sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O futurista Gerd Leonhard desenha “o bom futuro”


O indiscutível fã de Star Trek, Gerd Leonhard, traçou um plano para a Humanidade: “O Bom Futuro” concentra-se em 4 Ps – Pessoas, Planeta, Propósito e Prosperidade, e quer virar o Mundo do avesso. Renuncia ao otimismo tecnológico a favor do humanismo progressista. Acredita num Mundo em união, onde todos os continentes prosperam e têm uma direção comum. Com a Tecnologia e a Ciência a favor da totalidade da população na Terra, um a um, os 8 mil milhões de pessoas. E vê nas novas gerações a salvação do Planeta. 

Gerd Leonhard traz boas notícias e muita fé na Humanidade. A sua visão é de um Humanista perante um Mundo multipolar, concentrado numa protopia, e Gerd está convicto de que um novo Mundo está a chegar. Antes que seja tarde, é preciso definir uma direção, uma nova teoria económica, uma nova bolsa de mercados, um Governo global e criar um Conselho composto por pessoas esclarecidas e sábias de todos os cantos do Mundo. «E não me refiro a CEOs ou políticos, precisamos de mais Sócrates tal como na Grécia Antiga», esclarece. Gerd estudou Teologia e Ciências Sociais. Foi músico de rock, compositor, ativista dos Verdes e empreendedor. É autor de vários livros e um dos futuristas mais requisitados sobre a era digital.  

Porque é tão importante o futuro, agora mais do que nunca?

A grande questão sobre o futuro hoje é que já não é sobre amanhã. O futuro já chegou, temos máquinas com quem podemos falar, temos computadores com superpoderes, carros automatizados. Quando falávamos sobre o futuro há 10 anos, debruçávamo-nos na ficção científica. Costumo dizer que a ficção científica se transformou em factos científicos. É muito importante pensar no futuro como algo que nós construímos e não como uma coisa que apenas acontece.  

Este é o momento da História em que muitas das decisões que estão a ser tomadas vão ter um impacto muito maior no nosso futuro.  

Tal como nos anos 60 com a bomba nuclear, as novas armas e os acordos de polarização, agora temos de lidar com as máquinas inteligentes, com as alterações climáticas, a automação, a Europa e a Rússia. É um momento na História em que a curva pode subir e podemos ter um futuro muito melhor, ou a curva decair por todas as más decisões que continuamos a tomar.

Está a dizer que o futuro já está predeterminado?  

Há situações que não controlamos, como a queda de um meteorito ou as pandemias, embora agora já estejamos mais bem preparados.  

Temos controlo em 98% das situações futuras; podemos mudar as alterações climáticas e podemos trabalhar no futuro do Trabalho. Na maioria das situações, podemos fazer alguma coisa.  

Temos a Ciência e a Tecnologia, mas tomamos as decisões erradas, usamo-las no que não era suposto. Não investimos em coisas sustentáveis, pomos dinheiro em mais gás de petróleo liquefeito (GPL), também não parecemos estar na mesma página sobre o que queremos no futuro. 

Mas há esperança? Está otimista? 

Sim, estou esperançoso. A boa coisa do futuro é que temos toda a Tecnologia e a Ciência de que precisamos, e inventamos coisas todos os dias. Se olharmos para as invenções de tudo o que precisamos sobre energia solar é incrível. Nós realmente conseguimos resolver este problema. Mas também temos a incapacidade de executar a política certa.  

Estou muito esperançoso com as novas gerações, dos 22 anos aos 45 anos, estou a contar com essa geração para fazer a diferença.  

Temos de mudar o nosso modelo de negócio do Mundo, até agora tem sido o lucro e o crescimento, e isto está a matar-nos. Basicamente, se continuarmos desta forma vamos manter os problemas climáticos e a IA fora do controlo. Sou demasiado otimista, mas acho que precisamos de uma terapia de choque, o tempo para nos sentarmos e falarmos do que faria sentido já terminou. Se não tomarmos uma atitude nos próximos 10 anos para a executarmos de facto, as coisas vão ficar muito complicadas e cada vez mais difíceis de alterar. 

O que podemos fazer para construir “O Bom Futuro”? 

Trabalho neste tópico “O Bom Futuro” há quase cinco anos, já antes da COVID, e acho que a pergunta não é tanto o que podemos fazer. Nós podemos fazer muitas coisas, em termos de Ciência; posso conectar o meu cérebro à Internet, posso ir dormir e acordar de um congelamento profundo daqui a 100 anos. Em 2030, vou conseguir fazer coisas semelhantes ao Star Trek, como ter energia ilimitada da fusão nuclear, vamos conseguir provavelmente mudar o genoma humano para evitar cancro. Mas precisamos de definir um propósito, uma direção, o que queremos alcançar. Queremos simplesmente mais dinheiro, ou queremos focar-nos no Planeta, na felicidade das Pessoas, num Propósito e também na Prosperidade.  

O que está a acontecer é que a parte Sul do Globo está a tomar todas as decisões. Daqui a 27 anos, 40% da população global vão estar concentradas em África, porque há cada vez mais bebés. O Brasil, a Índia, todos estes países vão chegar ao poder. O nosso Mundo está a mudar por completo. E se não envolvemos a parte Sul não vamos conseguir resolver os problemas. Basicamente, acho que “O Bom Futuro” é totalmente possível, mas temos de nos sentar todos e pensar em conjunto num Governo global e pô-lo em prática.

Essa mudança acontecerá seguindo o mote: Pessoas, Planeta, Propósito e Prosperidade?  

Este tópico é como um plano de negócios. O atual é muito simples: fazer mais dinheiro, aumentar o PIB; na sua maioria são os países desenvolvidos quem estão a ganhar. Mas temos de mudar o modelo e concentrar-nos nas pessoas, na automação, no trabalho, na felicidade, na igualdade, temos de pensar ainda no Planeta, em evitar o turismo em demasia, em devolver energia.  

Temos de ter um propósito, o que significa pensar no que queremos. O que está a acontecer num futuro próximo é que não vamos ter este conceito de trabalho durante 12 horas por dia, isto vai mudar.  

E, finalmente, temos de ter prosperidade, porque os seres humanos estão sempre a crescer, temos crianças, precisamos de comer, viajar. Não crescer não é possível. Quando olhamos para a ONU vemos que tenta há muito tempo a agenda ESG [Ambiente, Social e Governança Empresarial], mas eles não têm poder para decidir. Estão num sítio difícil.  

O Mundo velho está a morrer, o negócio habitual já morreu, não conseguimos continuar como antes, e o novo Mundo está a ser construído, ainda não chegou e isto está a acontecer devagar. Estamos num local de sofrimento a assistir, este novo Mundo tem de ser criado. 

Vê grandes mudanças entre 2021 – o lançamento oficial do projeto “O Bom Futuro” – e agora? 

Sim, não tivemos muita sorte. Porque tivemos a pandemia de COVID que fez com que a geração mais nova tivesse de esperar e, depois, tivemos dois conflitos, a Rússia e a Ucrânia, e agora Israel, Palestina e o Hamas. O progresso está em modo de espera, porque há muitas coisas a sugarem a energia.  

Por outro lado, estamos num ponto em que podemos dizer que primeiro se piora para a seguir se melhorar. Somos forçados a agir, não podemos ficar os mesmos. Muitas coisas que estávamos habituados a ignorar, como a Palestina, Israel e o Hamas – um conflito de 70 anos, estão a aparecer todas juntas e a forçar-nos a agir.  

Tal como nos casais que têm muitos conflitos, mas não falam sobre isso, e torna-se maior e maior e maior, até que mais cedo ou mais tarde se vão divorciar ou começam a fazer terapia. Os problemas estão a aumentar e forçam-nos a agir. Acho que isto é uma coisa boa, mas é penosa. As portas não estão fechadas para a Humanidade. É um momento doloroso, apercebemo-nos de que não podemos dizer que fazemos isto mais tarde.

Mas quem é que está encarregado de o fazer? 

Todos. Penso que se olharmos para o lado mais simples de “O Bom Futuro” são coisas como a Energia, a Alimentação, as Crianças, os Direitos Civis, o não morrermos, não termos fome, estes são objetivos muito simples. Numa camada seguinte, temos a felicidade, a organização própria, o progresso, a espiritualidade e isto é mais difícil de definir. Mas se definirmos “O Bom Futuro” como não morrer, termos trabalho, podermos evoluir e termos direitos, quem está encarregado desse “Bom Futuro”, em última instância, somos nós.  

Podemos fazer coisas locais, mas temos tópicos globais que só são concretizados em colaboração. Mesmo que alcancemos na Europa emissões de CO2 zero (net), se o Brasil, a Índia e África não vierem connosco, vamos mesmo assim todos morrer.  

A primeira coisa é que as decisões mundiais têm de incluir um Conselho Global, temos isso com a ONU, mas não lhe demos a devida autoridade e tornou-se uma organização muito burocrática. António Guterres é realmente uma boa pessoa, fala a verdade, é um bom líder, mas não tem poder.  

Por isso, devíamos ter um Conselho de pessoas esclarecidas e sábias, e não me refiro a CEOs ou políticos, tal como na Grécia Antiga, precisamos de mais Sócrates. E são muito poucos, incluiria o escritor brasileiro Paulo Coelho; o historiador americano Thomas Kidd, ou o economista francês Jacques Attali, e não seriam apenas homens, também mulheres. Só pessoas que não fariam mais nada do que pensar sobre decisões com – plicadas. É claro que se não tomarmos uma posição radical, que construa uma nova indústria, verde, vamos entrar num ponto em que metade do Planeta vai morrer e estamos a falar daqui a 30 anos, ou seja, estamos a falar dos nossos filhos. Isto são coisas urgentes! 

Já há vários Conselhos globais. Como é que criamos algo que não seja dedicado e concentrado nos mais poderosos? 

Temos esse problema. Como no World Economic Forum, é o trabalho dos líderes fazerem negócios e não melhorarem o Mundo. Isto é o trabalho primário dos negócios, alcançar prosperidade de forma progressiva e não resolver os problemas sociais e culturais. Quando temos as pessoas dos negócios a mandar só vamos alcançar tópicos comerciais, precisamos de pessoas além dos negócios. E o mesmo se passa com os políticos, eles nunca tomarão decisões dramáticas, porque precisam dos votos das pessoas. Não vemos a liderança a caminhar para “O Bom Futuro” e tal como a Greta disse: “Os políticos não vão salvar o Mundo”. Temos de começar pelas pessoas e eles juntar-se-ão depois, porque querem os votos e os negócios vêm logo a seguir.  

Temos de exigir diferentes comportamentos, pedir novas motivações e produtos diferentes. E isto já acontece. Vemos as gerações mais novas a querer em carros que não poluam, a interessarem-se por turismo responsável, por dinheiro digital, a quererem mudar o Mundo… E estamos a assistir inclusivamente aos jovens na Europa a não quererem ter filhos porque o Mundo não está bom. Vemos as pessoas com muito pouca esperança.  

Portanto, proponho no meu livro [Tecnologia versus Humanidade, da editora Gradiva], que já tem sete anos, mas parece que foi escrito ontem 

Devíamos ter uma história diferente sobre o futuro, uma nova narrativa que diga que o futuro é bom, só precisamos de tomar as decisões certas hoje, nós temos todo o poder de que precisamos.  

O Capitalismo encaixa nesse futuro? 

Temos de dizer adeus a todas essas velhas palavras. Capitalismo, Comunismo, Socialismo, isso faz parte da História. O que precisamos é de uma lógica económica que se encaixe no futuro e não no passado. Socialismo e Comunismo são ideias úteis, mas fazem fit com o futuro? Capitalismo e o mercado livre criam um bom futuro? É seguro dizer que o antiquado Capitalismo tradicional criou em tempos um bom futuro por um determinado tempo e depois colapsou. Mas o Capitalismo não resolve as alterações climáticas, as desigualdades, nem a IA, porque está preocupado com o propósito do mercado em primeira instância. O princípio de um mercado livre é bom, mas temos de ter mais sabedoria para tomar as decisões certas, que não estejam condicionadas pela simples curva do progresso, de mais dinheiro ou das maiores bolsas de mercado. Al Gore tinha uma expressão, “Capitalismo Sustentável”, o que acho que faz muito sentido, mas não a devemos usar mais. Devemos ter uma Economia baseada nas Pessoas, Planeta, Propósito e Prosperidade, com componentes do Capitalismo e do Socialismo.  

Não faz sentido estarmos a orquestrar e a focar toda a nossa energia no aumento da riqueza de apenas 10% dos mais ricos do Mundo, é isto que está a acontecer, e os restantes 90% estão na mesma ou a verem diminuídas as suas riquezas e pertences. 

Precisamos de um novo Milton Friedman e de uma nova teoria económica. O grande problema de hoje é que cada país tem uma bolsa de mercado baseada numa teoria de há 20 anos. Temos empresas a fazer coisas realmente más, mas a serem altamente valiosas, isto não faz sentido! A empresa mais poderosa do Mundo é uma árabe de petróleo e a segunda a Apple. Devíamos virar isto ao contrário e ter empresas que preenchessem todas as quatro caixas e criarmos uma bolsa de valores. Tenho estado a discutir isso com pessoas na Europa e isto pode ser uma boa ideia para Portugal, uma nova bolsa como a Nasdaq, que seria a Susdaq, apenas com empresas que se preocupam com as Pessoas, Planeta, Propósito e Prosperidade. É muito simples: enquanto não nos preocuparmos com a Economia tudo se mantém difícil. Talvez tenhamos apenas mais 10 ou 20 anos para descobrir a maneira certa de fazer isto. 

A Humanidade está a esgotar o seu tempo? 

Diria que não. Estamos naquele ponto que não nos podemos dar ao luxo de sentar e esperar, porque as alterações climáticas são muito urgentes, a forma como devemos lidar com a IA também, porque mudará tudo e há aqui um problema de controlo. 

A forma como lidamos com os conflitos também. Este Mundo já não vive na Guerra Fria, apenas os americanos e os soviéticos. Este Mundo é multipolar, é a América, a China, a Europa, a Índia, o Brasil, a Rússia e, mais cedo ou mais tarde, África. Lidamos com um Mundo que tem muitas peças que se movimentam e o que temos de fazer é descobrir qual o objetivo comum aos 8 mil milhões para caminharmos para um bom futuro. 

Há uma certa luta para nos estarmos sempre a superar. Onde é que agora nos devemos concentrar? 

Primeiro temos de nos focar na pergunta: Como devemos usar a Ciência e a Tecnologia para fazer as nossas vidas mais sustentáveis? E como resolvemos os nossos grandes problemas? Se usarmos Tecnologia podemos tornar tudo verde e sustentável. Em Portugal há grandes progressos. Como transformamos tudo para ser circular e sustentável? Quais as políticas de que precisamos para tornar algo que seja bom, em geral, justo com as pessoas e o Planeta e que crie propósito e faça com que as pessoas se deem?  

O novo Mundo é fundamentalmente diferente, não é uma extensão do antigo Mundo.  

Por exemplo, se olharmos para o Trabalho é possível que tenhamos apenas de trabalhar três horas pelo mesmo dinheiro, porque temos tecnologia espetacular ao nosso dispor, e assim podemos fazer muitas outras coisas, podemos doar o nosso tempo a combater as alterações climáticas, a escrever um livro, a ser pais, ou o que nos apetecer. Até agora a nossa vida é maioritariamente sobre trabalho, mas isto está a acabar. Isto muda por completo a nossa sociedade. 

E isso é possível ou poderá não passar de uma utopia?

Lemos sobre utopias e não passam de paraísos impossíveis. Isto não vai acontecer, porque a vida nunca será apenas um paraíso. Também vemos nos filmes distopias, como a série Black Mirror, ou o filme Don’t Look Up, independentemente de tudo há sempre um final catastrófico. Mas há uma palavra melhor, a protopia, do Futurista Kevin Kelly, significa que gradualmente melhoramos as coisas, passo por passo até chegarmos a um bom futuro. E isto é mais prático, no sentido de olharmos e querermos criar em conjunto. 

Está a pintar um quadro humanista.  

Não temos grande escolha. Temos a hipótese de nos tornarmos mais tecnológicos e estarmos submersos em tecnologia, tornando-nos super-humanos, fazendo uso do virtual, da IA, da Engenharia Genética. Os nossos filhos vão ser metade humanos metade robots. Isto não é teoria, é possível.  

Ou temos a hipótese de mudar a nossa Economia e construir algo completamente diferente. Se tudo é digital, nós não somos mais humanos, e qual é o objetivo? Para mim não faz sentido tornar-me numa máquina só para ter mais dinheiro, quando perco tudo o resto. Acho que é por isso que o meu livro é tão popular em Portugal, porque há muitos humanistas.

Esta entrevista foi publicada na edição de inverno da revista Líder, que tem como tema The Touch of the Future. Subscreva a Líder aqui. 

TitiAna Amorim Barroso,
Coordenação Editorial


quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

O sorriso da minha mãe e as crianças de Gaza

Por Por Antônio Carlos de Almeida Castro*

 Homem segura criança ferida após bombardeio a campo de refugiado no hospital al-Quds, em Gaza

Homem segura criança ferida após bombardeio a campo de refugiado no hospital al-Quds, em Gaza — Foto: MAHMUD HAMS / AFP
 
Todos são capazes de dominar a dor, exceto aqueles que a sentem.”
 Willian Shakespeare

Nunca gostei do Natal. Não me emociono com o clima e muito menos me sinto envolvido pelas histórias que compõem o imaginário desta data que, para muitos, é tão especial. Respeito e faço todo o ritual para estar de acordo com quem realmente vive o espírito natalino. Quando eu ainda era muito jovem, um primo fez questão de me dizer que Papai Noel não existia e essa revelação tirou um pouco a ilusão e a magia. Na época, meu pai estava muito falido e se endividou para comprar presentes para os filhos. Comecei, mais do que nunca, a não entender muito sobre o que realmente era a festa de Natal. Mas minha mãe fez presépios lindos: papel que imitava pedras e cavernas, colocou até um aquário para parecer um lago com peixes e tudo. Nessas horas eu até pensava que meu primo estava brincando comigo e que o Papai Noel ia entrar pela chaminé a qualquer momento. Mas não tínhamos chaminé, o que talvez explicasse a ausência do velho.

A proximidade do Natal, com o frenesim das compras, distanciou-me do sentimento que eu, quase infantilmente, pensava ser o que o puro espírito natalício deveria encarnar. A chegada dos filhos e a velhice da minha mãe transportaram-me para a doce ilusão de uma festa com a sensação de vivenciar o sentimento fraterno que justificava a magia do Natal. Dei por mim a comprar dezenas de presentes para a minha velha mãe e, sem qualquer culpa, gostei muito do acto pouco cristão de a ajudar a abrir as caixas que fiz questão de decorar com laços e fitas.

Seu sorriso foi a coisa mais próxima que ela sentiu e identificou como a presença do menino Jesus. Lembro-me do presépio, em que ela colocou um berço vazio, 30 dias antes da noite do parto, e todos os seus filhos e primos tiveram que colocar um canudo para confortar o bebê quando ele nascesse. Mas só quem fez uma boa ação poderia jogar um canudo. Nesse espírito, o Natal teve uma sensação diferente da troca de presentes.

Para quem acredita, e tem fé, é quase inevitável não pensar no nascimento de Cristo em Belém. Este ano não houve festa na cidade palestina de Belém, na Cisjordânia. No local onde estava sendo construída uma enorme árvore de Natal, estavam expostas uma grande bandeira palestina e um banner: “Os sinos de Natal de Belém tocam para um cessar-fogo em Gaza”.

Contudo, parece que Deus não ouviu o chamado. Na noite de 24 de dezembro, pouco antes da meia-noite, Israel atacou um campo de refugiados em Maghazi, no centro de Gaza, causando mais de 70 mortes. Eram várias mulheres e crianças, como tem sido regra. É um plano de extermínio e genocídio de um povo. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 160 crianças são mortas todos os dias em Gaza. Diariamente. Isso significa uma morte a cada 10 minutos. Com números pouco fiáveis, que certamente devem ser muito mais elevados, estima-se que mais de 6.000 crianças palestinianas foram assassinadas pelo exército israelita.

O número de bombardeamentos israelitas em Gaza é o mais elevado de sempre e ultrapassou a ofensiva americana contra o Estado Islâmico. Quase metade das bombas são lançadas sem um alvo específico, não são guiadas. Estas são chamadas de bombas mudas. As violações dos direitos humanitários internacionais são evidentes. E os crimes de guerra estão a acumular-se. É por isso que tantas crianças mortas. É realmente um genocídio.

A manhã desta segunda-feira, 25 de dezembro, conforme noticiado, também foi marcada por violência e sangue: Israel atacou o campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia ocupada, incluindo a cidade de Belém, considerada o local onde Jesus nasceu.

Há um mês, o Estado de Israel comentou eufórico que, até aquele momento, já tinha lançado mais de 12.000 bombas sobre Gaza – um território de 40 quilómetros de extensão, onde vivem mais de 1 milhão de jovens e crianças. Se, hoje, o menino Jesus nascesse de novo em Belém, certamente seria morto num ataque covarde. Israel teria sido capaz de executar o plano de Herodes e não teríamos noites tristes de Natal.

Refiro-me ao poeta Vinícius de Moraes, em Poema de Natal:

Pois é para isso que fomos feitos:

Por esperança no milagre

Pela participação da poesia

Para ver a face da morte –

De repente nunca mais esperaremos…

Esta noite é jovem; da morte, apenas

Nascemos, imensamente.

Este texto não representa necessariamente a opinião da CartaCapital.

Advogado

Originalmente publicado em https://www.cartacapital.com.br/opiniao/o-sorriso-de-minha-mae-e-as-criancas-de-gaza/

Fonte: https://aracajuagoranoticias.com.br/kakay-o-sorriso-da-minha-mae-e-as-criancas-de-gaza/

Disfunção erétil e ‘névoa mental’: as 30 ‘condições pós-Covid’ e as novas orientações do Ministério da Saúde

 

Por — Rio de Janeiro

Neste mês, o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica com novas orientações para auxiliar profissionais na identificação clínica dos casos conhecidos como Covid longa, ou condições pós-Covid. O quadro é definido como a permanência de sintomas, ou o desenvolvimento de novos, associados ao coronavírus por semanas após a infecção.

A pasta explica que mesmo pessoas contaminadas com formas leves ou assintomáticas podem apresentar o problema, e elenca um conjunto de 30 sinais e sintomas mais frequentes que se prolongam sem causa aparente.

“Dificuldade de concentração e memória, conhecida como névoa cerebral; perda prolongada de olfato e paladar; e alterações cognitivas são os sintomas neurológicos mais comuns. Mas as condições também podem afetar outros sistemas como cardiovascular, respiratório, gastrointestinal, mental, muscoesqulético e geniturinário”, explica o ministério em comunicado.

A pasta esclarece na nota técnica que, embora a maior parte dos casos melhore progressivamente ao longo do tempo, "alguns pacientes podem apresentar condições pós-covid com meses ou até mesmo anos de duração”.

As 30 condições pós-Covid mais comuns

Neurológicas Cardiovasculares Respiratórias Gastrointestinais De saúde mental Geniturinárias Outras alterações
Dificuldade de memória e concentração (“névoa cerebral”) Palpitação Tosse Alterações do hábito intestinal Distúrbios de sono Disfunção erétil Alopecia
Alteração cognitiva Disautonomia Dispneia (falta de ar) Náuseas e dor epigástrica Depressão Alterações menstruais Alterações cutâneas
Cefaleia (dor de cabeça) Dor torácica Taquineia Disfagia Ansiedade
Desordens endócrinas
Perda de paladar Arritmias Dor torácica Refluxo gastroesofágico

Fadiga
Perda de olfato Trombose/coagulopatias



Mialgia

Intolerância ao esforço físico



Artralgia






Alterações na visão

Um dos pontos abordados pelo documento é o critério temporal para a definição de quando são consideradas condições pós-Covid. A nota estabelece que os sinais precisam continuar ou se desenvolver “quatro semanas ou mais após a infecção inicial” e que eles “não podem ser justificados por um diagnóstico alternativo”.

“Essas condições podem melhorar, agravar ou serem recidivantes ao longo do tempo, com a possibilidade de evolução para eventos graves e potencialmente fatais, até mesmo meses ou anos após a infecção”, continua o texto.

Em relação à temporalidade, o Ministério afirma ter analisado a literatura disponível sobre o tema e reconhece que há divergências entre as autoridades de saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS), por exemplo, estabelece que são necessários ao menos três meses de sintomas para se falar em Covid longa.

Porém, a pasta afirma ter seguido as definições dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (EUA) ao estipular o período de apenas quatro semanas, cerca de um mês, e entender que é um prazo “mais sensível para identificação dos casos, tendo em vista que os dados são heterogêneos e pesquisas adicionais estão sendo realizadas”.

O Ministério destaca também que os estudos em andamento buscam estabelecer a prevalência do problema de saúde na população. A OMS trabalha com estimativas de 10% a 20% dos contaminados. Porém há pesquisas indicando resultados mais altos, que chegam a quase a metade das infecções, diz a pasta, que financia uma série de levantamentos sobre o tema.

“As pesquisas e inquéritos de base populacional que investigam a prevalência das condições pós-covid ainda estão em andamento. (..) Entretanto, a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde (Sectics) já consegue fazer uma análise preliminar de cenário com base em estudos avaliados pela área técnica responsável. Foi descoberto, por exemplo, que 40% da amostra de pessoas investigadas apresentou alguma condição pós-covid, com maior concentração no sexo feminino”, diz em nota.

Além disso, o Ministério afirma que a obesidade foi considerada o principal fator de risco para o desenvolvimento da Covid longa, e que os sintomas mais comuns no geral foram dispneia (falta de ar), fadiga e tosse.

Sobre o diagnóstico, no momento não existem testes específicos disponíveis. Por isso, ele se baseia no histórico de infecção pelo paciente, ou pela exposição do vírus, associado a uma avaliação clínica “abrangente e minuciosa”, diz a pasta.

“Exames laboratoriais, de imagem, eletrocardiograma, entre outros, podem ser úteis para auxiliar no diagnóstico. Recomenda-se que, antes de definir uma manifestação como condição pós-covid, se investigue outras razões que podem justificar o quadro apresentado”, continua.

No novo documento, o Ministério da Saúde orienta ainda como evitar o desenvolvimento da Covid longa. Os cuidados são semelhantes àqueles para se proteger contra a infecção pelo vírus em primeiro lugar:

“Além da vacinação contra o vírus, que está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para todos aqueles que possuem mais de 6 meses de vida, recomenda-se realizar a higiene adequada das mãos, etiqueta respiratória, ventilação adequada de ambientes, evitar contato com casos positivos e uso de máscara em situações específicas para evitar contrair a infecção”. 

Fonte:  https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/12/27/disfuncao-eretil-e-nevoa-mental-as-30-condicoes-pos-covid-e-as-novas-orientacoes-do-ministerio-da-saude.ghtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsdiaria

Gary Saul Morson e Jacob Howland discutem o problema dostoiévski

 Gary Saul Morson, Jacob Howland e Jonathan Silver

Portrait of the author Fyodor Mikhaylovich Dostoevsky (1821-1881), 1862. Found in the Collection of State Museum of Literature, Omsk. Photo by Fine Art Images/Heritage Images/Getty Images.

 Retrato do autor Fyodor Mikhaylovich Dostoiévski (1821-1881), 1862. Encontrado na Coleção do Museu Estadual da Literatura, Omsk. Foto por Belas Artes Imagens/Heritage Imagens/Getty Images.

Dois importantes estudiosos se juntaram ao editor da Mosaic para ver por que pessoas compassivas, como o brilhante autor russo, podem tantas vezes odiar os judeus.

 

Resposta sobre o artigo escrito literário Gary Saul Morson aqui: https://mosaicmagazine.com/essay/arts-culture/2023/12/why-dostoevsky-loved-humanity-and-hated-the-jews/

Sobre os autores

Gary Saul Morson é o Lawrence B. Dumas professor de artes e humanidades na Northwestern University e autor de, entre outros livros, Anna Karenina em Nosso Tempo (Yale).

Jacob Howland é professor de filosofia (emeritus) na Universidade de Tulsa. Sua pesquisa se concentra na filosofia grega antiga, história, épico e tragédia; a Bíblia hebraica e o Talmude; Kierkegaard; e respostas literárias e filosóficas ao Holocausto e ao totalitarismo soviético.

Jonathan Silver é o editor do Mosaic e diretor sênior da Tikvah Ideas, onde também é o Warren R. Stern Senior Fellow da Civilização Judaica.

Eu, n o artigo do mosaico deste mêsessay, o estudioso literário Gary Saul Morson argumenta que o grande escritor russo Fyodor Dostoiévski apresenta um enigma:

Por um lado, ele foi o grande escritor de compaixão por todos os que sofrem. Por outro lado, ele se tornou, no final de sua vida, um antissemita extremo. Então, a primeira pergunta é: como era possível para esses dois impulsos co-esquiar na mesma consciência, e como Dostoiévski os reconciliou?

Há poucos escritores com tanta profundidade psicológica, ou brilho literário, e é por isso que seu antissemitismo é tão preocupante, tanto em si quanto como um exemplo de um fenômeno maior. Hoje, pode-se encontrar muitas pessoas bem intencionadas, algumas com credenciais de prestígio, que apoiam os oprimidos e os oprimidos, mas assim que a conversa se volta para os judeus, sua compaixão cede.

Para discutir o que ele chama de problema Dostoiévski, Mosaic convidou Morson para falar com Jacob Howland, um professor de filosofia que escreveu muito sobre Dostoiévski, e com o editor da Mosaic, Jonathan Silver. A conversa ocorreu em 19 de dezembro de 2023 no Zoom. Uma gravação e uma transcrição estão disponíveis para os assinantes abaixo.

Ler

Jonathan Silver (tradução)

Bem-vindo senhoras e senhores a esta conversa com o crítico literário da Universidade Northwestern, Professor Gary Saul Morson, para discutir seu ensaio: "Por que Dostoiévski Amava a Humanidade e Odiava os Judeus". É um prazer dar as boas-vindas ao Professor Morson, juntamente com o reitor e diretor do programa de Fundações Intelectuais da Universidade de Austin, Jacob Howland. Como um aparte, Jacob escreveu um estudo de seis partes para Mosaic da Odisseia de Homero e o livro de Gênesis.

Na segunda metade do século XIX, o Fyodor Dostoiévski, já na meia-idade, compôs cinco grandes romances, que se pode caracterizar como escuro, violento, trágico e também sutil. Eles expressam uma análise da condição humana que assombra os leitores ainda agora e que influenciou alguns filósofos e escritores modernos muito grandes, incluindo Friedrich Nietzsche. Um de seus grandes temas seria o talento extraordinário dos humanos para se tornarem infelizes. Nós ansiamos por felicidade e contentamento e que todos sejam definidos no mundo, mas temos uma capacidade incrível de nos sabotar. E essa capacidade de sabotagem nos ensina que o sofrimento e a dor são características elementares e permanentes da condição humana, e nos iludimos quando pensamos que podemos escapar de nossas agonias. O trabalho de nossa vida, Dostoiévski parece sugerir, é separar esses delírios da verdade de quem somos.

Claro, nosso propósito na próxima hora é investigar o ensaio do professor Morson sobre o problema dos Paratoévski, não apenas em si mesmo, para que possamos aprender algo sobre um dos escritores mais psicologicamente penetrantes desde o advento do romance, mas também para o que Dostoiévski e o problema Dostoiévski podem nos revelar sobre o momento em que estamos vivendo agora. Se um escritor tão dedicado a responder ao sofrimento com compaixão como Dostoiévski poderia ao mesmo tempo sentir tal raiva e ódio contra a nação muito pequena que suportou talvez mais sofrimento do que qualquer outra pessoa na face da terra – isto é, o povo judeu – então temos um dilema. E esse dilema, além disso, é um que ouvimos ecoar pelos adversários ocidentais de Israel agora: pessoas que se pensam dedicadas a derrubar sistemas de opressão e preconceito, a fim de corrigir erros históricos e elevar comunidades de pessoas sujeitas a desonra e discriminação, que ao mesmo tempo desprezam o povo judeu apesar da desonra e discriminação que sofreram.

Vou começar com uma breve discussão com o professor Morson sobre seu ensaio. Então o professor Howland se juntará e colocará suas próprias perguntas. Mas antes disso, quero agradecer aos assinantes do Mosaic e aos membros do círculo Mosaic que tornam possíveis discussões como essa. Contamos com o seu investimento em nosso trabalho para encomendar ensaios como este e para sediar essas discussões.

Voltando ao ensaio: sua premissa é que Dostoiévski é um exemplo de compaixão. Saul, talvez você pudesse começar introduzindo um pouco o trabalho dele e explicando como é assim?

Gary Saul Morson (tradução)

Dostoiévski tinha uma compreensão da profundidade psicológica, da consciência e do funcionamento interno da mente. E ele estava particularmente preocupado com questões de crueldade e humilhação, e seus efeitos psíquicos. Seu primeiro trabalho, que é um bom lugar para começar, foi chamado de Poor Folk e foi escrito quando ele era muito jovem. É o livro que fez sua reputação. Do título você adivinharia que é sobre o quão ruim é a pobreza, e em certo sentido é sobre isso. Mas o que realmente impressionou o crítico mais influente de sua época foi que não se tratava realmente de privação material tanto quanto sobre a maneira como uma pessoa pobre sofre humilhação e, pior ainda, internaliza a visão humilhante que os outros têm dele. E essa humilhação internalizada é mais chocante do que qualquer outra coisa. Como o crítico disse: “Sua pobre equivocária aqui nem sequer acha que ele tem o direito ao seu próprio sofrimento, o direito de reclamar. É assim que ele está derrotado.”

Quase todos os romances de Dostoiévski exploram a humilhação até o ponto em que podem ser difíceis de ler. Eles podem fazer você estremecer, e você nem tem certeza se é porque você se identifica com o humilhado e você não suporta que ele tem que sofrer assim, ou porque você se identifica com aqueles que testemunham a humilhação e não suportam assistir. É muito desconfortável testemunhar alguém sendo humilhado; você se torna moralmente envolvido. E seus personagens mais memoráveis são incrivelmente sensíveis ao sofrimento humano. Eles não suportam a existência do mal, até mesmo as coisas que todo mundo toma como garantidas. Esses personagens se concentram em certos exemplos de sofrimento e querem fazer algo extraordinário para acabar com isso, mudar as coisas. E em Crime em Castigo que leva o herói a assassinar, mas assassinato por compaixão. Isso pode parecer paradoxal, mas novamente grande parte da matança no mundo acontece por causa de pessoas que pensam que são compassivas.

Jonathan Silver (tradução)

Antes de continuar, explique este ponto um pouco mais. Ninguém se vê cruel, e muito poucas pessoas pensam em si mesmas como fazendo o mal. Em vez disso, os malfeitores muitas vezes pensam em si mesmos, em certo sentido, como motivados pelo bem. Foi assim que o Dostoiévski viu?

Gary Saul Morson (tradução)

- Sim, sim. - Sim. Antes de fazerem minha aula, alguns alunos pensam que as pessoas que fazem o mal no mundo real são como vilões do Homem-Aranha que se sentam lá e dizem: “Oh, eu simplesmente amo o mal e vou fazer isso”. Mas se essa é a sua noção de mal – e é compartilhada por muitas pessoas – você nunca será capaz de entender o que é o mal. Quase ninguém pensa que está fazendo o mal; as pessoas sempre pensam que estão fazendo o bem. Em seu estudo do Gulag, Aleksandr Solzhenitsyn descreve pessoas cujo trabalho era torturar pessoas sob interrogatório, sabendo que essas pessoas são inocentes. E ele entra em suas cabeças, e tenta entender o que eles estavam pensando e como eles concluíram que isso era uma coisa boa a fazer. Como é que isso acontece? A menos que você possa entender isso, você simplesmente não entenderá o mal e também não entenderá o potencial do mal em si mesmo. A maioria das pessoas que fazem o mal real justifica isso para si mesma e pensa que é compassiva. Como você sabe que é diferente?

A menos que você comece a fazer essa pergunta sobre si mesmo, é provável que você acabe fazendo o mal se estiver nessa posição. Mesmo quando o Holocausto ou outros males são ensinados hoje nas escolas, os perpetradores tendem a sair como caricaturas nazistas ou racistas brancos que não têm nada a ver conosco e que amam chutar filhotes e torturar bebês. E então eles são contrastados com as pessoas boas que são todas boas e nunca fazem nada de ruim; eles são apenas vítimas de outros ou tentando ajudá-los. E não é assim que o mundo é. E se você pensar dessa maneira, em primeiro lugar, você não será capaz de entender o mal ou fazer qualquer coisa para impedi-lo. E em segundo lugar, você não saberá quando está tentando você mesmo. Isso é o que você ganha com a compreensão de Dostoiévski do mal.

Jonathan Silver (tradução)

Então, é justo dizer que Dostoiévski é um escritor de compaixão na medida em que, ao retratar humilhação, vergonha e tormento e agonia em seus personagens, sua ficção serve como um veículo através do qual os leitores podem sentir um certo tipo de compaixão para com seus personagens? E que Dostoiévski também espera que esses sentimentos de compaixão também possam acender no coração dos leitores as virtudes cristãs que pareciam animá-lo?

Gary Saul Morson (tradução)

Para ter uma noção do que o cristianismo significava para Dostoiévski como autor, ajuda a olhar para sua descrição de Charles Dickens como um grande escritor cristão. Não há teologia em Dickens. Quase não há menção evidente do cristianismo em Dickens. O que ele quis dizer foi que Dickens inspira compaixão pelos pobres e pelos sofredores. E é assim que Dostoiévski pensava no cristianismo e em seus próprios objetivos literários. Em primeiro lugar, ele viu o cristianismo como a filosofia da compaixão e do amor pelo sofrimento. Se você tentar sondar suas crenças teológicas, em primeiro lugar, você descobrirá que elas não parecem importar muito, e se o fizerem, elas provavelmente são heréticas de qualquer maneira. Mas ele não está pensando em crença, mas em outra coisa.

Jonathan Silver (tradução)

Outra maneira de descrever sua visão psicológica chave é em termos da realidade do pecado. Ele pode não estar pensando nesse sentido, mas é reconhecível para formas mais tradicionais de crença cristã.

Gary Saul Morson (tradução)

- Sim, sim. - Sim. Um dos personagens titulares de Os Irmãos Karamazov descreve danos incríveis infligidos às crianças. Todos esses casos, a propósito, eram reais, mas Ivan Karamazov os descreve de uma maneira que vira seu estômago. E ele se pergunta se o mal é apenas uma má qualidade ou inerente à nossa natureza; isto é, é mau algo que pode ser educado ou está profundamente enterrado na natureza humana em algum nível fundamental? O que Ivan deixa de fora, e o que Dostoiévski teria dito se ele falasse em sua própria voz, é que o potencial para o bem também vai até o fim. Mas Ivan é tão ultrapassado pelas histórias da tortura de crianças e outros sofrimentos desnecessários, e pelo fato de que as pessoas podem realmente gostar de infligir tal sofrimento, que ele tem dificuldade em imaginar como o bem se encaixa na natureza humana também.

Jonathan Silver (tradução)

Crime e Castigo é um livro sobre vir contar com o seu verdadeiro eu e deixar de lado as ilusões que você pode ter sobre si mesmo. Você esperaria que um escritor cínico descobrisse que, sob a personalidade burguesa, convencional e cumpridora da lei – que acaba sendo uma ilusão – há um monstro primordial, duro e moral. Mas esse não é o caso neste livro. Raskolnikov, o personagem principal, finge ser duro e disposto a assumir crueldade por causa da justiça, mas o drama do romance está na descoberta de que há realmente uma pessoa mais decente, de coração mole e gentil por baixo. A esse respeito, não posso deixar de me perguntar o que Dostoiévski pode fazer dos muitos idiotas úteis que estão defendendo o Hamas agora, andando por aí fingindo ser cruel e derrubando cartazes de reféns e invadindo restaurantes para derrubar bandeiras e tudo isso. Por baixo, pode haver algo como Raskolnikov lá em baixo.

Gary Saul Morson (tradução)

Gosto muito da leitura do romance. Nem sempre é lido dessa maneira, mas eu realmente gosto da sua leitura. Tenho certeza que isso é parte do que Dostoiévski tinha em mente. Quanto ao seu ponto sobre as pessoas que estão derrubando esses cartazes: muitos provavelmente pensam que são boas pessoas, compassivas com o sofrimento dos palestinos ou de outras pessoas. Alguns deles são, mas há todos os tipos de motivações ou formas de pensar que levam a esse tipo de comportamento. Parte do que me motivou a escrever este ensaio foi que eu estava pensando no antissemitismo de Dostoiévski, e quando comecei a ensinar literatura russa há meio século, naquele momento você não tinha permissão para falar sobre isso porque ele era nossa grande figura, e você não deveria destruir sua reputação. Mas eu escrevi sobre isso então de qualquer maneira.

O que é que passa pela mente das pessoas? Havia um livro que saiu na época chamado Dostoiévski e os judeus, por um homem chamado David Goldstein, que expôs todas as evidências. Mas sua única explicação foi “é o antissemitismo virulento, que se espalha como uma doença”. Certamente as pessoas em suas próprias cabeças não pensam que são o assunto desse tipo de doença mental. Goldstein transforma o antissemitismo em algo como possessão demoníaca: uma força de fora. Não pode ser tão simples. Deve haver mais do que isso ou você não encontraria pessoas decentes atraídas para odiar os judeus.

A próxima vez que eu realmente pensei sobre isso foi quando eu estava ensinando na Universidade da Pensilvânia durante a Revolução Cultural Chinesa. E havia, na faculdade, dois especialistas em literatura e história chinesas, um casal, que justificaram as coisas mais horríveis da Revolução Cultural, e ainda assim eles eram as pessoas mais gentis e decentes que você conheceu. Eles adotaram crianças pobres abandonadas nos guetos. Como essas duas coisas se encaixam? Não é tão simples. Muitos desses simpatizantes do Hamas são provavelmente pessoas muito decentes; alguns deles não são pessoas decentes; e algumas delas seriam pessoas decentes, exceto pelo fato de que alguma ideologia que eles acham que é boa está distorcendo sua visão.

Jonathan Silver (tradução)

Vamos então chegar à questão do antissemitismo de Dostoiévski. Alguém poderia ler suas cinco grandes obras polidas de literatura, seus grandes romances, e não necessariamente sair pensando que este é um escritor anti-semita. O que são as provas?

Gary Saul Morson (tradução)

Os judeus não desempenham um papel muito importante em seus romances. E quando o fazem, geralmente está ligado ao enredo do romance, não alguma agenda de odiar os judeus. A evidência vem de fora dos grandes romances. E o que é mais, só vem em uma breve parte de sua vida, aproximadamente nos últimos cinco anos. Na época, ele estava publicando um periódico realmente interessante - ele pensou nisso como um novo gênero literário - chamado Diário do Escritor. A ideia disso era todo mês que ele trazia uma questão, e ele seria o único editor, editor e escritor de tudo nele. E conteria uma mistura de gêneros: memórias, autobiografia, ficção, reportagem criminal (ele iria a julgamentos e relatava o que viu). Era difícil sustentar isso, mas para algumas questões ele sustentou-o lindamente.

Então ele é pego em todos os tipos de questões relativas à perseguição dos sérvios e búlgaros e outros cristãos ortodoxos pelos otomanos, que eram os senhores imperiais nos Bálcãs na época, e estavam fazendo coisas terríveis. Dostoiévski torna-se obcecado com este tema, e se concentra cada vez mais na política externa. É nesses ensaios que o antissemitismo começa a aparecer [em sua escrita] realmente pela primeira vez. Então aparece uma e outra vez, e fica cada vez pior. E as piores passagens são realmente, realmente quase tão ruins quanto você pode obter.

O primeiro tradutor do Diário do Escritor em Inglês foi realmente preso nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial por causa de suas atividades como membro de algo chamado Partido Russo-Americano Nazista, e há pouca dúvida de que ele traduziu este livro por causa das passagens anti-semitas. Há uma tradução muito melhor que está disponível agora, por um verdadeiro estudioso. Mas quando eu encontrei o livro, essa foi a única tradução. Essas passagens realmente são muito ruins, e a questão é: como Dostoiévski concilia seu antissemitismo com sua compaixão, e por que de repente aparece neste momento em que não fazia parte de sua vida antes? Você pode ler seus romances e não saber nada sobre isso. Você tem mais sentimentos antipolonesos em seus romances do que o sentimento anti-judaico, e não há muito disso.

Jonathan Silver (tradução)

Apenas nos dê um gostinho do tipo de ideias antissemitas nesses ensaios.

Gary Saul Morson (tradução)

Anteriormente, você disse algo sobre os judeus serem as pessoas que mais sofreram. As pessoas também escreviam isso para Dostoiévski. Como você pode usar o termo desagradável zhid? É verdade, ele responderia, que aqui na Rússia os judeus não estão autorizados a sair do Pale of Settlement. Sua residência é restrita. Mas o camponês russo era um escravo sob a servidão, [que só terminou em 1861]. Isso é muito pior, não é? Ele diria aos correspondentes judeus: “Você não é o único que sofre e não quer reconhecer o sofrimento dos outros”. E, claro, outros povos que sofrem e, em alguns casos, sofrem mais. Assim, sua resposta às acusações de antissemitismo seria de profundo ressentimento, como se o acusador estivesse tentando ignorar o sofrimento dos outros. E então, é claro, ele pensou que os judeus eram parcialmente responsáveis por esse sofrimento, porque eles exploraram os servos. Ele leu artigos na imprensa russa sobre como os judeus estavam supostamente explorando os negros recém-libertados na América da mesma maneira. Então ele começa a pensar que os judeus estão fazendo essas coisas horríveis, e ele realmente acredita nisso.

E então ele pergunta: “Por que eles estão fazendo isso?” E aqui você tem que conseguir como Dostoiévski pensa sobre a história e as pessoas. Ele pensa na história como uma história sobre princípios fundamentais e povos como personalidades que carregam esses princípios. Portanto, há uma ideia protestante ou alemã e há uma ideia católica. A ideia católica, ele pensa, remonta até mesmo a Cristo, como uma visão da vida. Os católicos tinham essa visão, mas antes deles os romanos a tinham. E então há uma visão da vida que os judeus têm, e ele acha que está ligada à sua religião. Na verdade, ele acha que não há judeus que não acreditam em Deus porque todos eles têm que ter essa ideia que ele atribui a eles.

Ele se concentra nas passagens da Bíblia que falam sobre Deus dizendo que você tem que destruir todas as outras tribos na terra de Canaã, e então ele pergunta, então, se agora não houvesse 80 milhões de russos e 3 milhões de judeus, mas o contrário, como os judeus se comportariam com os 3 milhões de russos? O que eles fariam com eles? O que eles fizeram com o povo que Deus lhes disse para exterminar nos tempos antigos? Será que eles não fariam a mesma coisa, eles não fariam ainda pior? Essa é uma amostra do tipo de coisa que ele escreve. E é sangrento, porque se essas pessoas iriam destruí-lo e matá-lo, então é claro que você está justificado em se defender perseguindo-os.

Jonathan Silver (tradução)

Há também uma semelhança interessante com o fato de que são questões de política externa e a manipulação de governos estrangeiros por um pequeno quadro de rede de rede judeus que atraem Dostoiévski para o antissemitismo. Esse hábito da mente e essa percepção da realidade é ativo em Dostoiévski e também é ativo em alguns dos críticos de Israel hoje.

Gary Saul Morson (tradução)

Com certeza. Por exemplo, a maneira como Dostoiévski viu o que estava acontecendo nos Bálcãs era que os turcos estavam perseguindo todos esses pobres búlgaros e sérvios ortodoxos. A Rússia queria vir em sua defesa. Mas no equilíbrio de poder na época, a prosperidade comercial da Inglaterra permitiu que ela restringisse a intervenção russa, porque a Grã-Bretanha estava do lado dos turcos. Quem era o primeiro-ministro da Inglaterra na época? O Disraeli. É um acidente que ele é judeu? Mas Dostoiévski vai mais longe: na Europa Ocidental, pode ser que os judeus estejam controlando tudo. Mas também é o caso de que a ideia de que a vida não é nada além de materialismo também tem vindo a tomar a Europa Ocidental, de modo que você nem precisa de judeus para ter essa conexão. Os ingleses pensam assim sem judeus. Então é por isso que eles acabam com Disraeli – porque pensam de uma “maneira judaica”, naturalmente eles selecionam um líder judeu. Dostoiévski pensa que isso é realmente o que está acontecendo. Uma vez que você começa a pensar não em pessoas individuais, mas de um povo como portadoras de uma única qualidade ou ideia, você vai acabar com uma história onde há pessoas más que são apenas más, todas elas.

Jonathan Silver (tradução)

Apesar do fato de que isso parece contrariar a visão psicológica central dos romances de Dostoiévski, que é uma rejeição dessa tendência maniqueísta de ver o mal puro e puro bem nos tipos de caráter, mas sim reconhecer o quebrantamento que se esconde sob a superfície de cada um de nós. Quero vir ao Professor Howland em apenas um momento. Mas minha última pergunta para você nesta parte de nossa conversa é perguntar se você agora pode oferecer uma tentativa de reconciliação entre Dostoiévski, o psicólogo literário nos romances e esse lunático delirando quem está escrevendo esses ensaios.

Gary Saul Morson (tradução)

Eu não acho que ele era um lunático delirante porque isso sugere loucura. Eu não acho que seja loucura. Eu acho que é um pensamento ruim, o que uma pessoa sã pode ter. O ensaio fala sobre isso em detalhes, mas ele comprou certas maneiras de pensar no mundo e acreditou em certos “fatos” que não eram fatos. Se você acreditasse nesses fatos, e se você visse o mundo em termos dessa ideologia, acabaria por ódio aos judeus por compaixão, porque eles são as pessoas que fazem todo o mal do mundo.

Agora imagino que isso seja verdade para muitas pessoas. Se você comprar muita ideologia que é comum nos campi agora, você pode facilmente acabar pensando que um grupo de pessoas ou outro é simplesmente mau até o âmago. Claro, é provável que sejam judeus, mas outras vezes são outras pessoas. E o problema é esse tipo de pensamento, que divide o mundo dessa maneira. Esta é, a propósito, a frase mais famosa que Solzhenitsyn escreveu no Arquipélago Gulag – um livro que vale a pena ler; é o 50o aniversário de sua publicação agora – a linha entre o bem e o mal não corre entre raças, como os nazistas pensavam, ou classes sociais como os marxistas pensavam, ou entre quaisquer grupos; ele atravessa cada coração humano, incluindo o seu próprio. Isso é o que você tem que acreditar para não cair nesse tipo de pensamento, e não para exonerar a si mesmo ou seu próprio grupo.

Jonathan Silver (tradução)

Professor Howland, entregá-lo a ti.

Jacob Howland :Tradução

Primeiro, quero agradecer-lhe, Saul, por este ensaio realmente rico e maravilhoso. Você nos lembra que Dostoiévski, tanto em seu exemplo quanto em seus romances, nos mostra que nós contivemos multidões e que, de fato, os opostos habitam bem um ao lado do outro. Em seus romances, há a linha mais fina entre o amor e o ódio. Ou entre compaixão e preocupação pelos direitos humanos, por um lado, e assassinato, por outro. Isso é algo que temos que entender hoje.

Gary Saul Morson (tradução)

Eu cresci cercado por comunistas em Nova York, e essas eram pessoas que estavam justificando o tipo de coisa que Stalin estava fazendo e, no entanto, realmente, realmente, foram motivadas por alguma compaixão em muitos casos – nem todos os casos, mas em alguns casos. O comunismo está agora eliminando todo o sofrimento do mundo, eles pensaram, caso em que temos que justificá-lo. Acontece que acontece. Isso realmente acontece. A ideologia é a coisa que faz acontecer mais, mas não é tão incomum.

Jacob Howland :Tradução

Na verdade. Eu quero explorar algo que já apareceu nesta conversa. Jon mencionou este ponto importante que realmente Dostoiévski exibe certos hábitos mentais que vemos nos críticos de Israel hoje. Você observa em seu artigo, que é realmente maravilhoso e rico, a insistência de Dostoiévski de que as nações devem observar as mesmas leis morais que os indivíduos, que eu acho que é politicamente bastante ingênua. Mas, em qualquer caso, os críticos de Israel parecem concordar com Dostoiévski em aplicar os padrões de moralidade individual às IDF, uma vez que trava uma guerra pela sobrevivência da nação. Então, minha pergunta é esta: essa confusão de dois tipos de lei moral – e essas são suas palavras, “as leis que governam os indivíduos” e “as leis que governam os exércitos” – essa confusão brota da malícia antissemita, ou brota hoje mais da simples ignorância da natureza da realidade política?

Gary Saul Morson (tradução)

Deixe-me dissecar sua pergunta. Há muitas suposições que não tenho certeza de que todos nós temos que compartilhar. Mas primeiro, o que ele quer dizer com a ideia de que as nações devem observar a mesma moralidade que um indivíduo? Ele quer dizer que, uma vez que você não permitiria que uma criança fosse torturada na sua frente, se você pudesse pará-la, então o mesmo princípio se aplica a um grupo. Por essa lógica, os EUA não deveriam ter permitido que o Holocausto acontecesse; não deveríamos ter permitido que o genocídio em Ruanda acontecesse, já que poderíamos tê-lo impedido. Isso é o que realmente está por trás desse tipo de pensamento para Dostoiévski. Tolstoy, a propósito, não pensava assim. Ele achava que intervir significa matar pessoas e você não deveria fazer isso. E eles tiveram esse longo debate nas páginas de suas diferentes [publicações] sobre quando você faz isso. E você vê que é uma questão bastante complexa, porque, ao intervir, você pode acabar intervindo quando não deve intervir. Pode ser muito difícil.

Mas você também pode concordar com essa premissa, e ainda perguntar: “Qual é a coisa moral a fazer?” Não é tão simples. Por exemplo, se você é atacado por alguém que está empenhado em matá-lo, como um indivíduo, e se você deixar a pessoa ir, eles vão vir atrás de você novamente, você tem que fazer algo para evitar isso – seja a pessoa trancada ou outra coisa. Você não pode permitir que eles fiquem livres se eles vão matar você e sua família. Você pode dizer que é isso que a IDF está fazendo. Este grupo disse que vai fazer essa brutalidade em uma escala maior a cada vez. Portanto, não é necessariamente imoral ou diferente da moralidade da vida individual para entrar e impedi-los de fazê-lo.

Jacob Howland :Tradução

- Sim, sim. - Sim. Eu acho que há uma confusão entre moralidade e política, e eu acho que ela sai quando vemos críticos de Israel dizendo: “Olha, você está lutando contra o Hamas, mas você está matando esses civis inocentes”. E então você responde: “Bem, o Hamas se esconde atrás de civis inocentes”, por exemplo.

Mas deixe-me fazer outra pergunta, e isso realmente diz respeito à missão histórica do povo judeu. E aqui, novamente, penso que Dostoiévski exemplifica uma certa virada de espírito que ignora, curiosamente, nesta missão moral dos judeus. Ele escreve que Deus prometeu aos judeus, e isso algo que você cita em seu artigo: “Tu és o único diante de Deus. Destrua os outros ou escravize-os e explore-os. Dostoiévski diz que Deus prometeu isso ao povo judeu. Agora, esta interpretação perversamente transforma o povo de Israel, a quem Deus pretendia ser uma luz para as nações, para as primeiras nações em trevas morais. Eles são a ur-naation em algum sentido, certo? E ele argumenta também, e isso é parte do argumento que você expõe em seu ensaio, que os russos, e não os judeus, serão os salvadores da humanidade. São eles que serão a luz para as nações.

Gary Saul Morson (tradução)

É isso mesmo. Essa é a resposta única entre os russos. A propósito, esta tem sido uma ideia russa bastante comum: que eles são a única nação verdadeiramente cristã; eles são a única nação que está realmente empenhada em se sacrificar pelos outros.

Jacob Howland :Tradução

Portanto, há aqui algo como a ideia cristã de supersessionismo, [que a Igreja substituiu os judeus como o novo povo escolhido de Deus, uma ideia rejeitada por muitos teólogos cristãos]. Mas, pelo menos em sua melhor versão, até mesmo os cristãos subsessionistas aceitam que os judeus eram o povo escolhido, e é só que Cristo aparece. Dostoiévski está fazendo outra coisa. Primeiro, ele redefine o que significa ser escolhido dizendo: “Deus disse para sair, escravizar e dominar”. E então ele argumenta que são realmente os russos que serão os salvadores morais e espirituais da humanidade. Minha pergunta é a seguinte: é todo o antissemitismo no fundo uma espécie de imitação mimética e rivalidade moral biblicamente enraizada – não entre indivíduos como nos romances de Dostoiévski, mas entre nações? Estou pensando aqui, por exemplo, na influência da história em Gênesis de que era Isaac quem era o favorito de Abraão, não Ismael, que eu acho que tem uma grande influência sobre a história islâmica e a rivalidade que se segue. É este tipo de núcleo, a fonte do anti-semitismo – a influência desta história, esta linha bíblica, se você quiser?

Gary Saul Morson (tradução)

Bem, em primeiro lugar, eu não acho que há uma única fonte de anti-semitismo. Tem sido em torno de tantas culturas por tanto tempo, que há muitas, muitas, muitas fontes dele. O interessante é como essas muitas, muitas fontes tendem a convergir para uma única maneira de agir. Mas eu duvidaria que o que tem sido uma fonte importante nos países cristãos é o mesmo que nos países muçulmanos.

Jacob Howland :Tradução

Isso é justo o suficiente.

Jonathan Silver (tradução)

Pode-se abstrair dessas versões do antissemitismo e ver um denominador comum no próprio fato da escolha, a autocompreensão dos judeus como sendo um povo escolhido separado, mas eternamente capaz de ser vizinho em uma cultura anfitriã, às vezes capaz de viver em paz na cultura anfitriã, mas nunca totalmente assimilável em uma cultura anfitriã. E esse fato é compartilhado em ambientes muçulmanos e cristãos e em ambientes seculares também. Os judeus simplesmente se recusam a se permitir desaparecer em outra nação. E isso deve ter a ver com a expressão do antissemitismo nessas diferentes formas.

Gary Saul Morson (tradução)

Tenho certeza de que isso é verdade, porque a maneira como parece que você está olhando do outro lado não é que eles se recusam a ser fundidos, mas que eles insistem em ser separados, em comer de forma diferente – recusar-se até mesmo sentar e comer conosco – o que em muitas culturas é um sinal de desprezo absoluto. Portanto, parece um completo desprezo e condescendência. Pode parecer assim, mas é claro que se você não fizer isso, então você perde sua identidade.

Você pode ver como isso poderia funcionar de ambos os lados, mas ideologicamente não tenho certeza de que mesmo esse escolhido é sempre o que é importante. É uma das coisas que muitas vezes é importante. Mas se você pensar no antissemitismo dos últimos 200 anos na Europa, muitas vezes vem de pessoas que não acreditam em nenhuma religião. A ideia de rivalidade escolhida que obceca Dostoiévski não vai ocorrer a eles. Se o que você estava dizendo fosse a única causa [do antissemitismo], então tudo o que temos a fazer é eliminar a fé em Deus e o antissemitismo desaparecerá porque então ninguém se importaria com o escolhido, mas isso claramente não é verdade.

Jacob Howland :Tradução

Esta questão da escolha também traz sofrimento, porque se você olhar para a lógica de ser uma luz para as nações, isso significa que as outras nações estão em trevas. E você poderia ir à alegoria da caverna de Platão – o que acontece quando alguém tenta trazer a luz para a escuridão?

O sofrimento está embutido em todo este sistema. Agora Dostoiévski quer dizer que os russos sofreram mais do que os judeus. Não está claro para mim que seu sofrimento seja explicado, pelo menos por Dostoiévski, como sendo essa luz. Mas parece-me que isso deve fazer parte disso, certo? Ou seja, os russos vão sofrer por causa de toda a humanidade.

Olhai, pois, o que ele faz: diz que os judeus não são o povo escolhido; longe de ser luz para as nações que estão em trevas, são a nação [pior]. Eles são a escuridão em si e agora nós vamos ser os únicos que são [a luz]. Há uma espécie de rivalidade mimética aqui. Voltando a Dostoiévski: em Os Irmãos Karamazov, há uma rivalidade entre Ivan e Katerina sobre quem pode dominar o outro em sua humildade moral – mesmo em seu sofrimento. E é exatamente isso que está acontecendo com Dostoiévski. [Ele cria uma rivalidade moral entre judeus e russos].

Gary Saul Morson (tradução)

Com certeza. Uma das ideias que Dostoiévski retorna uma e outra vez, algo que vemos ao nosso redor o tempo todo, é que algumas pessoas gostam de ser vítimas. Há um personagem em Karamazov que diz: “Algumas vezes é muito agradável se ofender”. E a resposta é: “Não apenas agradável, mas positivamente distinto”. Você se torna moralmente superior. Karamazov era tudo sobre cultivar ser ouvido, você poderia até dizer masoquismo moral, porque você se torna moralmente superior quando é uma vítima. Vamos ser honestos, há judeus que fazem isso sozinhos. Todos nós já vimos isso. “Eu sou um judeu. Eu herdei todo o sofrimento. Eu sou moralmente superior a vocês.” Quando vejo isso, não o acho moralmente edificante. Mas é uma das coisas ruins sobre a natureza humana, e vemos isso aqui com Dostoiévski. Somos vítimas e, portanto, somos moralmente superiores. O próximo passo é: “Você não é moralmente superior. Vocês são os únicos que estão apenas fingindo ser vítimas; nós realmente somos.” Esse será sempre o próximo passo.

Jacob Howland :Tradução

Aqui está um outro paradoxo. Dostoiévski é uma pessoa muito paradoxal, um autor muito paradoxal. Ele era um crítico insuperável do utopismo revolucionário, e para aqueles que não leram Os Possuídos ou Demônios – no entanto, você quer traduzir o título – há um capítulo chamado “Com Nosso Povo”, no meio do livro, que é bastante incrível dessa maneira. É engraçado e é trágico. Aqui está Dostoiévski, um crítico do utopismo revolucionário, que finalmente abraça uma espécie de utopismo messiânico. E, de fato, eu peguei em seu artigo que ele ecoou as teorias hegelianas e marxistas de necessidade histórica em manter que a queda de Constantinopla e, portanto, o império otomano, e o milênio, eram inevitáveis. Ele tem passagens que dizem que [o desenrolar da história] será espontâneo, como se fosse a natureza se desdobrando.

Agora, o utopismo messiânico é, creio eu, estranho ao espírito autêntico do judaísmo. Não é que não tenha havido utopistas messiânicos judeus, é claro que houve. Mas eu acho que é estranho ao espírito autêntico do judaísmo, para o qual o Messias ainda não veio. Este é um tipo de falta de impaciência judaica, se você quiser. E isso é uma tensão profunda no judaísmo. E hoje vivemos em uma era de real impaciência e queremos resolver os enigmas da história e assim por diante. Até que ponto a resistência judaica é a tentação do utopismo messiânico, mesmo que seja apenas implícito, uma fonte de antissemitismo em nossa era politicamente impaciente? Isto é, para aqueles revolucionários que querem trazer algum tipo de utopia, existe uma espécie de entendimento instintivo de que os judeus vão ficar no caminho porque eles assumem a tarefa de fazer o trabalho, mas não terminá-lo?

Gary Saul Morson (tradução)

Tenho de discutir como puses alguma coisa.

Jacob Howland :Tradução

- Está bem, óptimo.

Gary Saul Morson (tradução)

Você diz que isso é um judaísmo autêntico. Esta é a sua opinião sobre o que é o Judaísmo, mas você não pode decidir por todos o que é autêntico.

Jacob Howland :Tradução

É verdade o suficiente.

Gary Saul Morson (tradução)

Uma das razões pelas quais tantos dos bolcheviques russos ou outros revolucionários eram judeus era porque eles estavam exagerando o elemento messiânico. Basta ler o Trotsky. Não pode ser uma coincidência que essas são pessoas criadas nas culturas judaicas. Acho que você tem os dois tipos de judeus. E a parte messiânica do judaísmo eu acho que se mostra em pessoas como Trotsky ou talvez até Marx. Eu acho que o que eu diria é que os judeus devem ver o judaísmo da maneira que você diz. Eu acho que é muito mais simpático. Mas não tenho certeza se eles sempre têm ou que todos eles têm, e talvez o perigo esteja naqueles que não têm. Os judeus que foram messianistas causaram muitos danos.

Jacob Howland :Tradução

Mais uma pergunta. Este é um grande, mas podemos ter uma resposta curta. Você começa seu ensaio rejeitando a noção de que o mal pode ser explicado pela possessão demoníaca. Mas o próprio Dostoiévski fala do mal niilista como uma espécie de possessão demoníaca em seu livro The Possessed. E, em minha opinião, novamente, o mal puro parece transcender a explicação não menos que o bem puro. Você não vai dar uma razão para isso. É o que Primo Levi, por exemplo, chama de violência inútil: o mal mais puro é apenas tortura por si só.

E parece-me que o mal puro é mais do que apenas uma ausência de bem. Teologicamente, muitas vezes é explicado como uma ausência de bem, mas sim é um ato ou uma força em seu próprio direito. Então, minha pergunta para você é: podemos realmente abandonar as categorias teológicas ao falar do mal? Eu não estou sugerindo que você os abandone, e eu entendo que todo o objetivo do seu ensaio é tentar entender o que chamamos de idiotas úteis anteriormente. Mas eu me pergunto, se estamos realmente lidando com o mal, em última análise, precisamos de algum tipo de termos teológicos.

Gary Saul Morson (tradução)

Sim, acho que sim. Você tem tanta história de pensamento religioso sobre a natureza do mal. Apenas banir a parte mais profunda da herança dos últimos 2.000 anos [é um erro]. Essas categorias realmente fazem a diferença. E sim, há uma passagem no romance de Dostoiévski, A Casa dos Mortos, que é uma versão ficcional de seu tempo no campo de prisioneiros da Sibéria, onde ele encontra um dos criminosos que estavam lá que claramente gostavam de ser cruel, torturando crianças. E talvez houvesse alguma vantagem de que Dostoiévski acha que ele fica de torturar crianças, e esse criminoso olha para ele com total piedade, [e explica]: “Você pensa com desprezo! Você acha que eu preciso de uma razão para ser cruel?” Aqui Dostoiévski está encontrando o mal puro pela primeira vez, tentando dar sentido a ele, e não ser capaz de fazê-lo. E sim, é claro que você pretende descrever isso como possessão demoníaca. Em The Possessed, o demônio acaba por ser não demônios literais, mas ideologia que afeta o cérebro da maneira que um demônio faria. E assim o perigo é a ideologia, mas você não entende como a ideologia funciona a menos que você entenda o demoníaco.

Jacob Howland :Tradução

- Obrigado. - Obrigado. - Obrigado

Jonathan Silver (tradução)

Temos um monte de perguntas do público. Mas o primeiro é muito interessante para mim, e é sobre o perdão. Dostoiévski vê-se como um cristão devoto e é animado por princípios cristãos e vê aqueles que sofrem como abrangidos pela graça do Deus cristão. E parte da maneira humana pela qual o amor e a graça é mediado no mundo é através do perdão. Essa ideia desempenha um papel no cristianismo de Dostoiévski? Deixe-me apenas adicionar uma outra nota antes de responder. Muitas vezes, o ativismo contemporâneo, que é tão animado por um desejo semelhante de buscar a justiça e ver o bem feito na terra, envolve uma notável falta de perdão, de modo que os crimes históricos desse povo ou daquele grupo, para usar a frase do Professor Howland, é “mimeticamente passado de geração em geração”, e essas pessoas não recebem esse tipo de perdão que faz parte da visão cristã.

Gary Saul Morson (tradução)

Para acreditar no perdão, você tem que entregar a ideia de que você é o agente escolhido da justiça. As pessoas que são cruéis não se consideram cruéis; elas pensam em si mesmas como imponham a justiça. O mesmo acontece com as pessoas que têm inveja. Ninguém afirma ser invejável, apenas para ter sido tratado injustamente. É sempre colocá-lo no quadro da justiça. Quanto mais você pensa soley em termos de justiça, e acredita que você é seu agente, menos o perdão se torna possível.

Uma das ideias-chave de Dostoiévski é que a justiça é um valor alto, mas o amor e o perdão são maiores. Muitas de suas histórias tardias lidam com coisas assim. Algumas vezes você tem que superar algo, e uma das maneiras que você supera e depois concede perdão é olhando para si mesmo e percebendo que você não é tão puro você mesmo e em outras circunstâncias você pode ter feito algo muito ruim também. Na verdade, talvez você esteja prestes a fazê-lo em nome da justiça. Esse deve ser um impulso que você se ensine a ter, a moderar seu desejo de ser o agente da justiça no mundo. Sempre que você tem essa sensação de que é você ou seu grupo, você precisa se perguntar se isso é tão atraente, e se eles vão fazer algo ruim porque você está ajudando.

Jonathan Silver (tradução)

Aqui está uma pergunta sobre a relação entre humilhação e vitimização e sua reivindicação de superioridade moral. - Podes falar sobre isso?

Gary Saul Morson (tradução)

Se ser uma vítima faz você moralmente superior, então você pode até cultivar momentos em que você é vitimado. Você vai procurar insultos. Vemos isso hoje. As pessoas aprendem a fazer uma montanha de um montículo. Você pode realmente ter sido insultado, mas você faz muito mais do que é porque faz você sentir que você é moralmente superior. Mas ser moralmente superior significa que você pode fazer aos outros o que quiser, porque você está apenas pagando-os de volta pelo que aconteceu com você. E quanto mais você exagera seu próprio sofrimento, mais você pode fazer com os outros. Pelo menos na minha leitura da chegada de Hitler ao poder, ele apelou para o senso dos alemães de ter sido vítima depois de Versalhes. E que, portanto, eles devem ter a chance de fazer o mesmo com os outros. E esse apelo é algo sempre para suspeitar. Outra maneira de dizer é que ser uma vítima não faz você moralmente superior; a maneira de se tornar moralmente superior é ser moralmente melhor.

Jonathan Silver (tradução)

Esta é uma nota muito importante para a comunidade judaica, como você aludiu anteriormente. Enquanto pensamos em como confrontar a explosão do antissemitismo que vemos ao nosso redor, há um impulso muito compreensível para tentar competir nas Olimpíadas de vitimização. Por exemplo, podemos apontar que metade dos israelenses são Mizrahi e, portanto, pessoas de cor, e que isso é algo que os críticos ocidentais de Israel não entendem. Ou podemos apontar o quanto os judeus sofreram. E então podemos retirar as estatísticas do FBI que mostram que os crimes contra nós são mais numerosos do que crimes contra outras pessoas. E toda essa linha de pensamento é inteiramente compreensível, mas na visão de Dostoiévski, errada.

Gary Saul Morson (tradução)

Eu acho que uma das coisas que produziu a atual explosão de antissemitismo nos Estados Unidos é o tipo de pensamento que as pessoas foram ensinadas agora por uma geração: que o mundo está perfeitamente dividido em opressores e oprimido. E então, uma vez que você encaixa os judeus ou qualquer outra pessoa no slot opressor, você pode fazer o que quiser com eles, porque o mundo está bem dividido em bem e mal. Se esse tipo de pensamento é o problema – e eu acho que é uma grande parte do problema – então haveria algo realmente perverso em dizer: “Não, nós queremos o espaço oprimido”. Você está, portanto, endossando esse tipo de coisa. Suponha que você obtenha o outro espaço, então você pode usar essa autoridade moral da vitimização como um bastão contra outra pessoa. A linha entre o bem e o mal atravessa todo coração humano.

Jacob Howland :Tradução

É estranho porque eu acho que Dostoiévski está certo sobre tanta coisa. Essa maneira de pensar [sobre a vitimização] é estranha a Dostoiévski. Eu acho que ele consideraria isso como uma versão do utilitarismo, que transforma Deus em um comerciante ou contador moral que diz: “Você fez uma coisa ruim com ele, então agora ele começa a fazer uma coisa ruim para você, e então os livros serão equilibrados”. O problema é que ele afirma que os judeus são a fonte histórica desse tipo de pensamento utilitarista, que poderíamos chamar de modelo econômico de relações morais. E então ele posiciona os russos como este dando espontaneamente as pessoas. Eles não estão resolvendo pontuações; eles são superabundantemente morais em sua doação de si mesmos.

Gary Saul Morson (tradução)

Há um livro maravilhoso da minha colega, Susan McReynolds, sobre como esse tipo de pensamento surgiu das preocupações teológicas de Dostoiévski. E isso o levou através de todos os tipos de pontos de vista heréticos em que ele estava tão preocupado com o abuso infantil que ele começou a ver a história cristã central de Deus sacrificando seu filho como um caso de abuso infantil. E é o Deus judeu que faz o sacrifício! E gradualmente seu cristianismo tornou-se centrado em Cristo, mas sem Deus, o pai. É um livro realmente maravilhoso. Mas, é claro, muito disso é herético aos olhos da teologia cristã. O pai e o filho não deveriam ser dois seres separados, mas partes de um único. É o próprio Deus quem está sendo sacrificado.

Jacob Howland :Tradução

Eu acho que você poderia dizer que os romances de Dostoiévski são tudo sobre demonstrar as consequências humanas do trabalho a partir de ideias. Mas parece que ele vê a história de uma certa maneira, e ele vê os judeus de uma certa maneira, porque ele começa com as ideias erradas. Vamos apenas tomar a coisa da criança-sacrifício novamente. Ele quer ver o Deus judeu como um tipo de Deus cruel. Mas isso também é baseado em uma leitura errada da Akeidah, [a história da ligação de Isaque], que é uma rejeição do sacrifício de crianças. E então ele atribui as idéias originais erradas aos judeus e, em seguida, vê a história saindo disso para suas consequências inevitáveis. A questão é por que ele faz isso para começar? É uma coisa muito estranha.

Gary Saul Morson (tradução)

Ele é como Ivan Karamazov, torturado até o ponto de distração por histórias do sofrimento das crianças. E ele foi a julgamentos de abuso infantil. Ele é o maior repórter criminal do mundo. E ele encontrou casos terríveis de abuso infantil e, em seguida, de advogados liberais progressistas usando as últimas teorias para tirar os perpetradores. Eles argumentam que os réus não são realmente responsáveis; apenas as sociedades são responsáveis. Algo está errado com essa maneira de pensar. Em seguida, é preciso apenas um passo para associar esses valores aos judeus. Mas ele certamente não é único em pensar que os valores liberais são carregados pelos judeus. Mas é uma parte importante de como ele dá errado. Ele também entende seus fatos errados.

Jonathan Silver (tradução)

Eu tenho que dizer que há algo muito insatisfatório em chegar a esse lugar e nos permitir sentir contentes em dizer que Dostoiévski entende os fatos errados, e se ele os tivesse acertado, seu rastreamento requintado das consequências desses fatos levaria a um lugar moralmente superior. Porque todos nós estamos lendo as notícias constantemente e lendo alegações contraditórias. Eles atingiram o hospital; eles não atingiram o hospital. Há túneis; não há túneis. Havia decapitações; não havia decapitações. E sabemos que algumas dessas coisas são fatos indiscutíveis e outras são mentiras. E queremos dizer aos nossos críticos: “Você simplesmente não entende os fatos. E se você apenas entendesse os fatos, então você veria as coisas como nós.” E devemos ter cuidado com isso.

Gary Saul Morson (tradução)

- Sim, sim. - Sim. Mas há muitas coisas diferentes que levam as pessoas ao antissemitismo. Em algumas pessoas, está errado os fatos: eles nunca foram ensinados sobre o Holocausto; eles foram ensinados coisas ruins sobre os judeus. Para algumas dessas pessoas, mudar a maneira como são ensinados na escola pode fazer a diferença. Para as pessoas que odeiam Israel porque compram uma ideologia que divide o mundo em bom e mau ao longo das linhas de “opressor” e “oprimido”, obter os fatos certos não fará nenhuma diferença.

Jonathan Silver (tradução)

- Está bem. Há dezenas e dezenas de perguntas aqui, então eu vou ter que escolher apenas uma última e colocá-la para vocês dois. Existe uma correlação entre a compaixão pelo mundo e o antissemitismo? Será que percebe algum tipo de correlação como essa, de modo que a devoção à compaixão encontrada em alguns antissemitas torna seu antissemitismo mais intenso, e por que seria se fosse assim?

Gary Saul Morson (tradução)

Essa é uma pergunta muito boa. Se o que você acha que está fazendo é lutar contra o sofrimento, então quem quer que seja o agente do sofrimento será alguém contra quem você realmente quer lutar. Se você vê os judeus como nazistas, você vai lutar contra eles. Mas não acho que haja uma conexão necessária lá. A compaixão pode realmente levar à compaixão. Você só precisa ser um pouco suspeito, um pouco cético em relação à sua própria capacidade de dividir o mundo perfeitamente em certo e errado. Aplique o olhar que você aplica aos outros e veja o que acontece. Se você adquirir o hábito de fazer isso, não garantirá que você chegue às respostas certas, mas ajudará muito a evitar que você chegue às piores respostas.

Jacob Howland :Tradução

Eu acho que um problema é que muita compaixão hoje é dirigida hoje para a humanidade como tal, para uma abstração. E os judeus certamente sofreram com isso. Sabemos durante o Holocausto que as nações ocidentais relatariam atrofias nazistas e emitiriam declarações, mas não mencionavam necessariamente os judeus pelo nome. E vimos algo semelhante nas respostas de alguns presidentes de universidades. Imediatamente após 7 de outubro, ou após subsequentes incidentes anti-judeus, eles disseram coisas como: “Condenamos todos os tipos de antissemitismo e islamofobia”. Como se fosse o caso que em algumas dessas escolas da Ivy League havia islamofobia desenfreada e as pessoas estavam pedindo o assassinato de muçulmanos e assim por diante. Estes tornam-se formas de apagar os judeus, e eu acho que você poderia dar uma palestra sobre as raízes do Iluminismo desta atitude. E remonta ao que discutimos anteriormente, sobre a digestibilidade ou assimilação dos judeus. Não seria melhor se fossem apenas seres humanos?

Mas esse modo de pensar esconde a particularidade do sofrimento judaico. E eu até faria o caso do outro lado: quando os judeus são notáveis por fazer coisas boas, também é ignorado. A abstração é uma característica fundamental da vida moderna. E, a propósito, uma última coisa que eu diria é que somos uma minoria muito pequena, que é algo que esquecemos com frequência. As crianças na faculdade podem muito bem estar olhando para as sombras na parede da Caverna de Platão, na medida em que sua visão dos judeus é tão mediada. Assim, para eles, o judeu é um opressor ou um colonizador colonialista ou algo assim. E eu acho que isso é um problema real.

Gary Saul Morson (tradução)

Eu concordo. Parte do que está produzindo essa tendência é que nos desonemos; só falamos com pessoas com quem concordamos e, portanto, qualquer pessoa com quem discordamos deve ser verdadeiramente má. E muitas vezes você nunca encontra pessoas razoáveis que votam de forma diferente de você. E quando você se coloca sozinho, é fácil pensar em outras pessoas como más – assim como antes de haver integração, você poderia pensar no mal como outra raça. Você não pensa assim sobre as pessoas que vivem ao lado de você. Siloing ensina às pessoas um hábito de espírito que, em seguida, é levado para os judeus.

Tradução do Blog, feita pelo Google.

Fonte: https://mosaicmagazine.com/response/arts-culture/2023/12/confronting-the-dostoevsky-problem/