítica como a que vivemos, essas benesses vão perdendo a capacidade de atração, inclusive porque os sucessores de Dilma podem oferecer – e já estão oferecendo – benesses tão ou mais tentadoras.

Já estão transbordando nos jornais as articulações entre Aécio, Serra, Temer e companhia. Dividem cargos e programam um futuro pós-Dilma. Pode ser que tudo volte atrás, pode ser que se aprofunde. Vai depender muito de como agirão os aliados do governo e de como se comportarão as pessoas nas ruas. Com o PMDB não há alianças sólidas. As alianças com o PMDB são "infinitas enquanto duram", enquanto duram os postos e os cargos. São sempre alianças com o governo...

CC: O governo está abalado, entre outras coisas, pela Operação Lava Jato. Ao nomear para a Casa Civil o ex-presidente Lula, que está no foco das investigações, a presidenta não traz a crise ainda mais para o centro do governo?

D.A.R.: Penso que foi muito infeliz a nomeação do Lula. Ele poderia acionar sua capacidade de articulação mesmo sem ser ministro. No limite, se fosse preso, porque a hipótese não podia mesmo ser descartada, sairia como um mártir, tal a arbitrariedade, nas condições atuais, de uma decisão como essa. Dilma e Lula, e os demais dirigentes do PT, às vezes parecem sem a serenidade e o sangue frio que exige a situação crítica atual. As gravações os mostram muito nervosos e tendo comportamentos erráticos. Não são atitudes adequadas para enfrentar os perigos que enfrentam.
ATO DE FUNDAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT):
Colégio Sion - São Paulo (SP), 10 de fevereiro de 1980

CC: Caso Dilma reaja e sobreviva, como o senhor enxerga o futuro do governo? O que a presidenta pode propor, o que ela pode salvar?

D.A.R.: Dilma enfraqueceu-se muito com a guinada à direita que deu logo depois de eleita. Criticou contundentemente os adversários como candidatos de “banqueiros”. Ora, basta ver a sua prestação de contas entregue ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para ver como os bancos e as empreiteiras contribuíram para sua campanha. Por outro lado, escolheu como ministro da Fazenda um grande banqueiro – que acabou não aceitando, indicando o triste Joaquim Levy...

As políticas adotadas por ela configuram um estelionato eleitoral. Trata-se de algo que já vai virando uma tradição na República pós-ditadura: Sarney, Collor e FHC o praticaram alegremente. Mas Dilma, ao reiterar o comportamento, fragilizou-se muito perante suas bases sociais e eleitorais. Imaginou que isso “sossegaria” as oposições. Não surtiu efeito. Assim, ela não conseguiu apoio das elites e perdeu suas bases. Ficou numa situação muito complicada.

Muitos manifestantes contra o impeachmentestão deixando claro que não são pró-Dilma, mas é uma posição também difícil de ser defendida. A grande questão é a seguinte: Dilma quer se manter no poder para que, exatamente? Para fazer que tipo de política? Ela não está fazendo o tipo de política com a qual se comprometeu no segundo turno. Vai fazer agora? Se esse é o caso, precisaria esclarecer. Mas ela manteria o apoio de Sarney e de Renan? É um mato sem cachorro...

CC: Em um eventual impeachment, qual seria o papel do PT como oposição? Ou o PT não seria oposição?

D.A.R.: Bem, se o impeachmentfor aprovado, não parece razoável imaginar o PT apoiando um governo fruto do impeachment. Teria que ir para a oposição, certamente. E isso poderia fazer bem ao partido. Tendo-se lambuzado no poder, como disse o Jacques Wagner, uma “cura de oposição” faria bem ao PT.

Eu diria que, para se reinventar, o PT precisa sair do poder. Como já aconteceu com muitos partidos populares na história, e mesmo na história do Brasil, participar do poder apenas para gerenciar a ordem dominante é receita certa para perder a identidade política. E o que é mais importante para um partido político do que manter sua identidade? 

CC: Ainda pensando em um eventual cenário de impeachment, há risco de radicalização do PT, caso o partido e a militância acreditem que foram afastados do governo por um processo não legítimo?

D.A.R.: A rigor, a radicalização está aí, já instalada. Como disse o (escritor Luis Fernando) Veríssimo, estamos esperando o primeiro morto. As direitas parecem-me, aliás, bem mais radicalizadas e agressivas do que as esquerdas, insultando e batendo em pessoas nas ruas, nos restaurantes e até em hospitais. O triste é que essa radicalização não se dá em torno de plataformas programáticas, mas em torno da questão da corrupção.

Ora, um mínimo de isenção nos leva a concluir que o nosso sistema político acoberta e incentiva a corrupção em escala industrial. O PT, neste caso, foi o último a aderir, embora não lhe tenha faltado gula. A luta pela corrupção deve continuar, evidentemente. Mas o nó da questão é a reforma política, em profundidade, do atual sistema. Enquanto esse sistema estiver aí, teremos corrupção em grande escala.

CC: Que previsão o senhor faz para o futuro da esquerda brasileira? Independentemente do desfecho, como a herança do PT será absorvida?

D.A.R.: O PT, com suas políticas de conciliação, foi responsável por alguns avanços notáveis, enquanto durou a conjuntura de grande prosperidade. A inclusão social e uma série de políticas de defesa e “empoderamento” das camadas populares, das maiorias negras e pardas e dos mais pobres tiveram resultados apreciáveis.

Ao mesmo tempo, contudo, o PT estabeleceu relações carnais com as grandes empresas, os bancos e as empreiteiras, e isso representou uma perda muito grande para as esquerdas brasileiras, em geral, porque o PT, inegavelmente, tornou-se o maior e o mais representativo partido das esquerdas brasileiras.

Resta às forças alternativas, inclusive àquelas que ainda estão no interior do PT, formular plataformas de reforma política. Crises podem enfraquecer e até serem fatais. Mas podem ser também “janelas de oportunidade”. A ver se as esquerdas alternativas estarão à altura dos grandes desafios que a crise tem apresentado.
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Fonte: CartaCapital – Política – 28/03/2016 – 04h18 – Atualizado em 28/03/2016 às 07h30 – Internet: clique aqui.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Eutanásia para deprimidos: aumentam os casos no mundo

Federico Cenci 

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“A tristeza durará para sempre”. Parece que este foi o último pensamento, com forte amargura, que o célebre pintor holandês Vincent Van Gogh deixou escrito em uma nota antes de cometer suicídio, 29 de julho de 1890. Nas décadas seguintes, alguns psiquiatras eminentes estudaram a complexa personalidade do artista, observando que ele sofria de várias doenças mentais, especialmente a síndrome bipolar.
Um deprimido, portanto, que decide tirar a própria vida, concluindo no modo mais triste a sua carreira artística excepcional. Mas naquela época, talvez, poucas pessoas pensariam que se Van Gogh vivesse na Holanda um século depois, teria podido ter acesso à “doce morte” simplesmente preenchendo um formulário no hospital.
Assim explica a Jama Psychiatry, uma das mais importantes revistas sobre a saúde mental, que publicou em fevereiro passado um extrato no qual se evidencia que “a eutanásia e o suicídio assistido dos pacientes psiquiátricos está aumentando em algumas jurisdições, como na Bélgica e Holanda”.
Uma pesquisa evidencia que de 2011 até 2014, de 66 casos de eutanásia analisados pelos especialistas da Jama, 36 (o 55% do total) ocorreu por causa de “distúrbios depressivos” dos pacientes. Também se observou que em 7 casos (o 11% do total) não se fez nenhuma consulta a outros médicos antes de proceder com a eutanásia e que em 16 casos (24% do total) procedeu-se ainda sem ter uma opinião unânime de vários especialistas no campo da psiquiatria.
Os autores do estudo destacaram, finalmente, como a maior parte das pessoas que se submetem à eutanásia sejam mulheres de diversas idades, carregando com elas histórias complexas marcadas por distúrbios mentais. Isso acontece tanto na Holanda, como na vizinha Bélgica.
A memória é do verão passado. Laura, uma jovem belga de 24 anos pediu e obteve no seu País o “direito” de se submeter à eutanásia somente porque – afirmava – “a vida não é pra mim”. Sofrendo de depressão por um longo tempo, Laura participava de um grupo de psiquiatria e morava dentro de uma estrutura sanitária.
A jovem é uma das 50 pessoas que a cada ano na Bélgica se submetem à “doce morte” por problemas ligados a um sofrimento psíquico. O professor Wim Distelmans, presidente da Comissão belga de controle da Eutanásia, estima que se trata de 3% dos pacientes que se submetem ao suicídio assistido.
O caso de Laura, por causa de sua tenra idade, provocou um debate na Bélgica e na Holanda. E trouxe à luz uma denúncia do Journal of Medical Ethics, assinada por Raphael Cohen-Almagor, professor na Universidade de Hull, na Inglaterra. Ele acusa os médicos belgas de escolher a “doce morte” na ausência de “uma vontade explícita do paciente”. Segundo Cohen-Almagor trata-se de milhares de casos de eutanásia registrados na Bélgica, daí a denúncia do fato de que “nenhuma comissão está se ocupando disso”.
O fenômeno também está aumentando no exterior. Em 2013, o New England Journal of Medicine publicou os resultados de um programa de suicídio assistido – “Death for Dignity Program” – em um Centro de Seatle para enfermos de câncer. Verificou-se que 97,2% dos pacientes com câncer que pedem a eutanásia, fazem-no por causa da perda de autonomia, o 88,9% pela incapacidade de participar de atividades e o 75% por causa da perda de dignidade. Causas, portanto, que são puramente de tipo psicológico-social.
Na Holanda em 2012 surgiu um instituto, o Levenseindekliniek (Clínica do fim da vida), que se ocupa de simplificar o acesso à prática para aqueles pacientes cujos próprios médicos recusaram conceder a eutanásia dado que as suas doenças não foram diagnosticadas terminais. Pacientes que em muitos casos têm o desejo de morrer porque compartilham a inspiração sombria de seu compatriota Van Gogh: “. A tristeza durará para sempre”
FONTE:  https://pt.zenit.org/articles/eutanasia-para-deprimidos-aumentam-os-casos-no-mundo/ 30/03/2016

DILMA, LULA E LE MONDE

 Des policiers gardent le palais présidentiel de Brasilia, sur lequel des manifestants ont projeté le mot « destitution », le 21 mars.

 Para defender Dilma, Lula tenta seduzir imprensa, diz Le Monde

O jornal Le Monde que chegou às bancas nesta terça-feira (29) dá destaque à crise política no Brasil. Com o título "Lula está em missão de sedução para defender Dilma", a correspondente do vespertino em São Paulo, Claire Gattinois, explica como o ex-presidente tentou salvar a imagem de Dilma durante uma entrevista coletiva concedida à imprensa internacional na segunda-feira (28).
  acorrespondente do Le Monde, Lula usou seu dom de orador de ex-sindicalista e "todo seu charme natural" para tentar socorrer Dilma. "Deixem essa mulher governar o país. Ela precisa de tranquilidade para pensar no futuro", declarou Lula durante a entrevista, que tinha como alvo a imprensa francesa, alemã, americana, argentina e chinesa.
"Lula, que saiu do poder com mais de 80% de popularidade, deixando um país próspero e promissor, é hoje um homem arruinado. Suspeitas de corrupção pairam sobre um ex-presidente convocado por uma Dilma Rousseff desesperada para fazer parte de seu governo. A iniciativa chocou", escreve Claire Gattinois.
Segundo a correspondente, Lula quer apagar a ideia de que, como ministro, ele tentaria escapar da justiça. Para ela, o ex-presidente tenta passar a imagem de que, aceitando ser chefe da Casa Civil, estaria servindo o país, ajudando a combater a recessão econômica brasileira sem cortes orçamentários, mas atraindo investimentos. Uma tentativa do líder petista, de acordo com Gattinois, de reencarnar o "Lulinha Paz e Amor", slogan de sua campanha de 2002.
O país em febre
A correspondente questiona se a estratégia de Lula de apelar à nostalgia dos brasileiros vai dar certo, em um momento em que a polarização atinge seu auge. "O país, em febre, se rasga", escreve, explicando para os leitores franceses o virulento confronto entre os dois lados caricaturais da opinião pública brasileira, os "coxinhas" e os "mortadelas".
"Lula assiste, desolado, a esse espetáculo. Ele, que se diz autor de uma revolução social" está "angustiado", escreve Gattinois. Segundo a correspondente, o líder petista, que defendeu no passado o processo de destituição previsto na Constituição, usa hoje a retórica do golpe de Estado para denunciar um processo sem fundamento jurídico a seus olhos. Para o ex-presidente, a tentativa de tirar Dilma do poder não passa de um pretexto da oposição inconformada com a derrota para o PT em 2014, ressalta a jornalista.
Gattinois também descreve a rivalidade que se criou entre Lula e o juiz Sérgio Moro, encarregado da investigação Lava Jato. A correspondente diz que o ex-presidente se sentiu ofendido ao ver algumas de suas conversas telefônicas, grampeadas a mando de Moro, se tornarem públicas. Uma decisão que Lula classificou como "um circo midiático e um espetáculo pirotécnico", escreve. Para a jornalista do Le Monde, o líder petista está convencido de que, em pouco tempo, todos os que o acusam logo virão lhe pedir desculpas.
Fonte:  http://br.rfi.fr/brasil/20160329-para-defender-dilma-lula-tenta-seduzir-imprensa-internacional-diz-le-monde-0

segunda-feira, 28 de março de 2016

O 'U da felicidade'

 Luiz Felipe Pondé*

 

Umas das questões que mais ocupa nossas mentes no início do século 21 é a felicidade. 

Na filosofia, a felicidade tem inúmeros sentidos. Da beatitude mística (nas religiões), passando pelo cuidado para que o desejo não nos enlouqueça (estoicismo e epicurismo), até chegarmos ao entendimento mais comum em nossos dias que é a felicidade como realização dos nossos desejos (fruto da sociedade de consumo).

Confesso que considero a busca maníaca pela felicidade meio brega, mas, nem por isso podemos negligenciá-la, principalmente quando se trata de algo tão presente em nosso atual modo de vida.

Mas há um outro motivo para levarmos a sério a busca pela felicidade. Trata-se do simples fato de que somos candidatos certos à infelicidade. Doenças, frustrações, traições, morte, enfim, todo um universo infinito de perdas.

Por isso, mesmo que eu julgue que viver obcecado pela felicidade é um atestado de superficialidade de alma, não podemos deixar de reconhecer que há razões de sobra para temermos a infelicidade.

Estudos sobre felicidade relacionam idade à possibilidade maior ou menor de nos sentirmos felizes. Sei que você deve estar se perguntando o que eu quero dizer por felicidade.

Reconheçamos que, mesmo que "vagamente", está claro para nós que felicidade hoje em dia tem a ver com a realização de desejos e com o usufruto do corpo com saúde o maior tempo possível.

Então chegamos ao "U da felicidade". Entenda esse U como uma parede que desce (o lado esquerdo do U), o fundo do poço (a parte baixa ou o fundo do U) e uma parede que sobe (o lado direito do U).
Quando nascemos estamos na parte mais alta do U, na sua parede esquerda. Jovens, com saúde plena (na maioria esmagadora dos casos, fora raras exceções médicas), temos todo um futuro pela frente, cheios daquele encantamento que enche nosso coração de disposição para a vida, tudo é novo e interessante, inclusive os outros jovens à nossa volta.

As ideias mais absurdas nos parecem possíveis. Enchemos a cara e levantamos no dia seguinte para fazer a prova. O mundo está aberto para nossos sonhos, inclusive porque o mercado trabalha cada vez mais para nós. Então inicia-se nossa descida "aos infernos".

Lá pelos 40 anos de idade, estamos chegando à parte baixa da parede esquerda do U. Já com alguns amores traídos, talvez a carreira profissional já tenha se revelado na sua possível mediocridade, grana curta, horizonte já mais estreito.

Chegando aos 45, até uns 60, estaremos no inferno. Saúde já apresentando limites, casamentos já fracassados, vida "single" já se revelando na sua face de solidão desinteressante, corpo já fora da forma de plena da beleza a ser consumida no "mercado do desejo", filhos muitas vezes que se tornaram uns estranhos sem nenhum interesse em nós ou nós neles, enfim, essa fase é a pior de todas.

Mas eis que algumas pessoas a partir dos 60 anos de idade relatam uma significante retomada da felicidade. Caso tenhamos cuidado razoavelmente da saúde e não tenhamos destruído qualquer pequeno patrimônio, descobriremos que não vai adiantar exigir de nós mesmos padrões de pessoas com 30 anos.

Caso tenhamos sonhado a vida inteira com os Alpes suíços, descobriremos que a Serra Gaúcha pode ser também uma boa pedida. Buenos Aires está mais perto do que Paris, os cinemas estão à mão, e o desejo de engolir o mundo já passou.

Um pouco de tranquilidade da alma, como diziam os estoicos, pode estar mais próximo do que imaginávamos, e a medicina e a estética farão de pessoas da mesma idade que nós parceiros interessantes e com experiências semelhantes às nossas.

Aí então iniciaremos a subida da parede direita do U. Acima de tudo, teremos mais tempo no cotidiano para fazer o que quisermos. Esses estudos mostram que os níveis de felicidade podem voltar a subir a partir dos 60 anos de idade.

E, então, crescerá a sensação de que temos condições de realizar alguns dos nossos desejos que antes nos pareciam impossíveis.
Enfim, talvez possamos mandar o mundo que nos enche o saco para aquele lugar e então repousaremos em nós mesmos.
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião, ciência. Escreve às segundas.
ponde.folha@uol.com.br 
Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/03/1754566-o-u-da-felicidade.shtml
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Momento único

Luis Fernando Veríssimo*
 
  
Gustave Flaubert escreveu, numa carta para um amigo: “Quando os deuses tinham deixado de existir e o Cristo ainda não viera, houve um momento único na História, entre Cícero e Marco Aurélio, em que o homem ficou sozinho”.

As divindades pagãs nunca deixaram de existir, mesmo com o triunfo do cristianismo, e a Roma evocada por Flaubert era apenas Roma, não era o mundo. Mas, no breve momento de solidão flagrado pelo escritor, o homem ocidental se viu livre da metafísica – e não gostou, claro. Quem quer ficar sozinho num mundo que não domina e mal compreende, sem o apoio e o consolo de uma teologia, qualquer teologia? O monoteísmo paternal substituiu as divindades convivais da antiguidade, em pouco tempo Constantino adotaria o cristianismo como a religião do império e o homem perdeu o seu momento único, a oportunidade de se emancipar dos deuses.

A ciência, pelo menos até Einstein, nunca pretendeu desafiar a metafísica dominante, mesmo quando desmentia seus dogmas. Copérnico cumpria seus deveres de cônego da catedral de Frauenburg enquanto bolava a heresia que destruiria mil anos de ensinamento da Igreja, e seu tratado revolucionário sobre o universo heliocêntrico foi dedicado, sem nenhuma ironia que se saiba, ao papa Paulo III. Galileu também foi inocentemente a Roma demonstrar na corte papal o telescópio com o qual confirmara a teoria explosiva de Copérnico, talvez o exemplo histórico mais acabado de falar em corda em casa de enforcado. Quando foi julgado pela Inquisição, Galileu concordou em renunciar à ideia maluca de que a Terra se movia em torno do Sol, para ficar vivo, e a frase famosa que teria dito baixinho – “E pur se muove” – só foi acrescentada ao relato do julgamento um século depois, quando provavelmente também se originou a frase “Se não é verdade, é um bom achado”.

Quando o astrônomo Edmond Halley, o do cometa, entusiasmado com a recém-publicada Principia de Isaac Newton, quis dar uma ideia da importância da teoria newtoniana da gravidade e do movimento dos astros, disse que, com ela “fomos admitidos aos banquetes dos deuses” pois até então a ciência só especulara sobre a geometria celestial – algo como o Woody Allen dizendo que fazer cinema sério, ao contrário de comédias, era sentar-se na mesa dos adultos. Com Newton, passamos a conversar seriamente com os deuses. Halley preferiu “deuses” a Deus, evocando o tempo pré-cristão em que as divindades andavam entre os homens e podiam até ser seus comensais. O trabalho de Newton fazia parte da “filosofia natural”, o pseudônimo com que, na Europa do século 17, a ciência especulativa convivia com os dogmas religiosos. Os banquetes com os deuses não eram exatamente atos de rebeldia contra a teologia, mas uma maneira de trazer a metafísica de volta a um plano humano. Mas o momento único da emancipação possível já passara.
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* Jornalista. Escritor.
Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a5459330.xml&template=3916.dwt&edition=28661&section=70
Imagem da Internet: Gustave Flaubert

sábado, 26 de março de 2016

“Lula deveria ter recusado a nomeação como ministro"

 

Frei Beto é amigo de Lula da Silva desde os seus tempos de sindicalista metalúrgico e chegou a integrar o seu primeiro governo. Mas isso não impede o teólogo de 72 anos de criticar publicamente o ex-Presidente e de se mostrar desiludido com os governos do PT.

Diz que se Lula “tem a consciência limpa e nada a temer, deveria ter declinado a nomeação” como ministro do governo de Dilma Rousseff “e enfrentado a perseguição injusta que lhe move o juiz Sérgio Moro”. Defende que o ex-Presidente é inocente até prova em contrário. “Cabe a quem acusa o ónus da prova. Lembro da revista Forbes acusando Fidel Castro de possuir fortunas em paraísos fiscais e, desafiada a provar, se viu obrigada a recolher-se ao silêncio. Para os conservadores, todos nós progressistas merecemos ser demonizados”, diz nesta entrevista por email ao PÚBLICO. Frade dominicano, mora num convento em São Paulo. Diz que a política lhe interessa porque é “discípulo de um prisioneiro político”: Jesus “morreu como tantos presos políticos na América Latina das décadas de 1960 a 1980: foi preso, torturado, julgado por dois poderes políticos e condenado a ser assassinado na cruz.”

Lula da Silva cometeu um erro ao ir para o governo de Dilma?
Considero que Lula contribuiria mais com o governo Dilma como conselheiro do que como ministro. Assim se preservaria para se candidatar em 2018 a Presidente da República. Ingressando no governo como ministro, ele e Dilma passam a ser vistos como tripulantes de um mesmo barco. Tomara que consigam impedir que ele afunde. Mas, para isso, Dilma terá que ceder e mudar a sua política económica centrada no ajuste fiscal que penaliza sobretudo os mais pobres.

É uma coincidência Lula ter sido nomeado logo a seguir à sua “condução coercitiva” [depoimento sob escolta policial] e ao pedido de prisão preventiva do Ministério Público de São Paulo? Mesmo que tenha decidido ir para o governo por outras razões, ele não deveria ter-se recusado devido ao risco de ser interpretado como uma tentativa de fuga?
Sim, foi uma infeliz coincidência Lula ser nomeado ministro exactamente no momento em que a Operação Lava Jato está no seu encalço. Mas se ele tem a consciência limpa e nada a temer, deveria ter declinado a nomeação e enfrentado a perseguição injusta que lhe move o juiz Sérgio Moro, que centra a sua actuação no PT [Partido dos Trabalhadores] e permite fugas de informação selectivas que desgastam o PT e o governo. Primeiro, o juiz não deveria permitir fugas de informação e agir com autoridade para punir os responsáveis. Segundo, por que os acusados dos demais partidos não sofrem condução coercitiva?

O senhor ainda é amigo de Lula? Falaram sobre a ida dele para o governo?
Somos amigos, mas nem ele nem eu falamos sobre as nossas relações pessoais. Conheci-o em 1980, numa festa sindical em Minas. Como eu já assessorava a Pastoral Operária do ABC paulista, onde ele actuava como líder sindical, passei a frequentar a sua casa e a assessorá-lo nas greves daquele ano. Quando ele foi preso em Abril de 1980 [pelo Dops, a polícia política da ditadura militar, na sequência do movimento grevista que mobilizou milhões de trabalhadores], eu dormia na casa dele. A nossa relação foi muito estreita entre 1980 e 2004, quando deixei o governo.

Qual foi o seu papel no governo de Lula?
Sobre isso escrevi dois livros, A Mosca Azul - Reflexão Sobre o Poder e Calendário do Poder. Lula me convidou para actuar como seu assessor especial no gabinete de Mobilização Social do Programa Fome Zero. Como em 2004 o Fome Zero, um programa emancipatório, foi substituído pelo Bolsa Família, que tem carácter compensatório, discordei da mudança e decidi sair. Hoje sou um feliz ING: Indivíduo Não-Governamental.

Que diferenças existem entre o Fome Zero, que você coordenou, e o Bolsa Família [abono pago pelo governo federal a 13,9 milhões de famílias pobres que, em contrapartida, devem garantir a educação escolar das suas crianças e adolescentes]?
No Fome Zero uma família beneficiária seria atendida por cerca de 60 diferentes programas (recursos hídricos, cursos profissionalizantes, etc.) e em três ou quatros anos estaria em condições de ficar independente do governo e produzir os seus próprios rendimentos. No Bolsa Família, quem ingressa não sai mais, e se deixar de receber o recurso federal corre o risco de retornar à miséria.

Lula tem 70 anos. Terminou o segundo mandato com uma popularidade histórica. Poderia viver apenas do seu legado. Por que é que ele insiste em regressar à actividade política?
Lula é um ser político. É o que melhor sabe fazer e mais gosta. Enquanto viver, dedicar-se-á a essa actividade. Embora sem mandato, jamais abandonou a actividade política.
Qual é a sua opinião sobre as alegadas ligações entre Lula e as empreiteiras Odebrecht e OAS, envolvidas na Lava Jato? Acha possível que o ex-Presidente tenha sido presenteado com um apartamento triplex no Guarujá e o sítio em Atibaia em troca da sua influência política?
O ónus da prova cabe a quem acusa. E Lula insiste que não é dono de nenhum dos dois imóveis.

Lula não tem rendimentos suficientes para ter um triplex no Guarujá ou uma quinta no interior de São Paulo? Por que um ex-Presidente precisa de usufruir de uma quinta pertencente a terceiros, aparentemente comprada com esse intuito?
Usufruir de propriedades de amigos não é crime, ilegal ou ilícito.

Parece-lhe que Lula não quer comprometer a sua imagem de presidente do povo, não quer arriscar ser visto como um novo rico, como alguém que enriqueceu e se distanciou das suas origens?
Essa é uma ilação subjectiva. Ele tem direito de usufruir de propriedades de amigos, como aliás todos nós fazemos quando convidados por uma pessoa amiga que possui uma casa na praia ou uma quinta. A questão é se ele possui tais propriedades e se elas foram aprimoradas por empreiteiras envolvidas em corrupção. Volto a dizer: cabe a quem acusa o ónus da prova. Lembro da revista Forbes acusando Fidel de possuir fortunas em paraísos fiscais e, desafiada a provar, se viu obrigada a recolher-se ao silêncio. Para os conservadores, todos nós progressistas merecemos ser demonizados.

Acha que o PT e Lula têm conseguido explicar-se perante a opinião pública relativamente ao escândalo de corrupção na Petrobras? O partido deveria fazer uma autocrítica?
Sim, o partido deveria fazer quanto antes uma autocrítica, como sugerido por dois líderes fundadores do PT: Olívio Dutra e Tarso Genro. De facto, o PT perdeu os seus três capitais simbólicos: ser o partido da ética; ser o partido da organização política da classe trabalhadora; ser o partido das reformas estruturais.

Em 2002 Lula foi eleito Presidente e propôs governar na base da conciliação – com as elites, com a classe empresarial. Esse pacto permitiu-lhe avançar programas de inclusão social que beneficiaram as classes mais pobres. Mas hoje o clima de ressentimento social no Brasil é notório. Quem está nas manifestações a favor do impeachment acha que o Bolsa Família fez com que muita gente deixasse de trabalhar, que as quotas raciais são desnecessárias, que o PT “financia” a sua base de apoio através dos programas sociais. A conciliação social foi uma miragem?
Todos os organismos internacionais, como FAO, OMS, UNESCO, OIT e outros são unânimes em reconhecer os avanços sociais dos governos Lula, que tiraram 45 milhões de pessoas da miséria. Não é pouca coisa! Porém, o PT cometeu o equívoco de, primeiro, facilitar o acesso da população aos bens pessoais, como TV, telemóvel, computador, carro, linha branca (frigorífico, fogão, microondas, etc.). Deveria ter iniciado pelo acesso aos bens sociais: educação, saúde, transporte colectivo, segurança, moradia, saneamento, etc. Hoje, chegou a factura, pois não se estabeleceram as bases de sustentabilidade do desenvolvimento brasileiro. Daí o ajuste fiscal draconiano, no meio do crescimento da inflação e do desemprego.

Se Lula tirou 45 milhões de brasileiros da pobreza durante a sua presidência, onde estão essas pessoas agora? Por que não vão para as ruas apoiá-lo?
Porque elas não vivem nos grandes centros urbanos, onde se dão as manifestações, e não podem ir às ruas em dias de semana. Os movimentos pró-governo cometem o erro de convocar mobilizações em dias de semana, ao contrário dos que criticam o governo, que sabiamente convocam sempre aos domingos.

Se Lula fosse candidato presidencial hoje, votaria nele?
Hoje o meu voto é preferencialmente para o Partido Socialismo e Liberdade. Porém, no embate entre progressistas e conservadores, repetiria o meu voto em Lula, como também votei em Dilma.

Como avalia a Operação Lava Jato e as acções do juiz Sérgio Moro?
A Lava Jato é necessária, importante e não deve ser paralisada em hipótese nenhuma, doa a quem doer. Mas não concordo com os métodos autoritários do juiz Sérgio Moro. Ele trata suspeitos como criminosos, adora ser mediático e age como se fosse a encarnação da Justiça brasileira.
O impeachment (destituição) de Dilma é cada vez mais uma possibilidade?
Sim, a base aliada do governo Dilma está esgarçada, o que favorece a aprovação do impeachment.
Por que é que um frade dominicano se envolve tanto na política quanto o senhor?
Porque sou discípulo de um prisioneiro político. Que eu saiba, Jesus não morreu de hepatite na cama nem de desastre de camelo numa esquina de Jerusalém. Morreu como tantos presos políticos na América Latina das décadas de 1960 a 1980: foi preso, torturado, julgado por dois poderes políticos e condenado a ser assassinado na cruz. A pergunta é outra: que fé cristã é essa que não questiona a desordem estabelecida e ainda canoniza ditaduras e acções bélicas? É bom não esquecer que Hitler, Salazar, Franco e Pinochet se diziam cristãos... Além disso, não há ninguém que não se envolva em política. Há quem, ingenuamente, se julgue neutro, isento ou alheio a ela.
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Os perigos da desordem jurídica

 

Nem o juiz Carlos Alexandre é o juiz Sérgio Moro, nem o Correio da Manhã ou a TVI são a Rede Globo, mas as estruturas profundas do caso José Sócrates e da Operação Lava-Jato revelam algumas semelhanças inquietantes.

Quando, há quase trinta anos, iniciei os estudos sobre o sistema judicial em vários países, a administração da justiça era a dimensão institucional do Estado com menos visibilidade pública. A grande exceção eram os EUA, devido ao papel fulcral do Tribunal Supremo nas definições das mais decisivas políticas públicas. Sendo o único órgão de soberania não eleito, tendo um carácter reativo (não podendo, em geral, mobilizar-se por iniciativa própria) e dependendo de outras instituições do Estado para fazer aplicar as suas decisões (serviços prisionais, administração pública), os tribunais tinham uma função relativamente modesta na vida orgânica da separação de poderes instaurada pelo liberalismo político moderno, e tanto assim que a função judicial era considerada apolítica. Contribuía também para isso o facto de os tribunais só se ocuparem de conflitos individuais e não coletivos. Pouco se sabia como funcionava o sistema judicial, as características dos cidadãos que a ele recorriam e para que objetivos o faziam. Tudo mudou desde então até aos nossos dias. Contribuíram para isso, entre outros fatores, a crise da representação política que atingiu os órgãos de soberania eleitos, a maior consciência dos direitos por parte dos cidadãos e o facto de as elites políticas, confrontadas com alguns impasses políticos em temas controversos, terem começado a ver o recurso seletivo aos tribunais como uma forma de descarregarem o peso político de certas decisões. Por todas estas razões, surgiu um novo tipo de ativismo judiciário que ficou conhecido por judicialização da política e que inevitavelmente conduziu à politização da justiça.

A grande visibilidade pública dos tribunais nas últimas décadas resultou, em boa medida, dos casos judiciais que envolveram membros das elites políticas e económicas. O grande divisor de águas foi o conjunto de processos criminais que atingiu quase toda a classe política e boa parte da elite económica da Itália conhecido por Operação Mãos Limpas. Iniciado em Milão em abril de 1992, consistiu em investigações e prisões de ministros, dirigentes partidários, membros do parlamento (em certo momento estavam a ser investigados cerca de um terço dos deputados), empresários, funcionários públicos, jornalistas, membros dos serviços secretos acusados de crimes de suborno, corrupção, abuso de poder, fraude, falência fraudulenta, contabilidade falsa, financiamento político ilícito. Dois anos mais tarde tinham sido presas 633 pessoas em Nápoles, 623 em Milão e 444 em Roma. Por ter atingido toda a classe política com responsabilidades de governação no passado recente, o processo Mãos Limpas abalou os fundamentos do regime político italiano e esteve na origem da emergência, anos mais tarde, do "fenómeno" Berlusconi. O caso mais recente e talvez o mais dramático de todos os que conheço é a Operação Lava-Jato no Brasil.

Iniciada em março de 2014, esta operação judicial e policial de combate à corrupção, em que estão envolvidos mais de uma centena de políticos, empresários e gestores, tem-se vindo a transformar a pouco e pouco no centro da vida política brasileira. Ao entrar na sua 24ª fase, com a implicação do ex-presidente Lula da Silva e com o modo como foi executada, está a provocar uma crise política de proporções semelhantes à que antecedeu o golpe de Estado que em 1964 instaurou a uma odiosa ditadura militar que duraria até 1985. O sistema judicial, que tem a seu cargo a defesa e garantia da ordem jurídica, está transformado num perigoso fator de desordem jurídica. Medidas judiciais flagrantemente ilegais e inconstitucionais, a seletividade grosseira do zelo persecutório, a promiscuidade aberrante com os média ao serviços das elites políticas conservadoras, o hiper-ativismo judicial aparentemente anárquico, traduzido, por exemplo, em 27 providência cautelares visando o mesmo ato político (a nomeação ministerial do Lula), tudo isto conforma uma situação de caos judicial que acentua a insegurança jurídica, aprofunda a polarização social e política e põe a própria democracia brasileira à beira do caos. Com a ordem jurídica transformada em desordem jurídica, com a democracia sequestrada pelo órgão de soberania que não é eleito, a vida política e social brasileira transforma-se num potencial campo de despojos à mercê de aventureiros e abutres políticos.
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 * É Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Fonte:  https://www.publico.pt/mundo/noticia/os-perigos-da-desordem-juridica-1727197
Imagem da Internet: Boaventura de Sousa Santos no 6.° Fórum Mundial de Juízes. Porto Alegre, 2010.

sexta-feira, 25 de março de 2016

SILÊNCIO

 Cláudia Laitano*
 
 
Para a maioria das pessoas, tradições familiares costumam estar associadas a festas religiosas – Natal e Páscoa em especial, para os cristãos. Como o Natal compete com a enorme carga de compromissos de fim de ano, a Páscoa acaba oferecendo mais oportunidades para uma celebração familiar, religiosa ou não, mais plena. Vejo amigos de hábitos solidamente seculares pintando ovinhos, decorando a casa e preparando brincadeiras para as crianças no domingo de manhã. Não apenas porque “todo mundo faz” ou “todo mundo sempre fez”, mas pela sensação de aconchego que esses rituais que fogem à lógica prática do dia a dia proporcionam para adultos e crianças.

É curioso o caminho que rituais e tradições percorrem ao longo do tempo dentro de uma família. Alguns atravessam gerações, sobrevivendo praticamente inalterados à passagem do tempo e à miscigenação com outras famílias. Outros são recriados, adaptados aos novos tempos, reinventados pelos mais jovens, recombinados com outros hábitos. E há os que se perdem – de uma vez só, por decisão consciente de quem decide cortar laços com tradições que já não fazem sentido, ou aos poucos, por falta de energia para retransmitir experiências significativas da infância para as gerações mais novas. Muita gente, porém, tem percorrido o caminho inverso, retomando contato com o passado em busca das raízes e da sensação de pertencimento que fazem falta para além da vivência propriamente religiosa.

Não venho de uma família muito ligada a rituais, mas na Sexta-feira Santa pelo menos uma coisa era sagrada lá em casa: ninguém podia brigar. Sabíamos, eu e meus dois irmãos mais velhos, que falar alto e ouvir música não era muito santo perto da Páscoa, mas a única regra da qual nossa mãe não abria mão mesmo era a da trégua nas disputas mais acaloradas por algum brinquedo ou programa de TV. Como filha caçula e única menina, em geral servia apenas de plateia para as brigas dos mais velhos e portanto era fácil guardar o silêncio e a compenetração exigidos pelos adultos. Mesmo um pouco forçada, a paz da Sexta-feira Santa me caía bem. Como se aquele dia mundial da paz artificial fosse realmente especial e diferente de todos os outros.

Ainda assim, nunca me ocorreu, na vida adulta, que essa tradição já meio esquecida me fizesse falta. Até este ano. Em meio a tanto ruído e confusão, a ideia de uma sexta-feira reservada para o silêncio e a contrição nunca me pareceu tão apropriada – e sagrada.
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*Jornalista.
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a5263837.xml&template=3916.dwt&edition=28646&section=70
Imagem da internet

quarta-feira, 23 de março de 2016

Mitos do terrorismo jihadistas

Moisés Naím*
As razões pelas quais os jovens se ligam a organizações terroristas têm pouco a ver com ser pobre, muçulmano ou psicopata e mais com as vulnerabilidades da natureza humana

Desde os atentados de 11 de setembro de 2001, terroristas assassinaram 93 pessoas nos Estados Unidos da América (EUA). Dessas, 45 foram mortas por jihadistas. As outras 48 foram vítimas de assassinos que nada tinham com o Islã - foram mortes motivadas pelo ódio contra médicos e enfermeiras que praticavam aborto, pelo fanatismo paranoico antigovernista e pela ideologia neonazista.

Um exame de mais de 330 condenados por tribunais dos EUA após o 11/9 por crimes relacionados ao terrorismo jihadista revela um perfil que contrasta com as crenças mais comuns sobre quem são esses terroristas. Quando cometeram os crimes pelos quais estão presos tinham, em média, 29 anos. Um terço era casado, outro terço tinha filhos. Tinham o mesmo grau de escolaridade que a média da população dos EUA. A incidência de problemas mentais no grupo estava abaixo da média do país. Outro dado importante é que, depois do 11/9, todos os ataques com mortos motivados pelo terrorismo islamista cometidos nos EUA foram executados por cidadãos dos EUA ou por residentes legais no país.

Resumindo, os terroristas islamistas que atuaram nos EUA depois do 11/9 são pessoas surpreendentemente comuns. E não vieram de fora. São americanos que viveram sempre, ou na maior parte da vida, no país. Vale ainda assinalar que, nos EUA, é 3 mil vezes mais provável que uma pessoa morra assassinada pelo tiro de um compatriota sem motivação ideológica do que por um radical islâmico.

Esses dados são de Estados Unidos da Jihad[título original inglês: United States of Jihad], um livro recente de Peter Bergen, especialista em terrorismo que ganhou fama em 1977 por seu papel de produtor da primeira entrevista à televisão de Osama bin Laden. O livro faz uma dissecação do que Bergen chama de “terroristas colhidos em casa”. São os americanos que se radicalizam e se tornam soldados de uma guerra santa contra os infiéis, particularmente contra o Ocidente, inspirada numa interpretação extremista e distorcida do Islã.
LIVRO DE PETER BERGEN

A grande pergunta é: por quê? O que faz com que pessoas que, à primeira vista, não aparentam grandes diferenças do restante da população se convertam em jihadistas? Não se sabe. Não há consenso entre os especialistas.

Mas algumas coisas são claras. A radicalização para a violência jihadista tem determinantes e contextos diferentes em cada país. O jovem francês que mata inocentes e em seguida se suicida gritando “Allahu Akbar” [Alá é grande!] teve uma experiência de vida diferente da de seu equivalente que faz o mesmo nos EUA. Na França, por exemplo, menos de 10% da população é muçulmana, mas 70% da população carcerária é. Não é o caso dos EUA, ainda que seja esse o país com maior porcentagem de população encarcerada. A integração dos muçulmanos à vida econômica e social nos EUA é mais harmônica e dá mais oportunidades de futuro que outros países.

Outra característica frequente, mas não universal, dos jihadistas é a existência de um “gatilho”: uma tragédia pessoal, graves dificuldades econômicas, o desconsolo pela perda de um ser amado ou um fracasso amoroso.

Mas também se chega ao jihadismo por meio de processos psicológicos mais complexos e menos evidentes. A Associação Americana de Psiquiatria publicou em seu boletim mensal um artigo que recapitula os resultados das pesquisas mais recentes sobre o tema. Os psiquiatras centralizam sua explicação na necessidade que têm todos os adultos jovens de conseguir um certo “alívio existencial”. E acrescentam: “Isso implica descobrir quem a pessoa é, a que grupo pertence, quais seus valores, qual o sentido de sua vida, que pode aspirar a ser e como pode mostrar seu valor ao mundo ... Para os jovens marginalizados, que às vezes estejam em transição de uma sociedade para outra, o processo de formação de identidade pode ser uma tarefa desesperadora”.

Os psiquiatras concluem: “As razões pelas quais os jovens se ligam a organizações terroristas têm pouco a ver com ser pobre, muçulmano ou psicopata e mais com as vulnerabilidades da natureza humana exacerbadas por certos aspectos das sociedades ocidentais ... Para os jovens ocidentais que estão em transição e se sentem marginalizados, solitários, perdidos, aborrecidos, espiritual e existencialmente despossuídos e sobrecarregados pelo excesso de liberdade, o Estado Islâmico e outras ideologias superficiais, mas contagiosas, continuarão sendo muito tentadoras como soluções instantâneas para as profundas dificuldades inerentes à condição humana”.

Essa visão psicológica não traz muitas ideias práticas de como prevenir o terrorismo jihadista. Mas pelo menos desmascara os preconceitos que passam por fatos inquestionáveis e nos faz ver o perigo de adotar políticas com base em falsas presunções.
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*Escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment em Washington
Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Segunda-feira, 21 de março de 2016 – Pág. A11 – Internet: clique aqui.