sábado, 30 de maio de 2015

NUNCA BANALIZAR O MAL

 Lya Luft*
Por estranho que pareça, tudo cansa, como certos sofrimentos ou preocupações: se excessivos, constantes e repetitivos, começam a nos desinteressar. Assim, a amiga eternamente queixosa de seu péssimo casamento mas que nele continua, a conhecida que só fala de suas doenças mas não se trata, o colega que repete sempre que vai largar o emprego mas nele permanece, mesmo insatisfeito; enfim, as pessoas queixosas que aparentemente curtem suas mazelas, mas nos perturbam com suas lamentações, fazem parte de um tipo de desgraça banalizada pela repetição.

É quando a desgraça perde a graça.

Por estes dias receio que a gente vá se acostumando com as tristes e assustadoras notícias diárias sobre a interminável teia de revelações dos males que fazia anos solapavam a estabilidade e a honra do Brasil, e a gente não sabia. Agora, terremoto, tsunami, susto e perplexidade. Esse é um mal ao qual não podemos nos habituar, mas o perigo existe.

Pois já na mesa do café somos afligidos por notícias do país como a roubalheira épica em estatais, como a Petrobras e outras (e a ameaça de impunidade), a carnificina nas estradas e nas ruas de nossas cidades, a matança nas favelas do Rio de Janeiro em que diariamente morrem mais bandidos, inocentes ou policiais do que nas guerras atuais no Oriente. Tudo isso ao som dos tiroteios que acompanham a sinistra festa da morte.

Até o horror distante vai se tornando cotidiano: milhares e milhares de imigrantes, homens, mulheres, crianças, grávidas e velhos, aportam na costa da Itália diariamente ou são resgatados no mar.

Outro dia, uma menininha de 12 anos explodiu a dinamite presa ao corpo, levando consigo várias pessoas. A longa lista de horrores ainda nos apavora? Estamos mais insensíveis, ou é apenas um passageiro susto meu, interpretando mal meus próprios sentimentos, eu sempre atenta, facilmente condoída com a dor alheia, demais desde menina perseguida por esse desejo infantil de consertar o mundo — que fazia rir minha mãe e preocupar-se meu pai?

A feia visão do Brasil que vamos tendo nestes últimos meses vai se tornar nossa paisagem costumeira? Os crimes contra o país, e todo o cortejo de destruição que trazem consigo, fazem parte de nossa realidade como ler jornal, pegar ônibus, pagar contas — cada dia pagando mais e ganhando menos porque nós estamos pagando, e muito mais vamos pagar? Vemos resignados a péssima gestão, a omissão e os desvios que ocorriam livremente, gerando desemprego, alta de preços, educação, saúde, transportes, num giro delirante que leva o país à estagnação?

Tenho medo da banalização de tantos males, demasiados, talvez, para que a gente dê conta deles na nossa pequena dura realidade cotidiana. Mais uma faculdade fechando as portas porque não recebe do governo o dinheiro para pagar o pessoal da segurança e da limpeza; portanto, sujeira e medo impedem seu funcionamento? Mais gente morrendo ou parindo nos corredores, no chão, no meio da imundície, médicos e enfermeiras desesperados porque falta até água limpa? Mais crianças sem escola? Mais um parente ou conhecido assaltado e morto, quem sabe por uma meninada de 15 anos que não vai ser tratada como criminosa? Não tem jeito...

Tem jeito, sim: nossa indignação legítima e ordeira pode ajudar líderes decentes a dar um jeito neste país. Vamos descobrir como: o mercado persa dos cargos e bondades tenta atrapalhar o trabalho da Justiça, que pode tirar o Brasil da lista dos piores em tantos aspectos — e só então a gente poderá novamente orgulhar-se dele, em vez de fazer parte de um mundinho isolado, atrasado e aos poucos ignorado, a que estávamos sendo reduzidos.

Banalizar o mal é um jeito fatal de nos protegermos da angústia. O que nos vem sendo revelado pela Justiça é estarrecedor, e atinge a cada um de nós profundamente. Podemos mudar o Brasil. Não merecemos pagar as altas contas que apenas começam a aparecer. Por isso, mesmo sabendo que sou repetitiva — e posso cansar o leitor —, escrevo, escrevo e escrevo. 
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* Escritora. Colunista da revista Veja
Fonte:  http://novo.clipclipping.com.br/revistas/ler/noticia/2640743/cliente/19
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sexta-feira, 29 de maio de 2015

O espírito do mundo

 Vito Mancuso*
 
"Há uma diferença, contudo, em relação ao filósofo alemão, ou seja, não é mais o 'espírito objetivo' que mantém o primado sobre o 'espirito subjetivo', mas o contrário. Está ocorrendo hoje uma reescritura radical da relação indivíduo e sociedade",

O resultado do referendo irlandês vem de longe. Mais de 62 por cento dos eleitores disseram sim ao casamento gay. É a luta pelos direitos humanos.

A luta iniciada há mais de dois séculos, em nome da igualdade, produziu uma série de conquistas sociais tais como sufrágio universal, liberdade de imprensa, liberdade religiosa, educação para todos, igualdade de gênero no direito da família, superação legal da discriminação racial e outros objetivos deste tipo, todos ligados ao valor da igualdade dos seres humanos. Sábado, a maioria dos irlandeses confirmaram: "Yes, equality ".

Nestas transformações dos costumes e do direito manifesta-se a evolução da cultura e do pensamento, fruto do que Hegel chamou "Espírito do Mundo", no sentido de não sermos nós os donos das nossas ideias, mas são as ideias que tomam conta de nós. Há uma diferença, contudo, em relação ao filósofo alemão, ou seja, não é mais o "espírito objetivo" que mantém o primado sobre o "espirito subjetivo", mas o contrário.

Está ocorrendo hoje uma reescritura radical da relação indivíduo e sociedade: o primado não é mais da sociedade e suas instituições às quais o indivíduo deve se submeter, como nos séculos passados, mas é do indivíduo, a quem a sociedade precisa se adaptar, em vista da felicidade e realização do mesmo. Antes os indivíduos se curvavam às instituições, agora são as instituições que se curvam aos indivíduos, até mesmo mudando a Constituição, como ocorreu Irlanda.

O valor em jogo aqui é o direito de cada ser humano ter um amor integral. Até recentemente, nos países mais avançados do mundo (embora na Itália até hoje), se uma pessoa nascesse com uma orientação de tipo homossexual, era-lhe negado o direito ao amor integral, que não se limita ao espaço de uma paixão privada, mas que deseja um estatuto público, no sentido de definir a identidade social da pessoa, não mais solteiro, mas ligado a outra pessoa, em permanente comunidade de vida. E o desejo do amor de adquirir uma dimensão pública, leva as pessoas ao casamento, e não simplesmente à coabitar. Quem deseja casar não consegue mais pensar em si mesmo prescindindo do outro, e pede à sociedade o reconhecimento público do seu novo estado, mudando, por assim dizer, sua carteira de identidade social, dizendo ao mundo: "Não sou mais somente eu, estou unido outro". Isto é o que chamo de "amor cheio" e que penso ser um direito constitutivo de todo ser humano. A aspiração ao amor integral deve ser reconhecido como direito inalienável, adquirido no momento do nascimento, um direto nativo, radical, do qual ninguém pode ser privado.

Chegou o momento também para nós de sustentar, de forma explícita, que todos têm o direito à plena realização no amor integral, sem distinção. O atraso italiano não deve ser preenchido somente pelo reconhecimento de uniões civis, sem falar de casamento, mas é necessário seguir adiante com o casamento para casais gays, porque nisto estão em jogo a igualdade e o direito nativo ao amor integral.

O sentido abrangente deste movimento é altamente evangélico, porque sempre, quando triunfa a singularidade da pessoa em relação à lógica de Estado das instituições e das tradições, afirma-se o ponto de vista de Jesus, de que o sábado era para o homem e não o homem para o sábado. Mas por isso ele foi eliminado pelo poder institucional. A Igreja hierárquica, no entanto, ainda não o compreendeu. Não compreendeu em 1789, quando o movimento começou, e não compreendeu nestes dias, na Irlanda, com os bispos lançando um apelo pelo "respeito dos valores da família tradicional ". Os fieis individualmente, sim. A não ser que se considere que os cristãos, numa nação entre as mais Católicas do mundo, sejam apenas 37,9%, deve-se admitir que, para a maioria dos fiéis, as posições da hierarquia católica não têm qualquer relevância quando estão em jogo questões éticas e de direitos humanos. O arcebispo de Dublin disse que agora "a Igreja terá de fazer as contas com realidade". É verdade, e espero que alguma coisa aconteça. Mas, ainda mais importante é que as contas com a realidade sejam feitas pela política italiana, dando ao país uma lei que permita a todos os cidadãos viver, na plenitude do casamento, o direito nativo ao amor integral.
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* Vito Mancuso, professor da Universidade de Pádua, em artigo publicado pelo jornal La Repubblica, 25-05-2015. A tradução é de Ramiro Mincato.
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quarta-feira, 27 de maio de 2015

LA POETISA CLARA JANÉS, ACADÉMICA DE LA LENGUA

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  "No quiero levantarme,
hacer frente al vértigo del día,..."

El pleno de la Real Academia Española (RAE) eligió, a primeros de este mes de mayo, a la poetisa y traductora catalana Clara Janés (Barcelona, 1940) para ocupar el sillón “U”. Se convierte así la notable escritora en la décima académica en los 302 años de historia de la institución. Si como lírica podemos celebrar la generosa producción de excelentes poemarios, más de veinte, me atrevería a destacar, sobre todo, la exquisita, variada y perseverante labor de traducción, inventariando la edición de no menos de 80 títulos. Sería oportuno recordar que, en 1997, recibió el Premio Nacional de Traducción por el conjunto de su obra.
En los siguientes términos acaba de expresar la recién elegida académica su vocacional entusiasmo en el arte de versionar:
“Como traductora, siempre trabajo con las palabras. Me apasiona porque, gracias a ellas, una se da cuenta de la mentalidad humana. Y, como el lenguaje está vivo, una es testigo de las nuevas incorporaciones y de las dolencias entre cada vocablo”.
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Tengo entre las manos la “Antología personal (1959–1979)” de Clara Janés, editada por Adonáis, que contiene sus primeros poemas, intensos, atormentados. Así lo explica en 1988:
“Yo fui una adolescente que vivió a fondo la angustia existencial, en parte debido a la conciencia de la soledad, a la conciencia de la dificultad de la comunicación esencial. Cierto que el existencialismo estaba en el aire en el momento en que entré en la universidad –precisamente el año en que se entregaba el premio Nobel a Albert Camus–, pero no se limitaba a los libros. Yo era terreno abonado para que esas ideas arraigaran, pero siempre hubo en mí un punto de disconformidad con ellas, una fuerte tendencia al equilibrio como meta...”
En la solapa del poemario leemos: “La poesía de Clara Janés transpira, de punta a punta, una intensa emoción, entre atormentada y amorosa, conseguida con los mínimos elementos verbales.” De esta primera etapa seleccionamos hoy tres títulos, pienso que representativos de su inicial entrega, de corazón abierto y radicales voces.
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palomagatoEL MÁS LEVE RASGO DE HUMANIDAD
DESATA MI TERNURA

El hombre: “pasión inútil”, ser temporal abocado a la muerte... Escribe Clara en “Asesinato”: “el hombre / ya no tiene sentido / si no es el de la huida.” En el presente poema, “Pavor”, de “Libro de alienaciones”, comunica su deseo de encerrarse y mirar desesperadamente hacia dentro, hacia la muerte, hacia el misterio... Al final se descompone su tentación suicida: y es que la vida natural, más allá de filosofías nihilistas, es hermosa, como una paloma que descansa en la ventana, como un gato perdido...
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PAVOR
Consternada por el horror de no ser,
quisiera, como tú,
encerrarme en murallas
de piedras y de espinos,
dar la vuelta a mis ojos
y lanzarlos para siempre
a la búsqueda sin fondo
del propio abismo;

pero aún soy muy débil,
el más leve rayo de humanidad
desata mi ternura:
un gato que llama a mi puerta
en medio de la noche,
una paloma
que se posa en mi ventana.
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Conejo_Desollado1QUE LUEGO PULCRAMENTE
SERÁN DESCUARTIZADOS

Observando reses ya sacrificadas y dispuestas para la disección del carnicero, se detiene la sensible mirada de Janés en la magra figura de un conejo, troceado y ridículo. La reflexión existencial no puede ser más dramática: se imagina su propio cuerpo sacrificado sobre tabla de matarife. Hace más de 30 años ya denunciaba la poetisa del amor, del respeto a toda vida, la violencia gastronómica ejercida sobre los animales.
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CARNE
Veo también, Bacovia, las reses llegadas del matadero.
Desollados inmensos cuerpos de animal
de carne aún brillante,
casi viva,
que luego pulcramente
serán descuartizados
por el preciso cuchillo del carnicero.
Un pobre conejo escuálido
partido en dos,
con sus patas aún recubiertas de piel
como unos guantes fúnebres...
Miro mis manos.
Reconozco mi cuerpo entero,
día tras día,
puesto también allí sobre la tabla,
descuartizado así.

Somos civilizados, sin embargo,
nos dejamos conservar unos a otros
la apariencia de vida.
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bblancoTENGO EL MISMO SOSIEGO QUE EN EL VIENTRE MATERNO
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Si no se encuentra sentido alguno a la vida, ¿para qué levantarse penosamente de la cama y arrastrar los pies hacia ninguna parte? Mejor abandonarse al no ser, en el nido de las sábanas, en el útero blanco de la inconsciencia.
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ÚTERO
No quiero levantarme,
hacer frente al vértigo del día,
las horas y minutos
que llenan de vacío y absurdo
los costados
del ente vertical.
Oculta entre las sábanas
tengo el mismo sosiego que en el vientre materno.

Blanco útero
capaz aún de devolver olvido.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Papa Francisco: "Eu gostaria de poder sair na rua e comer uma boa pizza..."

 
“Sempre fui ‘rueiro’, um sacerdote ‘da rua’: “Como cardeal – continua – gostava de caminhar pela rua, pegar o ônibus ou o metrô. A cidade me encanta, sou cidadão na alma... Não poderia morar no campo. Aqui visito as paróquias, mas não posso sair. Imagine se eu saísse na rua e o que aconteceria”. 
Entrevistado pelo jornal argentino "La voz del pueblo", Bergoglio revela novas facetas de seu mundo público e privado, denunciando o mal da pobreza, os fanáticos mercenários e o amor excessivo aos animais
 
Fala de futebol e dos fanáticos que são principalmente "mercenários", da sua vontade de comer uma boa pizza, do seu sono profundo e do seu “voto” de nunca ver TV; mas também da relação com as pessoas que lhe “faz bem”, das lágrimas derramadas ante certas tragédias humanas e daquele conclave de 2005 que o viu chegar em “segunda lugar” depois de Bento XVI. Em uma nova entrevista com o jornal argentino "La voz del pueblo", Bergoglio revela novas facetas de seu mundo interior e público, observando ao mesmo tempo alguns temas básicos de seu pontificado, como a pobreza "que é o coração do Evangelho" ou a condenação à corrupção. Reitera também que, se fosse por ele, o Papa nunca teria feito.

'Segundo' no conclave de 2005: "Todos os rumores..."
Justo sobre esse último ponto, o jornalista Juan Barreta cutuca o Papa, pedindo-lhe para recordar o conclave de abril de 2005, onde - de acordo com diferentes vozes - surgiu a eleição, juntamente com Joseph Ratzinger. Francisco nega qualquer conjetura: "São coisas que se falam... – afirma – na eleição anterior eu estava nos jornais, entre os papáveis. Naquela ocasião, ficou claro que deveria ser eleito Bento e houve quase unanimidade para ele e isso me agradou muito. A sua candidatura era clara. Houve vários "possíveis", mas nenhum forte".

E se muitos tinham como certa a sua eleição há dois anos, Bergoglio, pelo contrário, diz que nem sequer pensava: "No outro Conclave eu estava na lista de papáveis... Mas, desta vez, a segunda, pela idade, 76 anos, e porque havia pessoas certamente melhores... por isso ninguém me nomeava, ninguém...”.

Além disso, "nunca sonhei em ser Papa, nunca!”, comenta o Pontífice, “muito menos o presidente da República ou o general do exército. Algumas crianças têm esses sonhos, eu nunca os tive...”. Por outro lado, a sua ‘alergia’ aos postos de poder é bem conhecida: na entrevista recorda, de fato, que “depois de ter estado 15 anos nos postos de comando onde era destinado” – estando no cargo de provincial dos jesuítas – “voltei a ser confessor e sacerdote”.

"Eu gostaria de sair na rua e comer uma pizza!"
No entanto, acrescenta Francisco, “a vida de um religioso, de um jesuíta, muda de acordo com as necessidades...”. E se a necessidade, agora, é guiar a Barca de Pedro, seja bem vinda! Mesmo à custa de fazer pequenos sacrifícios, como por exemplo "sair pelas ruas”: “Isso eu desejo – confia o Papa – a tranquilidade de caminhar pela rua, ou ir a uma pizzaria comer uma boa pizza...”. “Sempre fui ‘rueiro’, um sacerdote ‘da rua’: “Como cardeal – continua – gostava de caminhar pela rua, pegar o ônibus ou o metrô. A cidade me encanta, sou cidadão na alma... Não poderia morar no campo. Aqui visito as paróquias, mas não posso sair. Imagine se eu saísse na rua e o que aconteceria”.

Como aquele dia em que - recorda - "saí no carro sozinho com o motorista e esqueci de fechar a janela, que estava aberta e não tinha percebido. O resultado foi uma bagunça... Eu estava sentado no banco da frente, tinha que percorrer um pequeno trecho, mas as pessoas não deixavam o carro passar. É claro, o Papa estava na rua... ".

"O protocolo é muito frio ... Quero estar com as pessoas que ‘me faz bem’!’”
No Vaticano o consideram “indisciplinado”, porque – explica Bergoglio – “não sigo muito o protocolo” que “é muito frio”. Porém, para o Pontífice é mais forte o desejo de estar com as pessoas: “As pessoas me fazem bem... – afirma – gosto das audiências públicas, em um sentido humano e espiritual, os dois juntos. É como se a minha vida fosse se misturando com as pessoas”.

Por esta razão, como Papa, quis morar na Domus Santa Marta: “Eu, psicologicamente, não posso viver sem as pessoas, não sou um monge, por isso fiquei aqui morando nessa casa. Esta é uma casa para hóspedes, têm 120 quartos, moramos 40 pessoas que trabalham na Santa Sé e os outros são convidados: bispos, sacerdotes, leigos que passam e são hospedados aqui. Isso me faz muito bem. Vir aqui, comer na sala de jantar, onde estão todas as pessoas, celebrar a Missa, onde quatro vezes por semana vêm gente de fora, das paróquias... Eu realmente gosto disso. Tornei-me sacerdote para estar perto das pessoas. Agradeço a Deus por não ter perdido esse desejo”.

"Às vezes eu choro"
Tocando o tema das emoções, o Santo Padre confessa ter, muitas vezes, se comovido às lágrimas: “Choro quando vejo tragédias humanas", admite, como a do povo Rohingya, "que vão nestes barcos nas águas tailandesas, e quando se aproximam da Terra , dão-lhes um pouco de comida e água e os enviam de volta ao mar”. Depois, essas crianças enfermas, que sofrem pelas “doenças raras” produzidas pelo descaso com o ambiente”. “Quando vejo essas crianças digo ao Senhor: “Por que a eles sim e a mim não?”, disse Francisco, dizendo comover-se também na prisão. Todas as vezes que teve um contato com os presos – nas três quintas-feiras santas em Roma, ou nas visitas pastorais na Itália – surgiu-lhe uma forte dor e também um pensamento: “Também eu poderia estar aqui. Como afirmar que nenhum de nós nunca vai cometer um crime, algo que o faça prisioneiro”.

No entanto, o do Papa é um choro “interior”: “Publicamente não choro”, explica, “duas vezes aconteceu de ficar no limite – uma tinha a ver com a perseguição dos cristãos no Iraque – mas consegui parar a tempo. Estava muito emocionado, alguma lágrima escapou, mas passei a mão na rosto...”.

"Eu tenho um sono profundo ..."
A entrevista continua com detalhes da sua vida diária como Papa. Por exemplo, falando de "sono", o Papa explica ter “um sono tão profundo que vou pra cama e durmo. Durmo sei horas. Normalmente às 9 da noite esotu na cama e leio até as 10 quando começa a lacrimejar um olho, apago a luz e durmo até as 4 da manhã, quando acordo sozinho, é o relógio biológico”.

"Não tenho medo de nada, exceto da dor física"
Fala então de ser uma pessoa “temerária”, que não pensa muito nas consequências; “Isso – explica – às vezes me causa dor de cabeça, porque foge-me alguma palavra a mais”. Sobre os atentados, reitera de estar “nas mãos de Deus” e de ter pedido ao Senhor para dar-lhe a graça “de não passar pela dor”, porque “eu sou um covarde frente à dor física”: “Suporto a dor moral, mas a física, não... Sou muito intolerante, suponho que seja uma consequência da operação do pulmão que me fizeram quando tinha 19 anos”.

"A TV? Não a vejo desde 1990!"
Entre as informações inéditas está o "voto" de Francisco de não assistir televisão há cerca de 25 anos: "É uma promessa que fiz à Virgem do Carmen, na noite do 15 de Julho de 1990. Disse para mim mesmo: não é para mim”. Em compensação o Papa disse que folheia cada manhã La Repubblica e se informa dos jogos de futebol do São Lorenzo, o seu time do coração, de uma Guarda Suíça “que toda semana me deixa os resultados e a classificação”.

A pobreza, mal do mundo. Pessoas que amam os animais mais do que os homens: é grave!
Sobre a pobreza, o Bispo de Roma recorda que não devemos renunciar à utopia de que este mal possa ser eliminado: “Existem três coisas que todos devemos ter na vida: a memória, a capacidade de ver o presente e a utopia pelo futuro...”. Além da pobreza, está entre os males do mundo a corrupção e o tráfico de pessoas.

Dirige depois uma dura crítica a todos aqueles que amam os animais mais do que os homens. “É grave isso”, diz o Papa, “o cuidado com os animais domésticos é como o amor um pouco programado, ou seja, eu posso programar a resposta amorosa de um cachorro ou de uma gatinha, e assim não tenho necessidade de ter a experiência de um amor de reciprocidade humana. Estou exagerando, não me entendam literalmente, mas é necessário preocupar-se”.

Futebol: "Os fanáticos, na maioria mercenários, não lutam pelo clube”
Fortes também as palavras do Pontífice sobre o mundo do futebol, para comentar a agressão sofrida por quatro jogadores do River Plate por um torcedor do Boca Juniors. “Também na Itália – afirma – houve problemas com os fanáticos, que não necessariamente lutam pelo clube, a maioria são mercenários”.

"Preciso das orações do povo"
No final da entrevista, o Santo Padre enfatiza ter a necessidade do apoio da oração do povo: “É uma necessidade interior...”. Conclui dizendo que a sua única “pretensão” para o futuro é que seja lembrado como “uma boa pessoa que procurou fazer o bem”.
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Reportagem Por Salvatore Cernuzio
Fonte: Roma, (ZENIT.org
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"Una persona que vive el Evangelio tiene que ser necesariamente rebelde"

El autor y su nuevo libro

"Francisco es el rebelde por antonomasia, porque ha vivido la doctrina de forma humana"

Una vida sin misa y una misa sin vida no tienen sentido
(Jesús Bastante).- Sacerdote, compañero periodista, maestro para muchos de nosotros, Antonio Aradillas no para de escribir libros. Viene a presentarnos el que acaba de publicar, Rebelión en la Iglesia. Tras los pasos del Papa Francisco, editado por LiberFactory. Y es que, como explica Aradillas, "una persona que vive el Evangelio tiene que ser necesariamente humano", sin importar si es siervo o Papa. De hecho, "Francisco es el rebelde por antonomasia", recalca.

¿Por qué Rebelión en la Iglesia?
La rebelión también es una palabra sagrada: se escribe con b, pero procede de "revelación". En sentido teológico, podría ser su sinónimo. La revelación de Dios, que se encarna en Cristo Jesús, le hace rebelde. En los tiempos tan recios, como diría Santa Teresa, que le tocó vivir, en la Iglesia no se podía ser de la Iglesia si no se era rebelde.

En la Iglesia, ¿qué significa ser rebelde?
Ser profeta. Y serlo con una proyección fundamental: dada nuestra instrucción religiosa, la que hemos recibido del comportamiento de la Iglesia, concluimos que la fe se tiene que proyectar necesariamente en la profesión. La palabra profesión, por su parte, viene de la palabra fe, y tiene tanto significado como la de vocación. De modo que, para ser persona en general, hay que ser rebelde.

Tras los pasos del Papa Francisco. ¿Es Francisco un rebelde?
Es el rebelde por antonomasia, porque vive la doctrina en unas pautas prácticas, después de que hayamos vivido una religión que era una ensoñación: mucho culto, mucha seguridad, mucha tranquilidad. Este Papa no encarna ese tipo de Iglesia de tranquilidades.


Un Papa rebelde gobernando una institución que no se ha caracterizado por su rebeldía.
Ahí está el problema: el problema no lo son sólo las personas, sino fundamentalmente las estructuras. Entonces, a este Papa le está aconteciendo que con mucha triste frecuencia se ve coartado. Lo que piensa por ejemplo de la pobreza, la institución, que tiene tales leyes de Derecho Canónico y tales otras fuerzas, lo impide y a veces hasta lo imposibilita .

Yo me atrevería a decir que hay menos Evangelio en el Derecho Canónico que en la vida del pueblo.

Hace pocos días, uno de los ministros del Papa estaba aquí en Madrid y decía una cosa muy similar: que Francisco es un Papa rebelde al que le están saliendo obispos y cardenales rebeldes. ¿Hay en el aire algún riesgo de cisma? ¿Cómo se pueden calificar los rebeldes al rebelde?
Creo que los cismas son buenos. Mientras que haya caridad y sentido común, no haya otros intereses por medio y en ningún caso a una rebeldía responda una situación de corrupción o de defensa a ultranza de intereses personales o de grupo. Así se mide la autenticidad de la rebeldía. Una persona que vive el Evangelio tiene que ser necesariamente rebelde, porque -vuelvo a insistir en la idea- las leyes y las instituciones no tienen capacidad de rebeldía.

Estamos viviendo un momento en este país en que parece que se están cambiando las reglas del juego de las mayorías: hay un movimiento que nació desde la rebeldía de las calles puesto al nivel de los otros. La forma de hacer la política y entender la cosa pública ha cambiado. ¿Cómo se debería posicionar la Iglesia ante este tipo de rebeldías que están transformando ya, de alguna manera, al menos una parte de la sociedad?
En primer lugar, siendo ella rebelde: dando testimonio de rebeldía. En segundo lugar, reconociendo que en leyes y comportamientos civiles la sociedad ha dado más pasos positivos que dentro de la Iglesia, incluso en ejemplaridad. La Iglesia oficial tendría que ser reducto de ejemplaridad, y sobre todo jerárquicamente no nos está dando ni muchísimo menos ejemplo. Los ejemplos en la Iglesia están siendo felizmente superados por las leyes civiles, y esto tiene que constituir una satisfacción sincera, desde la humildad.

¿Crees que los obispos españoles están atentos a esos cambios y capacitados para asumir que esa rebeldía es posible, y participar en ella?
Con sinceridad, creo que no. Y hasta me da pena el hecho de que precisamente han sido elegidos por no estarlo. Desde su pobreza y reflexión religiosa, tendrían que ofrecer un testimonio distinto. Si no sirven para eso, que se jubilen y ya está, porque si seguimos como hasta ahora, el episcopado no encarna la rebeldía. ¡Les habrían exiliado de la Iglesia! Los que tenían el mando de la Iglesia española, no te aceptaban en el episcopado. Esas travesuras que en tiempos de Franco, durante el nacionalcatolicismo, eran hasta posibles, en estos últimos años no lo han sido.


Además de tus trabajos en Religión Digital y de tus libros, te has dejado embarcar en un proyecto rebelde: la iglesia abierta en el centro de Madrid las 24 horas, que está empezando a ofrecer propuestas novedosas. Hablo de la iglesia del Padre Ángel, la de San Antón. ¿Qué piensas de esa iglesia? ¿Qué te supone lo que tiene detrás?
 
Yo le propuse al padre Ángel la posibilidad de celebrar los viernes a las siete de la tarde yo una misa con una dimensión actualizada. Si hacemos una encuesta, difícilmente va a haber muchas respuestas que sepan qué es eso de una misa... Misa es vida y vida es misa. Es lo que he tratado de explicar estos viernes que ya he celebrado. Una vida sin misa o una misa sin vida no tienen sentido.

Si tú llevas a la misa los problemas de los cuales el pueblo participa, comentas por ejemplo las noticias de cada día, están haciendo que el simposio o ágape -como se llamaba a la misa al principio- tenga un significado, pueda contener vida. Si sacas de los noticiarios una reflexión, junto a la fraccio panis el resto de la ceremonia va a ser también auténticamente misa. Ahora, con las inmensas posibilidades que hay de estar todos en familia, podemos vivirlo juntos. Oración, misa y noticia configuran un momento auténtico que sobrepasa la ceremonia, porque no se le da tanta importancia al rito sino a la misa. A la Iglesia le sobran ceremonias y la hace falta mucha más comunión, que es la auténtica acción de gracias de la misa. Cuando al final de la misa se dice que ya os podéis ir, es la seña de que empieza la misa: de que, lo que hemos concelebrado, tenemos que recordarlo y proyectarlo a la vida.

Recuerdo una canción de misa de cuando era niño que decía que la misa no terminaba ahí; que ahora la empezábamos a vivir, la teníamos que madurar. Hemos escuchado cómo eres ejemplo de esa rebeldía, de esta rebelión en la Iglesia. ¿Quieres destacar algo más sobre el libro?
El libro está dedicado precisamente a Religión Digital, porque la labor que estáis realizando, director y redactor-jefe, de verdad que es inconmensurable y para los rebeldes nos está suponiendo mucha luz.

Todo gracias a colaboradores como tú.

Otros titulares:

-Me atrevo a decir que hay menos Evangelio en el Derecho Canónico que en la vida del pueblo
-La Iglesia tiene que reconocer que la sociedad civil ha dado más pasos positivos que ella
-A los obispos españoles se les nombró precisamente por no estar capacitados para participar en la rebeldía
-He llevado los periódicos a mis homilías en la iglesia de San Antón, para actualizar la misa
-A la Iglesia le sobran muchos ritos y ceremonias y le falta vida y comunicación
-Cuando al final de la misa se dice que ya nos podemos ir, es la seña de que la misa empieza: de que, lo que hemos concelebrado, tenemos que llevarlo a la vida
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Reportagem por  Jesús Bastante, 18 de mayo de 2015 
Fonte:  http://www.periodistadigital.com/religion/libros/2015/05/18/a

«Eis-me aqui, envia-me a mim»

Américo Pereira* 

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Vivemos num mundo em que o sentido da mediação como absoluta necessidade para que possa haver movimento, diferenciação, está em risco de desaparecer.

Nas pessoas com maior poder económico, as várias engenhocas disponíveis para facilitar a realização de tarefas, associadas ao facto de poderem contar com o esforço alheio – devidamente recompensado ou não – para o mesmo fim, leva-as a pensar que os atos necessários para a vida e os demais ocorrem como que por magia, isto é, como eles próprios não são parte da mediação que realiza o que lhes surge como pronto, vivem como se a vida não implicasse uma necessária presença em ato, ato próprio de cada pessoa, em que esta é meio do movimento que produz a diferença necessária para que possa haver precisamente vida e vida humana.

Para viver de acordo com o que se considera ser o ótimo próprio, basta acenar com a cabeça ou estalar os dedos, ou, ainda melhor, apenas desejar: outros se esforçarão para que quem assim deseja tenha o que anula tal desejo, preenchendo-o, realizando o seu objeto.

Sem o devido esforço mediacional próprio, isto é, exercido pelo próprio, a realidade desmaterializa-se: tudo é fácil como se o sujeito de tal pensar, de tal desejar, fosse uma entidade puramente espiritual que habitasse um mundo de semelhante estofo ontológico.

O mundo em que tais pessoas vivem – e que para elas é real enquanto dura neste modo – depende das mediações de terceiros. Aparentemente mágico, não o é. De facto, o que parece ser alcançável simplesmente através de um desejo implica, para que possa surgir e para que surja, que uma qualquer mediação atue. Estas mediações são de dois tipos, fundamentalmente, em termos da real realidade mundana: seres humanos ou substitutos biológicos ou sintéticos destes, como as máquinas. Mas, ainda estes últimos dependem da ação humana, pois quer os elementos biológicos quer as máquinas têm de ser produto da ação humana a nível da sua criação ou treino e condução.

Quer isto dizer que, não havendo magia, isto é, não havendo realização de coisa alguma sem uma qualquer mediação que a opere, o que para uns é produto vivido como mágico, é, para outros, os que, através do seu trabalho substituem a inexistente magia, fruto de seu esforço.

Mesmo as relações com o divino, quando conscientemente as há, sofrem desta perversão, pois, toma-se Deus por um fazedor de magia, que tem a obrigação de usar os seus poderes de absoluta prestidigitação para resolver todos os problemas que quer os seres humanos quer os seus auxiliares biológicos ou mecânicos não conseguem. Deus, para tais pessoas, é o servo mais precioso, pois é aquele a que se recorre quando todos os outros meios que magicamente nos servem falham.

Se acontece, por coincidência, ao movimento mediacional dos atos que constituem o mundo servir os intentos de tais pessoas, Deus é apreciado positivamente, como se valoriza o fantástico faz-tudo que repara as avarias ou o fornecedor que aporta os bens de que se carece, de que cada vez mais se carece, porque a vida vivida de modo mágico, sem esforço próprio, esgota-se na evanescência da imponderabilidade do que nos acontece sem que sejamos nós a razão real por que tal acontece.

A vida vivida segundo um modo mágico reduz-se a uma contínua paixão, sucessivamente atualizada por isso que nos afeta a partir de uma necessária exterioridade, porque, depois de tanto tempo sem servir de mediação a meu próprio ato, desapareço como tal, como ato, para ser apenas uma consequência das mediações exteriores que me vão mantendo passionalmente como algo que ainda é, mas que já não é algo irredutivelmente próprio, antes uma mera função passiva e passional de atos terceiros.

Findos estes, acabadas todas as paixões, cesso de existir verdadeiramente, sou indistinguível de um cadáver, no que ao sentido diz respeito. Tanto dependi magicamente das mediações de terceiros que a elas me alienei, me reduzi e, quando fico só, porque deixei de ter como poder de algum modo pagar tais mediações, encontro-me reduzido a um nada semântico.

Tais mediações mágicas, compradas e pagas de modos vários – com dinheiro, com o corpo, com a honra, etc. – são sempre formas de alienação da minha substância e da minha essência próprias. Podem ser constituídas por drogas várias, pelo poder político, qualquer, por formas mágicas de relação religiosa. Mas, sendo formas de alienação do fundamental que há em mim e que me constitui propriamente como pessoa, quando cessam, eu, no que de fundamental tenho – e que era falso – cesso também, passando de uma sobrevivente falsidade a uma sobrevivente nulidade. É o preço necessário a pagar pela escolha do fácil caminho da magia, da fuga ao necessário esforço do ato de meu ser, único que pode criar a minha entidade própria, pois, salvo tal esforço, eu não existo e não posso existir. Se o inferno é a medida do afastamento relativamente a Deus, analogamente, esta é a realidade do inferno como afastamento do ser humano relativamente a si próprio. Inferno este que, ao invés do outro, não conta com a infinita misericórdia do objeto de que se está afastado, simplesmente porque o ser humano afastado de si próprio não é capaz de tal infinita misericórdia.

Mas há uma outra forma de magia, esta já não a dos possidentes, mas a dos destituídos: a magia não como forma de parasitismo das mediações de terceiros, mas como forma de substituição de uma realidade que se reduz a servir de mediação para o bem dos outros. A magia assume a forma de instrumentos de alienação, que permitem escapar psicossemanticamente à condição de mera mediação de bens alheios. O mundo enche-se de aparelhómetros, pois os outros seres humanos como mediação mágica são demasiado dispendiosos, que permitem transpor sem outras mediações os escravos para pseudo-mundos, em que já não são meros escravos e instrumentos de bem alheio, mas outros senhores.

Vive-se na alienação do mundo dos jogos, das novelas, da pornografia variada e facilmente acessível, em que a escrava pode ser princesa, o cobarde conquistar mundos sucessivos, o impotente possuir a imagem de fêmeas cuja beleza fabricada nunca encontrará disponível no mundo da carne em que, como escravo, habita.

E a carne sofre a verdadeira trans-substanciação moderna: não a passagem de uma densidade opaca a uma subtil formalização espiritual, mas a passagem, segundo a magia que anula a dimensão material do corpo como necessária mediação para a possibilidade da autonomia, isto é, para a libertação da escravatura, de ser historicamente denso a coisa duplamente des-substantivada – mera função do bem alheio e sobrevivente alienado num nundo anistórico.

No paroxismo desta forma mágica de viver, a humanidade desaparece.

O mundo é o lugar das mediações e não há mundo sem mediações. Quer na versão religiosa do mito da criação genesíaco quer na versão laica científica, não há mundo sem mediações. O mundo é mediação, relação efetiva e atual entre tudo o que o constitui, em permanente movimento e evolução. Mas também, em ambas as narrativas, como o princípio primeiro de que depende, extra ou intramundano.

Deixamos de parte a versão necessariamente intramundana da ciência (que, se não fosse assim, passaria imediatamente a ser uma qualquer forma de religião) e atentamos na versão genesíaca: o ato lógico de Deus, a sua palavra criadora, é a primeira e a grande, absoluta mediação. Esta mediação, que é um ato não-mágico – aliás, o autor sagrado saboreia lentamente os seis longos dias de labor mediacional – instaura, não uma coisa inerte e dada como pronta, mas uma atualmente virtual infinitude de mediações possíveis e atuais, quer dizer, o próprio mundo como conjunto imenso de relações possíveis e atuais, que são o estofo próprio de sua possibilidade.

Dada esta mediação de mediações, Deus, significativamente, descansa. Compete, agora, ao mundo, como mediação de si próprio, ser, em absoluto. O ser do mundo é a sua atualidade mediacional agente. Deus só atua rarissimamente e não o faz por magia, mas através da utilização dos próprios meios com que dotou o mundo.

A grande exceção é mesmo a incarnação do Filho, que não é um ato mágico, mas necessita da mediação do ventre de uma Mulher, sem o que não haveria incarnação alguma. Assim também para tudo o que é considerado milagroso, que não é mágico, mas implica apenas a utilização inusual de meios já existentes. Lembre-se que a inflexão de algo necessita de algo que se possa infletir. A não necessidade de algo com que operar intramundanamente, isso, sim, seria magia. Mas tal nunca acontece.

Ora, a figura do Incarnado é também a figura daquele que se cumpre como ser humano porque não vive de modo mágico, porque não substitui o ato próprio por qualquer forma de alienação: é o seu ato que cumpre a sua máxima possibilidade. Cristo não manda a Mãe ou Pedro morrer por ele na cruz; também não deixa de beber o cálice, isto é, não substitui a realidade da cruz por uma farsa qualquer. É pregado e morto e nem sequer aceita ser drogado para que lhe doa menos.

Este é o senhor que não tem escravos e que não é escravo, nem sequer de seu escravo, porque o não tem. Cristo é a mediação paradigmática. Cristo é a anulação da vida como magia parasitária ou alienante.

Ora, já em Isaías, 6,8 se encontra o paradigma do que é quer a ação modelar de Cristo quer o modo único de o ser humano comum poder ser livre e autónomo. Diz assim o texto, sendo a interrogação pertencente a Deus: «A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: eis-me aqui, envia-me a mim.» (1)

Deus criou os meios. Todos. Imediatamente, no ato primeiro da criação. Mediatamente, por ação dos primeiros em relação e movimento evolutivo. Quando é necessário fazer, ir ou enviar, compete ao meio fazer, ir, ser enviado.

Eu sou o meio, eu o enviado, eu o que vai, eu o que faz. Se não for, porque o meio adequado sou eu, mais nada irá, não de forma adequada. Nada substitui a mediação exata, precisa que é aquele que depende de mim. Se a não operar, é um bem possível que se perde para sempre. É isto é o princípio do mal e a sua realização. O mal sou eu quando deixo de ser o meio, único, necessário para realizar o bem que mais pessoa nenhuma pode realizar por mim. Afastando o bem do mundo do melhor bem possível do mundo, que, no limite, é o próprio Deus, opero, por definição, um ato infernal.

Afinal, deste ponto de vista, Sartre enganou-se: o inferno não são os outros, sou eu, quando os traio e me traio como mediação necessária. São os outros, sim, quando fazem precisamente isto mesmo relativamente a mim.

Que inferno bem terreno foi esse proporcionado por aqueles que, contemporâneos de Sartre, poderiam ter esmagado o nazismo no seu berço e não o fizeram. Como exemplo, basta.

A versão dos Setenta do texto citado usa como forma verbal para o «envio» «aposteilon me». Faz de mim apóstolo. Reside aqui a forma da possibilidade da liberdade autónoma do ser humano: ser apóstolo do bem, ser sempre e indefetivelmente mediação do bem. Ou ser apenas vão metal que empurra moléculas de ar.

(1) Antigo Testamento Poliglota. Hebraico, grego, português inglês, São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, p. 1427; p. 1426 para a versão grega. Neste sentido, a vida humana é um apostolado mediacional, cumprimento da própria criação como possibilidade máxima de bem. O mal é toda a falha neste apostolado.
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* Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas
Publicado em 25.05.2015
Fonte:  http://www.snpcultura.org/eis_me_aqui_envia_me_a_mim.html

domingo, 24 de maio de 2015

Quer Dizer que Sou Obrigada a Ser Feliz?

BATATAS

"Se a felicidade é uma obrigação, 
ela é uma ordem do superego, 
então perde qualquer possibilidade 
de ser espontânea."
- Psicanalista Maria Rita Kehl -

Certa vez, fui preparar um almoço e pensei ter adquirido uma inusitada lição de vida e de perspectiva plácido-otimista ao despejar umas batatas sorridentes e redondas numa frigideira com óleo. Veja bem, aquela gordura estava hiperbolicamente quente, mas isso não impedia aqueles pedaços de amido amarelado de sorrirem e dançarem em volta do próprio destino trágico. Você até pode se queimar e sofrer as esturricadas da vida, mas é preciso ter força, raça, grana e, acima de tudo, sorriso. Joga peteca? Então, não a deixe cair. Porque desânimo é coisa de fracote, e a felicidade é um dever de casa cotidiano resolvido com dificuldade por toda a população global.
Não basta o parabéns pra você desejar UMA felicidade: ele desperta em você a expectativa de MUITAS felicidades. Assim, várias, coletivas, plurais, para quando uma acabar, você ter condições de repô-la com outra e jamais ficar sem. A felicidade, já discutida pela filosofia antes mesmo de Cristo, tornou-se direito do homem em 1787, com a Constituição dos Estados Unidos, e caminha, no século 21, de mãos dadas com a OBRIGAÇÃO, especialmente propagada após a Revolução Francesa. A gota de orvalho, quem diria, se tornou uma penosa imposição que classifica os seres humanos em vencedores e fracassados, ignorando as nuances dessa estrada altamente customizável e imprevisível chamada VIDA. "No século 21, parece que há um empuxo radical para que sempre, e em todo o momento, o sujeito tenha que se mostrar feliz", denuncia Claudio César Montoto, psicanalista e professor do Curso de Especialização em Semiótica Psicanalítica da PUC-SP.

Mostrar-se feliz, de fato, é imperativo tanto presencialmente quanto nas fotos do Instagram ou nos posts nas redes, fazendo com que real e virtual se embaralhem. Esbanjar felicidade online e off-line é uma lei. "A característica desta contemporaneidade pode ser estudada a partir das redes sociais, como por exemplo o Facebook, onde fica claro que o imaginário que é a rede é tomado como o real, como a vida. Até a pornografia está funcionando, para o sujeito contemporâneo, como um modelo a ser atingido", completa Montoto.

"A obrigação vem de quase todo o mundo. A sua família e seus amigos querem te ver sorrindo e cheia de vida 24 horas por dia. Isso porque as pessoas que se importam conosco ficam aliviadas em ver alguém que ama feliz. A questão é que elas não percebem que essa cobrança pode te deixar ainda mais infeliz", lamenta a jornalista Fabiana Schiavon, 36 anos.

A psicanalista e diretora Geral da CLIPP (Clínica Lacaniana de Atendimento e Pesquisas em Psicanálise) Carmen Silvia Cervelatti lembra que esse imperativo de felicidade é determinado pelo discurso capitalista, na medida em que incessantemente oferece objetos e a satisfação que seu consumo gera é mais fugaz a cada dia. "Isso favorece a ilusão de que ter aquilo que, supostamente, todos poderiam ter, é sinônimo de felicidade. Porém, constata-se que o 'todos iguais' no gozo conduz a um consumo desenfreado e a patologias bastante específicas, como as compulsões."

Essa pressão pela felicidade automaticamente exclui o sofrimento, a decepção, a limitação e o conflito, condições inseparáveis do ser humano. Onde, nesse pacote de bondades, entraria a tristeza? Simplesmente não entra, é reprimida, já que ela é tratada como depressão e, portanto, para ser medicada, basta um passo.

É grande a tentação para culparmos o Voltaire e seu paraíso terrestre, o supermercado de gente feliz, a batata que sorri, a gelatina com bocona, as propagandas de perfume, o décimo terceiro salário, as pastas de dente tão revolucionárias que até fazem canal. Tomem aqui essa pílula de felicidade, acessível e fácil. Porém, com choro ou não, o papo real é que não vamos atingi-la. Simplesmente não vamos. "O mal-estar é inerente à civilização", Carmen recorda, citando Freud.

Aí está o problema: essa pressão pela felicidade automaticamente exclui o sofrimento, a decepção, a limitação e o conflito, condições inseparáveis do ser humano. Onde, nesse pacote de bondades, entraria a tristeza? Simplesmente não entra, é reprimida, já que ela é tratada como depressão e, portanto, para ser medicada, basta um passo. "A obrigação de simular uma felicidade constante é uma lei dos nossos dias. Mas esse fazer de conta não soluciona nada; pelo contrário, piora, porque retorna, como nas doenças somáticas e nos acidentes cotidianos", alerta Montoto. Não à toa, ansiedade, depressão, fobias e compulsões aparecem, fazendo com que a busca mandatória pela tal felicidade seja, perversamente, um caminho para a infelicidade. E não podemos esquecer a toxicomania, utilizada para se chegar ao êxtase. 

Quis fazer e ser tantas coisas ao mesmo tempo que acabei dando uma travada total, o que acabou me levando para o hospital.

E o que nos levaria a cair nesse discurso? Possivelmente, a crença de que ser feliz seja uma conquista plenamente acessível – só depende de você fazer tudo certinho. Esse discurso, tão presente no capitalismo, gera uma infinidade de "receitas", o que nos leva a renunciar ao nosso próprio desejo e, perguntar, ao outro, o que devemos fazer. Se esse outro tem a resposta, essa tal felicidade fica ainda mais próxima. "O mercado, em termos gerais, nos aponta que tipo de alimentos devemos ingerir, que corpo devemos ter, a lista de requisitos para enlouquecer nosso parceiro na cama etc", exemplifica Montoto.

Tentar seguir modelos de felicidade acabou detonando um surto na estudante paulistana M.M., de 21 anos. Ela ficou 11 dias internada e foi diagnosticada com depressão, que hoje trata com homeopatia, atendimento psiquiátrico e duas sessões semanais de análise. "Eu tentei fazer tantas coisas ao mesmo tempo, seguir tantos exemplos. Tenho uma tia que é um grande exemplo pra mim de pessoa feliz. Ela faz teatro, fez Ciências Sociais, assim como eu tava fazendo, e eu tentei trazer isso pra mim. Era um ritmo que eu não aguentava. Quis fazer e ser tantas coisas ao mesmo tempo que acabei dando uma travada total, o que acabou me levando para o hospital."

Após o surto, M. trancou o curso de Ciências Sociais na USP (Universidade de São Paulo) e foi trabalhar em um shopping da zona oeste da capital. A decisão foi criticada, e ela mais uma vez se sentiu pressionada a ser feliz a qualquer custo. "Eu consegui me reerguer com muita ajuda da terapia, e só consegui essa reviravolta na minha vida com coisas que não foram muito bem aceitas. Eu trancar a melhor faculdade do Brasil e virar operadora de caixa fez com que dissessem 'você está fazendo tudo errado'."

Se a felicidade é uma obrigação, ela é uma ordem do superego, então perde qualquer possibilidade de ser espontânea.

Paradoxalmente, o deprimido é aquele que recusa e não se deixa enganar por essa promessa de felicidade. A designer M.B., 29 anos, de São Paulo, precisou se enxergar deprimida para perceber as cobranças que fazia de si mesma para ser feliz, especialmente depois de ter um sonho realizado: ser pedida em casamento. Como assim, ela, que vivia sorrindo para tudo, deprimida? O alerta só chegou quando buscou ajuda com um psiquiatra ortomolecular.

"Eu vivo dando risada, mas no fundo, eu não estou. Eu não sei explicar se é porque eu quero agradar aos outros. A tristeza vem quando eu estou sozinha, que aí não tem a obrigação moral de me mostrar bem. Isso começa a agravar outros lados da vida, como eu ficar muito doente. Eu vivo em médico, sou extremamente hipocondríaca. Sinto que é um reflexo dessa cobrança gigantesca. Eu quero o meio termo, não a euforia extrema e a tristeza extrema", afirma.

Desencana que é melhor

O francês Jacques Lacan certa vez deu uma dica polêmica: não procure a felicidade, essa busca vai te trazer mal. Calma, tem um motivo, aqui explicado pelo psicanalista Montoto: a procura pela dita-cuja como se ela fosse um lugar de chegada sempre será fadada ao fracasso porque se trata de momentos de prazer, e não de um estado permanente. "Se realmente pudesse ser um estado permanente seria, simplesmente, um tédio insuportável. O que dá tempero à vida são a flutuação, os conflitos e os desafios", ele frisa.

Ainda assim, as pessoas que procuram os psicanalistas querem ser mais felizes, observa Carmen. "Seria uma impostura prometer a felicidade, já que uma análise deve conduzir um sujeito a ficar mais livre do peso dos ideais, a reinventar sua vida e a se arranjar de uma nova maneira com o mal-estar."
A jornalista Fabiana foi buscar ajuda para lidar com o mal-estar. "Uma vez senti que a tristeza tinha saído do controle. Procurei uma psicóloga, com quem me consulto até hoje, e na época também tomei remédios com a orientação de um psiquiatra. É importante ter ajuda de fora. É fácil acreditar que não é preciso ser feliz, ter outras convicções, mas nem todos somos fortes para nos manter em equilíbrio o tempo todo, e isso não deve ser um problema. Sou feliz por ter aprendido muito com essa fase. Quem não sofre, também não sabe o que é não sofrer ou estar em paz. A ideia é entender que a vida é uma grande experiência."

M., que trancou a faculdade, está respeitando o próprio tempo e a própria noção de felicidade, tentando não dar ouvidos à pressão para que ela se reerga logo e seja feliz. "Você se sente mal por estar mal. É uma sensação muito ruim. As pessoas encaram como 'é muito fácil você sair daí e se reerguer' num momento em que realmente não é, porque não depende tanto de você querer. Os seus quereres estão muito confusos", ela conclui.

Seja nos tempos anteriores a Cristo, seja no século 21, não há nada de errado em desejar ser feliz. Desde que isso não seja uma imposição, como frisa a psicanalista Maria Rita Kehl. "Se a felicidade é uma obrigação, ela é uma ordem do superego, então perde qualquer possibilidade de ser espontânea."
Eu já vinha questionando a legitimidade da lição de vida aprendida com a batata que sorri na gordura quente, e a rotina prática – adoro cozinhar – acabou ajudando a derrubar essa auto-ajuda-carboidrática. Percebi que cortar e fritar minhas próprias batatas, tortinhas mesmo, imperfeitas com seus pedaços de casca e sem reações de sorriso, tava me rendendo uma baita experiência gastronômica e de alegria subjetiva. Vai ver, essas foram preciosas horinhas de descuido. 
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Por Amanda Mont’Alvão Veloso 
Fonte:http://www.brasilpost.com.br/2015/05/24/felicidade-e-obrigacao_n_7430004.html?ir=Brazil

sexta-feira, 22 de maio de 2015

4 passos para alcançar a felicidade, segundo o monge budista Matthieu Ricard

MATTHIEU RICARD

Não. A felicidade não tem cheiro, não é algo palpável. Não está em ter um carro novo, o apartamento perfeito, a roupa de marca, alguém para amar ou o prazer em comer aquele pedaço de bolo de chocolate com cobertura extra. E não é "um revólver quente" como cantaram os Beatles. Ela não é uma sensação de prazer ou algo momentâneo.

Mas é algo possível. E pode ser (sim!) o sentimento que determina cada instante da sua vida -- se você aprender a controlar a sua mente. O monge budista Matthieu Ricard, é considerado "o homem mais feliz do mundo" e acredita nessa ideia e quer que ela circule por aí.
 
Segundo ele, a felicidade deve ser entendida como um sentimento profundo de serenidade e realização que sustenta todos os outros estados emocionais. Ou, se você quiser simplificar, é aquela sensação plena de bem-estar, mesmo quando o mundo está caindo à sua volta (ele conta aqui como chegou até ela). Eis 4 passos para entender e conquistar a felicidade, segundo Matthieu:

1. Escolha transformar o seu sofrimento
Ninguém acorda pensando: "Que dia lindo para sofrer", ou "Tomara que eu sofra o dia todo!". Mas, tudo o que fazemos, direta ou indiretamente, está ligado a um desejo profundo de bem-estar e felicidade. Certo? Afinal, ninguém sai de casa esperando que coisas ruins aconteçam. Mas por que continuamos sofrendo como se estivéssemos enfeitiçados por uma obsessão? A resposta está em nossa própria mente: ela não tem o treinamento adequado. Escolhemos focar a atenção plena no sofrimento -- e só nele. Segundo Matthieu Ricard, este "foco" só provoca o aumento da agonia. Quando um tema traz angústia é porque os pensamentos insistem em regressar à origem da dor e é preciso deixar de lado as emoções negativas para desenvolver as positivas (mas não é algo que acontece do dia para a noite. Exige tempo e esforço -- veja o tópico 4).

2. TER TUDO não é sinônimo de felicidade
A busca pela felicidade, muitas vezes, se dá de forma equivocada. Ela não está em "coisas" e não está ligada ao sentimento de prazer, ou a momentos considerados "felizes". Na sociedade ocidental, "ter tudo" é sinônimo de sucesso, de felicidade, de realização pessoal. Mas, na visão de Matthieu, o "ter" é um grande perigo. Já que se houver algo que não se conquiste, tudo ao redor pode desabar. Para ele, o controle que temos sobre o mundo externo é muito vago, limitado, temporário e, frequentemente, ilusório. Por isso...

3. Busque olhar para si, e não para o outro
Você pode estar no melhor lugar do mundo, mas completamente infeliz.
Então, como é possível criar condições para que a felicidade aconteça? Como identificar os sentimentos que possam minar a felicidade? Sentimentos tóxicos como ódio, raiva, inveja, arrogância, desejo obsessivo e ganância, deixam marcas e são capazes de interferir na felicidade do outro. A resposta é: olhar para as condições internas de mudança -- já que estão mais próximas e são mais fortes.

Segundo Matthieu, esta é a base de transformação da mente e o antídoto para estas emoções que minam o sentimento de bem-estar: não focar o objeto do ódio, mas sim, em como você lida com ele e treinar a mente para dissolver este sentimento até que, caso surja de novo (e sabemos que vai), ele apenas passe por ela sem deixar marcas.

4. Conheça e transforme a sua mente: medite!
Matthieu disse em entrevista à revista Galileu que não considera o budismo uma religião: "Não perdemos tempo discutindo Deus. A questão é irrelevante. Buscamos saber como a mente funciona. Precisamos refinar a percepção de nossa realidade." E é aí que o papel da meditação entra. Uma mente mais tranquila responde melhor aos desafios impostos pelo cotidiano, enquanto uma contaminada por emoções descontroladas levam a um caminho longe do equilíbrio e da serenidade.
Segundo ele, quanto mais aprendemos a lidar com estes sentimentos de forma passageira em nossa mente, podemos ser como o mar: por mais que as ondas fiquem inquietas na superfície e tempestades ocorram, a profundeza do oceano não muda, continua intacta. Lembra daquela história de "para ser grande, sê inteiro", de um dos poemas de Fernando Pessoa? É mais ou menos isso. E o caminho é aprender a meditar. Cientistas apontam que, pelo menos, 20 minutos por dia, durante duas semanas, pode ser revolucionar a sua percepção. 
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Reportagem por   |  De Andréa Martinelli

Universidade, Fé e Cultura

A Universidade é o local ideal onde a fé e a cultura devem procurar a Verdade. O serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior quer ajudar a este diálogo, auxiliando as instituições a reposicionaram-se na sua função de levar os alunos a fazerem perguntas. No início das suas funções enquanto assistente nacional deste serviço o padre Eduardo Duque traça à Agência ECCLESIA os principais objetivos que gostaria de desenvolver, independentemente de quem, no futuro governo, venha a assumir a tutela.

Agência Ecclesia (AE) - Dias após a divulgação da sua nomeação pela Conferência Episcopal Portuguesa, apresentou como objetivo a necessidade de que cada diocese tenha um responsável pela pastoral universitária. Que realidade lê na pastoral do ensino superior para formular essa meta?
Padre Eduardo Duque (ED) - Todas as instituições precisam de um motor: se esse motor andar bem, a instituição anda bem. Se em cada diocese houver alguém que seja o motor, então a pastoral universitária terá expressão, porque neste momento, não tem representatividade suficiente. Algumas dioceses não têm representação na pastoral nacional.
 
AE - Que consequências encontra dessa falta?
ED - O país não está bem representado: as realidades, as vivências religiosas. Encontramos uma pastoral nacional centrada em Lisboa, Porto, Braga, Coimbra, Aveiro, mas todas as outras zonas possivelmente não estarão tão bem representadas. Uma das minhas preocupações é que em cada diocese haja um motor, alguém que puxe, alguém que convoque e provoque este encontro entre a Universidade e a Igreja. Caso contrário, a nossa missão não faz sentido.
 
AE - Até para ajudar alguns responsáveis a trabalhar com os jovens nesse meio, porque muitos não saberão como…
ED - Um dos desafios que estou a sentir, que tenho vindo a sentir, e agora de uma forma mais explícita, é fazer o que não fizeram comigo. Comecei na pastoral universitária (em Braga, ndr) sem formação e a tentar fazer pastoral de forma caseira: tentando aproximar-me das pessoas, sugerindo alguns encontros, ver o que se fazia. Se tivermos uma pastoral universitária mais unificada e simultaneamente, em todas as dioceses, estaríamos a otimizar recursos e estratégias para quem está a começar.

Creio que seria muito importante propor futuramente uma formação para que esse motor, antes de assumir funções, possa preparar-se para o início do ano. No fundo possa fazer a experiencia e aprender o que é a pastoral universitária, que atividades se fazem, qual é a missão da Igreja na Universidade.

Se assim for a pessoa desenvolverá funções com maior segurança, bem alimentado para poder alimentar os estudantes, professores e funcionários.
 
AE - Como é que se deve desenhar a presença da Igreja no meio universitário?
ED - Uma das coisas que me é muito querida é o diálogo entre a fé e a cultura. Creio que existe uma falta de sintonia entre as duas e devemos ajudar a mostrar que não são duas dimensões do ser humano mas que ambas coabitam no mesmo espaço, na nossa vida, na mesma pessoa.

Estas duas dimensões interagem. Do meu ponto de vista, se integradas e, de facto se caminhassem juntas, não saberíamos separá-las: uma fé que caminha passo a passo na Universidade, uma fé que caminha pouco a pouco com a cultura da pessoa e, simultaneamente, a cultura que vai à procura de razões, de verdade.

Quer a fé quer a cultura têm de procurar a verdade e o local ideal é a Universidade, porque a Universidade ensina a fazer perguntas, não dá respostas, ou dá poucas. Deveria levar a pessoa a fazer perguntas.

O estudante vai procurar as respostas nos livros, nos apontamentos, online, etc. Mas acima de tudo o professor devia desafiar o aluno. É a cultura que desafia o individuo que tem fé. A pessoa que tem fé, simultaneamente, está a ser desafiada e está a responder àquele ato. Os tempos que estamos a viver são propícios para esta caminhada.

Isto leva-nos a pensar que durante muito tempo a Igreja viu a modernidade como um bicho papão e deu-se uma grande separação. Atualmente, está a dar-se uma aproximação, a Igreja caminha e está em todos os meios, caminha com as dificuldades e alegrias das pessoas. Se é esta Igreja que caminha, então é altura para nós potenciarmos e mostrarmos que há um caminho a fazer, que é o caminho da pessoa - mostrar que a pessoa que tem esta dimensão religiosa, uma dimensão da procura, é também a pessoa que procura a sua realização e, dentro de si, ser melhor pessoa. E isto acontece onde? Na pessoa. Nós somos um só.

Fernando Savater, inspirado numa ideia aristotélica, dizia que existe um problema quando nós pensamos que somos um só. Nós somos um só em várias dimensões, mas a pessoa torna-se mais rica quando ela própria aprende a conviver com as suas várias realidades. Em si faz a própria simbiose. Aquela pessoa que sente este chamamento de Jesus está simultaneamente a cultivar-se.
 
AE - Nesse encontro, poderíamos colocar a fé e a ciência, tantas vezes vistas como antagonistas?
ED - Eu não assumiria esta missão se pensasse de outra forma. A Universidade é o local ideal para se procurar a verdade. A verdade é o diálogo entre a fé e a ciência.
Na Antiguidade havia uma razão que dava sentido a tudo. Essa razão aproximava-se muito da cosmologia religiosa. A religião explicava tudo. Entretanto, esta razão explicadora foi-se diferenciando em vários saberes, várias ciências e encontramos uma razão diferenciada.

Max Webber diz que é desta diferenciação da razão que proliferam várias esferas de sentido, várias esferas de valor. É aqui, nesta razão diferenciada, que acontece um encontro mais verdadeiro. Na expressão de Webber, como existem muitas esferas de sentido, a pessoa tem muitos caminhos para eleger e procurar.

A grande questão é: nesta oferta com tanta diferenciação da razão nós procurarmos o nosso caminho e cada pessoa deve fazer esse caminho, a procura da verdade. Para quem é crente e cristão, a sua verdade é o encontro com Cristo. Os tempos que vivemos são brilhantes para que cada ser humano encontre esta verdade.

São João da Cruz tem uma frase interessante, porque diz que perder-se na estrada é encontrar o caminho. A razão diferenciada é a grande estrada e, às vezes, perder-se nesta estrada é encontrar o caminho. No meio destes saberes, da pluralidade de tanta oferta tão típica da pós-modernidade, saber encontrar o seu caminho e a sua verdade é estupendo.

Creio que dá simultaneamente uma frescura à vida, torna-a mais leve. Temos de tornar a nossa vida mais leve, não só para nos sentirmos bem mas também para a transmitir aos outros. Em tempos tão difíceis, é importante saber escolher. Para isso é preciso ter razões para escolher bem.
 
AE - Recentemente o Secretário de Estado do Ensino Superior, José Ferreira Gomes, afirmou a necessidade de, perante os desafios demográficos, a Universidade se reinventar. Que contributo pode a Igreja dar a esta reinvenção do ensino superior?
ED - Creio que Portugal - não só o nosso país mas outros igualmente - vai ter de fazer uma séria reflexão sobre o Ensino Superior, porque pode estar a enveredar por um caminho de racionalização.

Poderemos não vir a ter alunos para todas as Universidades, o que levará a um redimensionamento das instituições que, naturalmente, estão muito preocupadas com números, em cativar os alunos e menos em propor pensamento, em procurar a verdade de que falamos.

Claro que é importante ter alunos, tal como é importante ajustar a oferta às necessidades do mercado. Mas que a Universidade seja o local onde cada aluno possa encontrar a verdade; onde os professores não sejam simples funcionários, mas aqueles que professam a verdade. Então o aluno é tocado por aquele docente perante o que lhe está a ser ensinado.

Creio que vale a pena repensar as Universidades em Portugal e neste sentido, se assim pudermos contribuir, aportando uma ou outra ideia, no sentido de lutarmos contra um pensamento muito neoliberal. Ajudarmos a que a Universidade seja o local da procura da verdade e não tanto a instituição que anda no afã de encontrar alunos para a sua subsistência.
 
AE - A Igreja deseja ser condutora da procura da verdade, do bem e da beleza, também aqui na pastoral do ensino superior, como explicou, mas não podemos esquecer que a presença da Igreja na Universidade é também um ponto de apoio social e económico para muitos alunos…
ED - Nos últimos anos a Pastoral do Ensino Superior fez uma reflexão em torno dessa questão, que se poderá colocar novamente, porque haverá alunos que continuam a não ter as suas necessidades básicas satisfeitas para ingressar no ensino superior.

Em Braga – e falo de Braga porque, neste aspeto, é a realidade que conheço melhor – ajudamos imenso vários alunos, em especial vindos do PALOP. São alunos que chegam a Portugal à procura de um país cor de rosa, onde possam estudar e simultaneamente encontrar trabalho para compensar o pagamento das propinas. Mas este Portugal, hoje, não existe.

É preciso pensar se muitos dos alunos que vêm dos PALOP estão de facto bem conscientes da nossa realidade económica e social para que não venham enganados.

Temos ajudado muitos alunos, é verdade, alguns portugueses também. Creio que valerá a pena fazer uma reflexão conjunta e, talvez numa das próximas reuniões, pensar sobre a melhor forma e, no fundo, fazer um diagnóstico da procura e apoio por parte dos alunos.
 
AE - Alguns para não desistirem dos seus cursos...
ED - Vamos acompanhando algumas situações, todavia em conjunto, este ano não fizemos uma análise desta questão. Gostaria de a fazer em breve para repensar a nossa forma de ajuda e estar verdadeiramente junto dos estudantes porque é essa a nossa missão.
 
AE - O Ensino Superior sofreu, com o último governo, uma «descategorização», estando sobe a alçada de uma secretaria de Estado. O ministro Nuno Crato está a encerrar funções e o padre Eduardo Duque está a iniciá-las. Como gostaria que fosse a parceria estabelecida com o futuro governo nesta área, independentemente de se manter como secretaria de Estado ou como ministério?
ED – Independentemente de quem vai estar em funções, seja o professor Nuno Crato ou outro no lugar, o que me preocupa não é a pessoa em si mas o modelo de Universidade porque implica uma pessoa.

O que queremos para a nossa sociedade? Que tipo de pessoa queremos? O nosso contributo pode ser mais nessa reflexão. Não só mandatados pela Doutrina Social da Igreja, ajudando quem precisa, mas também no domínio da reflexão.

O que podemos fazer para contribuir para criar uma Universidade mais autêntica, que ajude a formar melhor as pessoas, que cada pessoa ganhe autoconsciência?

Creio que a nossa posição deverá ser neste caminho, independentemente de quem venha a ser responsável prelo setor. O mais importante seria resgatar a Universidade de um caminho tão preocupado com números – e a questão demográfica vai colocar-se indubitavelmente – mas retirar a Universidade destas preocupações e levá-la para o seu local certo que, acreditamos, é ajudar a formar homens e mulheres.
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Reportagem por  Lígia Silveira 22 de Maio de 2015
Fonte:  http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/entrevistas/universidade-fe-e-cultura/

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Cada estação da vida tem o seu paraíso.

Enzo Bianchi* 

"Belas imagens, mas que desapareciam velozmente, porque a fé racional me impelia a compreender que o paraíso não era um lugar, e sim uma condição de comunhão com o Senhor".

Todo cristão que recita o “Credo”, a profissão de fé, diz: “Creio na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém”, e este crer não é periférico, mas fundamental na fé cristã. O cristão crê, portanto, que haja um após a morte, uma vida plena para sempre, na qual não haverá mais pranto, nem dor, nem doença, nem morte, mas a alegria eterna da comunhão, através de Jesus Cristo, com Deus e com os homens e as mulheres salvos ou salvas por Ele. Também eu, enquanto cristão e monge, partilho desta esperança, mas confesso que o meu imaginário é muito pessoal e se modificou nas diversas estações de minha vida. A questão que se me põe: “Como imaginas o paraíso?”, me impele, portanto, a dar diversas respostas.

Acima de tudo, o paraíso é uma imagem que nos é transmitida quando somos pequeninos, e assim foi também para mim. Quando morreu minha mamãe eu tinha somente oito anos. Perguntava para onde tinha ido, porque ainda não conseguia compreender a morte, e me respondiam: está no paraíso, num belo jardim, e lá passeará entre as abróteas, flores muito perfumadas. Assim, portanto, eu imaginava o paraíso e esperava ir para lá em breve, para reencontra minha mamãe e ver estas flores perfumadas que ninguém sabia descrever-me, porque em Monferrato ninguém jamais as vira.
Com a juventude e os estudos bíblicos, elaborei outras imagens, frequentemente em contraposição ao possível resultado oposto: os infernos, lugar de perdição, longe de Deus e de todos os outros.

O paraíso assumia as imagens da Bíblia que eu lia e estudava: um lugar pleno de luz, no qual jamais havia noite; um lugar de paz, sem litígios, disputas, violências, guerras; um banquete com abundância de comidas requintadas e de vinhos refinados; tanta música e a possibilidade de estar juntos, numa festa contínua... Belas imagens, mas que desapareciam velozmente, porque a fé racional me impelia a compreender que o paraíso não era um lugar, e sim uma condição de comunhão com o Senhor. Agradava-me, todavia, a imagem da refeição com pratos sempre novos e de gosto extraordinário, da escuta de músicas que tornavam a eternidade suportável...

Depois as imagens do paraíso ainda mudaram, entre dúvidas, renovação da esperança, às vezes também cansaço das próprias imagens e desejo de renová-las. Agora que sou idoso, o paraíso ou a saída contrária do inferno estão sempre mais próximos: não escondo certo pavor que me habita no pensamento da morte, porque creio no julgamento de Deus sobre minhas responsabilidades, sobre meu agir que tem sido bom ou mau. Espero principalmente que ninguém vá ao inferno; mas, se alguém for, então – me digo – corro o riso de também eu ir para lá, pois não me sinto tão diverso dos outros no consentir ao egoísmo que me habita. E as imagens do paraíso, como idoso? Sumiram. Hoje não consigo dizer, não consigo imaginar, não ouso sequer pensar em dizer algo que o descreva. Na minha fé só existe uma coisa: uma grande comunhão em Jesus Cristo, na qual reinará o amor.

Estou convencido que, quem o amou aqui na terra, o encontrará também lá, e assim continuarão o nosso amor e a nossa amizade. Se eu pensasse em ir para lá e não encontrar mais os meus amigos, preferirei não ir para lá! Espero reencontrar esta terra que tanto amei, certamente por Deus transfigurada, mas ainda esta terra com suas colinas, suas vinhas e seus bosques... Sim, gostaria que continuassem as “histórias de amor” vividas aqui: antes, que retornassem aquelas que se interromperam e, sem ciúmes nem concorrências, pudéssemos todos juntos bebere nas taças do vinho do amor. Para fazer-vos sorrir, caros leitores, vos confesso que tenho outro medo: de terminar, sim, no paraíso, mas junto a pessoas que não me agradavam, embora irmãos ou irmãos na fé e talvez também de renomada santidade. Não, isto propriamente não! Mas talvez, se Deus me salvar, terei mudado tanto que suportarei também isto. Contanto que o Senhor não me faça perder os amigos, aqueles que amei bem e aqueles que amei mal: vou querê-los comigo.
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*Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo puvblicado no sítio Il Fatto Quotidiano, 18-05-2015. 
A tradução é de Benno Dischinger.
Fonte: IHU online, 21/05/2015