sábado, 30 de abril de 2011

Ernesto Sabato - Deixou-nos para ser eterno...

Literatura
Morre aos 99 anos o escritor argentino Ernesto Sabato

Escritor era considerado um dos maiores autores argentinos do século XXO escritor Ernesto Sabato, vencedor do Prêmio Cervantes de Literatura e um dos maiores autores argentinos do século XX, morreu aos 99 anos em sua residência de Santos Lugares, na província de Buenos Aires, anunciou neste sábado a família.
— Ele morreu durante a noite, é um grande que se vai. Há 15 dias teve uma bronquite e na idade dele isto é terrível — declarou sua companheira de 30 anos e colaboradora, Elvira Gonzáles Fraga.
— Vinha sofrendo há três anos. De alguma maneira se aproximava dos 100 anos, mas era doloroso de ver — confessou a mulher à rádio Mitre, que lamentou a morte do autor.
— Nos acompanhamos por 30 anos. Há muito tempo Sabato estava mal, mas de alguma maneira permanecia estável, gostava muito de música, então colocávamos música para entretê-lo — disse.
Sabato seria homenageado no domingo na Feira do Livro pelo Instituto Cultural da província de Buenos Aires, a dois meses de completar 100 anos.
Prêmio Cervantes de Literatura em 1984, Sabato escreveu obras fundamentais da literatura argentina como "O Túnel", "Sobre Heróis e Tumbas" e "Abbadón, o exterminador".
— Há uma obra chave de Sabato que é "Homens e Engrenagens", que fala de maneira magnífica sobre a relação entre o homem e a tecnologia, algo que está acontecendo de forma contemporânea — afirmou o secretário de Cultura da cidade de Buenos Aires, Hernán Lombardi.
A última homenagem oficial ao escritor foi feita pelo falecido ex-presidente Néstor Kirchner e pela então senadora Cristina Fernández Kirchner, quando financiaram a criação de um museu e uma Casa de Cultura em homenagem a Sabato.
Nascido em 24 de junho de 1911 na cidade de Rojas, Sabato foi o penúltimo de 11 filhos e seus biógrafos acreditam que parte de sua atormentada personalidade foi consequência do fato de ter sido batizado com o nome do irmão imediatamente mais velho, morto pouco tempo antes.
Em 1984, presidiu um seleto conjunto de personalidades na Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep), que publicou o famoso "Nunca mais", com relatos e depoimentos das vítimas e sobreviventes da ditadura (1976/1983).
— Compartilhamos horas de conversas, de luta quando integrávamos a Conadep — recordou Graciela Fernández Meijide, ex-senadora e membro da Assembleia Permanente de Direitos Humanos (APDH).
"Me dói a morte de Ernesto Sabato, ficam seus livros e a recordação de um homem apaixonado por seu país", escreveu o chanceler Héctor Timerman na rede social Twitter.
— Sabato representa mais que a literatura. Sem dúvida, foi o último escritor argentino de verdadeira chegada popular como referência cultural. Um tipo de figura que me parece que desapareceu no horizonte atual — disse María Rosa Lojo, pesquisadora e escritora que fez uma tese de doutorado sobre o autor.
Sabato será velado neste sábado no clube Defensores de Santos Lugares, na área da província de Buenos Aires em que viveu durante décadas.

OBS do blog: Sinto a morte do SABATO. Sou seu leitor e sempre me enriqueceram os seus escritos. A morte é implacável. Cada vez vemos menos humanos assim, seja no mundo da literatura, da política ou do religioso. Choro em silêncio. Ficam para a eternidade o seus escritos...
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AFP Link de Origem
Fonte: ZH online, 30/04/2011

Jorge Luis Borges - UMA VIDA

O gênio com cabeça, tronco e membros
Imagem da Internet
Definido pelo colega uruguaio Eduardo Galeano
 como 'um homem que só tinha cérebro',
o escritor argentino Jorge Luis Borges tem
sua vida revisitada em novo livro,
mas não somente na esfera intelectual
- na íntima também

Inventar e descobrir podem ser sinônimos em latim, mas, para o professor inglês Edwin Williamson, melhor que inventar é adotar a realidade como ponto de partida para descobrir quem foi, afinal, o maior nome da literatura argentina do século 20, o escritor Jorge Luis Borges (1899-1986). Já definido pelo colega uruguaio Eduardo Galeano como um cérebro que andava - sem estômago, coração ou órgão sexual -, o argentino é examinado por Williamson na biografia Borges: Uma Vida, que chega às livrarias na terça. Com Borges, já disse o autor irlandês Colm Tóibín, é perigoso inferir que qualquer material biográfico possa ter inspirado o conteúdo de seus livros. Os livros que ele certamente leu aparecem com mais frequência em seus escritos.
No entanto, Williamson, que conhece bem não só a história do escritor argentino como da América Latina, mostra como a vida de Borges aparece associada aos seus escritos. O pai de Borges, frustrado por seu pouco talento literário, acabou consagrado indiretamente por meio do mais longo texto de ficção escrito pelo filho, um conto chamado El Congreso, que toma emprestada a história contada por Jorge Guillermo Borges em El Caudillo (1921).
Williamson, em entrevista ao Sabático, afirma que a figura do pai teve um impacto sobre o filho talvez até maior do que a mãe, Leonor Acevedo, mulher autoritária, descendente de militares. Ela manteve Borges sob controle - sexual, inclusive - e sob o mesmo teto, até escolher sua mulher. Cego desde o fim dos anos 1950, ele se tornou cada vez mais dependente dela e teria projetado em outras mulheres esse ideal edipiano. A seguir, a entrevista de seu biógrafo.


A herança da mãe de Borges parece ser mais poderosa do que a de seu pai. Por que, se a ambição literária do pai era o que de mais comum havia entre eles?
Borges se sentia unido à mãe por um laço muito forte: admirava-a por sua inteligência e força de caráter, mas tinha consciência de que ela representava um obstáculo em suas próprias relações com as mulheres. Leonor Acevedo era filha única de uma família "criolla", cujo status paterno derivava das gloriosas façanhas do coronel Francisco Suárez nas guerras de independência. Mulher forte, vivaz e inteligente, dominava o filho como a um menino. Dona Leonor era bastante esnobe e parecia não gostar das mulheres de quem "Georgie" se enamorava. Por fim, foi ela quem escolheu a esposa de seu filho quando ele tinha 67 anos, mas o casamento não durou muito. A mãe viveu até os 99 anos. Tento mostrar no livro que o pai teve um impacto sobre o filho ainda maior do que a mãe. Borges devia a ele sua introdução no mundo da filosofia e da literatura, mas a maneira com que isso ocorreu criou uma relação profundamente ambivalente. Foi o pai quem decidiu não mandar o filho ao colégio até os 11 anos, oferecendo em seu lugar sua biblioteca de 10 mil volumes. Desse fato insólito advém muito da "irrealidade" que sentia Borges, porque padecia de um forte sentimento de estar separado das outras pessoas e mesmo do mundo. Por outro lado, graças ao pai e seus amigos boêmios, o jovem Borges cai fascinado pelo "culto da coragem" dos duelistas portenhos. E, cúmulo, foi o próprio pai que promoveu a traumática iniciação sexual do filho com uma prostituta em Genebra - e isso o marcou profundamente, agravando o conflito de seu mundo interior. Mas o que marcou sobretudo a vida de Borges foi a divisão tão aguda entre as personalidades e valores de seus pais. Leonor Acevedo era católica e muito burguesa, enquanto Jorge Guillermo Borges era anarquista e mulherengo. Essa diferença provoca no filho um conflito que caracterizou como uma oposição entre a espada da honra, associada à mãe, e o punhal da transgressão, associado ao pai. Aí está a raiz psicológica do dualismo que se observa em toda a obra de Borges - a espada representando a dignidade patrícia, enquanto o punhal significa tudo o que vem da plebe, o sexual. Sentindo-se atraído igualmente pelos dois polos, seu projeto vital era superar esse conflito.
Há algumas semelhanças entre El Caudillo e El Congreso. O senhor escreve sobre o paralelo entre as obras do pai e do filho no livro. O pai não seria um espelho para o filho?
Apesar de ser mulherengo, o pai de Borges mostra uma veia muito romântica em seus poemas e em sua única novela, El Caudillo. Nela, que analiso em meu livro, Jorge Guillermo Borges representa a paixão erótica num sentido místico, como uma vida dedicada à realização do ser e sua conexão essencial com o espírito do universo. Essa ideia teve uma influência decisiva na temática de Borges filho, especialmente em El Congreso, seu conto mais extenso, calcado, como demonstro, no padrão ideológico fixado pela novela do pai. El Congreso foi uma tentativa de livrar-se da sombra do pai. Ele foi um escritor frustrado e o filho temia precisamente ser um espelho do pai. Pouco antes de morrer, o pai pediu ao filho que reescrevesse e corrigisse El Caudillo e eu argumento que El Congreso revela a intenção de Borges de resolver esse conflito difícil - obedecer ao pai e ao mesmo tempo não ser meramente seu reflexo.

Que tipo de influência literária teve Macedonio Fernández na obra de Borges, especialmente no uso de metáforas? O senhor diria que ele estava mais próximo do cosmopolitismo de Macedonio do que da herança literária de José Hernandez e de seu Martín Fierro?
Borges se ressentia de uma dualidade de fundo: por um lado, temia cair no que chamou a "nadería da personalidade", enquanto do outro se esforçava para definir a essência de sua pessoa. O vaivém entre esses dois polos - entre Whitman e Kafka, como ele mesmo definiu - marcou sua carreira. Macedonio influiu poderosamente em suas ideias sobre a inutilidade do ser, e também lhe ofereceu um modelo de como incorporar essa preocupação em sua escritura. El Gaucho Martín Fierro é outra influência importante. Borges faz alusões a esse poema repetidamente em suas ficções e ensaios por várias razões, mas, no fundo, o que interessa é representar o gaúcho como símbolo da afirmação pessoal, individual. Por isso o duelo com facas é tão central na obra de Borges: é um dos temas que emprega para escapar da "nadería da personalidade".
"Borges era uma constante fonte de
 inspiração literária para o escritor mais jovem,
enquanto Bioy era um conselheiro,
suporte moral nas peripécias amorosas
 que tanto sofrimento lhe causavam."
O senhor enfatiza em seu livro as conturbadas relações de Borges com as mulheres, sugerindo que esses encontros infelizes foram fundamentais para a construção de sua obra. E a amizade de Borges com Bioy Casares e María Kodama: o que eles representaram para sua criação literária?
A duradoura amizade de Borges e Bioy Casares é um fenômeno único: trata-se de uma relação de mais de 50 anos entre um dos maiores escritores do século 20 e um escritor hispano-americano de primeira linha. Com o tempo, Bioy Casares se converteu no companheiro mais assíduo de Borges, como também em coautor de uma série de contos e roteiros cinematográficos. Mas, me contou o próprio Bioy, quando se tratava de obras que ambos consideravam trabalho sério, não havia colaboração nenhuma: não discutiam seus "works in progress" nem mostravam seus manuscritos um ao outro. A amizade, num nível mais profundo, se baseava numa espécie de tácito intercâmbio - Borges era uma constante fonte de inspiração literária para o escritor mais jovem, enquanto Bioy era um conselheiro, suporte moral nas peripécias amorosas que tanto sofrimento lhe causavam. Bioy não se deu conta da crescente influência de María Kodama na vida íntima do amigo, mas se María começou a substituir Bioy como confidente era porque levava uma vantagem decisiva sobre ele: estava capacitada a entrar precisamente nessa vida íntima que era toda a fonte da escritura de Borges; ela, enfim, foi capaz de oferecer amor, experiência que ele tanto ansiava e que uma cadeia de mulheres lhe havia negado.

Borges foi torturado a vida inteira por não ter sido premiado com o Nobel. O que, afinal, representava esse prêmio para ele?
Em 1976 havia rumores de que Borges era um dos candidatos ao Nobel. Isso coincidiu com o golpe de Estado do general Videla contra Isabelita Perón. Borges celebrou esse golpe e também visitou o Chile para receber uma condecoração de Pinochet. Tudo isso provocou um grande escândalo nos meios internacionais. Por causa dele, um dos jurados do Nobel, de ideologia marxista, pressionou para que o prêmio não fosse concedido a Borges. Creio que foi isso que mais lhe incomodou, o fato de ter perdido um prêmio literário por motivos políticos.
"Borges sempre se opôs ao que
considerava o caudilhismo endêmico
na política argentina.
Creio que não compreendeu o
alcance político da revolução social
que Perón desencadeou
nos anos 1950."
As posições políticas de Borges sempre foram complexas. Hoje é difícil acreditar em sua versão para alguns fatos. Por que ele deixou para trás o fato de sua mãe ter sido presa por participar de uma demonstração contra Perón e aceitou ser presidente da Sociedade Argentina de Escritores quando Perón era presidente nos anos 1950? Como explicar seu apoio à ditadura militar de 1976?
Borges não esqueceu a detenção de sua mãe pelos peronistas. Ao contrário, foi isso que o fez assumir a presidência da Sociedade Argentina de Escritores. A coragem de sua mãe o inspirou a fazer frente a Perón de maneira pública. A meu ver, o que explica sua oposição a Perón é sua antipatia ao fascismo, ao nazismo e ao nacionalismo de direita na Argentina. Borges sempre se opôs ao que considerava o caudilhismo endêmico na política argentina. Creio que não compreendeu o alcance político da revolução social que Perón desencadeou nos anos 1950. Empenhara-se em considerar Perón simplesmente como um ditador. Creio que o golpe militar de Videla em 1976 o encheu de alegria porque o viu como outra instância da Revolução Libertadora que havia derrubado Perón em 1955 - e que não acabou com o peronismo. Mostro que esse apoio a Videla não durou mais de um ano: os militares decepcionaram Borges progressivamente por seu nacionalismo agressivo, sua incompetência econômica e pela barbárie na repressão à guerrilha.

O túmulo de Borges na Suíça foi claramente projetado por María Kodama com referências e imagens da cultura viking. Por quê?
Esses temas se referem a um conto chamado Ulrica, escrito após uma viagem à Islândia, em 1971, na qual se declarou a María Kodama. Trata de um velho professor sul-americano que conhece uma garota norueguesa que lhe oferece uma noite de amor. Esse "milagre" o faz lembrar de uma outra garota que lhe negara amor na juventude. Há aí uma referência autobiográfica muito precisa - a paixão pela poeta Norah Lange, sua protegida nos anos 1920. Norah foi sua musa e a ela se deve esse fascínio por temas escandinavos. No fim, ela se apaixonou pelo poeta Oliverio Girondo, o mais odiado rival de Borges dentro da vanguarda argentina, e essa rejeição o desorientou por completo. Pouco tempo depois, ele perdeu sua voz poética. O tema de Ulrica é a libertação da memória de um amor frustrado. O velho professor aceita o amor que outra garota lhe oferece por uma noite.
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REPORTAGEM POR: Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S.Paulo
FONTE: Estadão online, 30/04/2011

Zygmunt Bauman - Entrevista

A face humana da sociologia

Imagem da Internet

Ao responder, por escrito, a uma série de perguntas do Estado,
 o pensador polonês Zygmunt Bauman reflete sobre
a sociedade contemporânea e o desafio de encontrar respostas
a problemas que ela mesma criou

O polonês Zygmunt Bauman, com a sabedoria extra que os 85 anos de vida lhe conferem, cultiva a virtude da dedicação, a despeito das distrações temporárias. E ao cultivar tal virtude, torna evidente seu apego ao campo de estudos que abraçou há muito tempo: é um sociólogo em tempo integral. Acredita que suas ferramentas de análise da realidade precisam estar sempre à mão, prontas para dar mais uma volta no parafuso das nossas inquietações existenciais. Dias atrás, ao receber um punhado de questões enviadas por email pelo caderno Sabático, este senhor de cabelos brancos e jeito de avô se pôs a escrever obstinadamente de sua casa na Inglaterra, enfrentando uma madrugada (insone, como admitiria) no compromisso de não deixar pergunta sem resposta. Não queria ser superficial, ou "perfunctório", acrescentou em tom solene. O retorno ao questionário não poderia ter sido mais generoso: o célebre criador do conceito de "modernidade líquida" flui em reflexões provocantes, desestabilizadoras, feitas sob o signo do ecletismo e da universalidade, como sempre. Quem lhe conhece a obra, já sabe: pode-se concordar ou não com suas análises sociológicas, mas permanecer indiferente a elas é difícil.
São mais de 20 títulos publicados no Brasil deste professor emérito das universidades de Varsóvia e Leeds, num total em torno de 250 mil livros vendidos. Recentemente chegaram às livrarias Bauman sobre Bauman, longo diálogo com o sociólogo inglês Keith Tester, e Vidas em Fragmentos, conjunto de oito ensaios em torno da sociedade de consumidores; e em junho será lançado 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno, material epistolar assinado por Bauman e publicado na imprensa italiana (todos pela Zahar). Aos admiradores do pensador polonês, vale o lembrete: ele é um dos convidados internacionais da série Fronteiras do Pensamento, tendo duas conferências programadas para Porto Alegre e São Paulo(11 e 12 de julho, respectivamente, mais informações no site www.fronteirasdopensamento.com.br).
A seguir, a versão editada da longa noite de insônia. Ao responder às questões que lhe foram apresentadas, Bauman não toca na influência que Janina, sua mulher, exerceu sobre suas ideias e visão do mundo. Janina Bauman é autora de Inverno na Manhã, o relato impressionante de uma menina judia em Varsóvia, durante a ocupação nazista. Também não chega a citar Gramsci, o pensador que o livrou da ortodoxia marxista, levando-o a ver que a experiência humana é ilimitada e "cultura é a faca que pressiona o futuro". Em compensação, Bauman nomeia um time de pensadores contemporâneos que o ajudam a demonstrar por que, na modernidade líquida, estamos condenados a mudar obstinadamente, carregando e reprocessando incertezas. Notem que o tempo todo ele chama atenção para as novas formas da desigualdade no planeta e faz um alerta: na sociedade global, a justiça será obra de acordos, não de consensos.

Quando o senhor expôs o conceito de modernidade líquida, anos atrás, pairou a impressão de pessimismo. Impressão que hoje parece ceder a uma percepção mais otimista da realidade: apesar das incertezas do nosso tempo, podemos construir uma sociedade que responda a tudo isso. Afinal, não terá sido sempre assim? Construir e reconstruir estruturas seria o nosso destino?
Nossa sina, eu diria... Nós nos encontramos num momento de "interregno": velhas maneiras de fazer as coisas não funcionam mais, modos de vida aprendidos e herdados já não são adequados à conditio humana do presente, mas também novas maneiras de lidar com os desafios da contemporaneidade ainda não foram inventados, tampouco adotados. Não sabemos quais formas e configurações existentes precisariam ser "liquefeitas" e substituídas. Diferentemente de nossos ancestrais, não temos uma noção clara de "destinação", nem do que seria, de fato, um modelo de sociedade global, economia global, política global, jurisdição global... Estamos reagindo ao último problema que se apresenta. E tateamos no escuro. Queremos diminuir a poluição por dióxido de carbono desmantelando as termelétricas para substituí-las por usinas atômicas, em que pese o espectro de Chernobyl ou Fukushima pairando sobre nós. Admitamos: hoje mais sentimos do que sabemos. E temos dificuldade em admitir que o poder, isto é, a capacidade de fazer coisas, foi cruelmente separado da política, isto é, a capacidade de decidir quais coisas precisam ser feitas e priorizadas.

O senhor expressa incômodo com a ideia, já transformada em rótulo, de pós-modernidade. Mas existe uma percepção de mudança, de passagem de um tempo para outro. Diante dos avanços tecnológicos, constatamos que nossas vidas mudaram, assim como nossos hábitos e nossas perspectivas de futuro. Estamos virando seres pós-analógicos?
Não, somos modernos. Todos nós, em cada canto deste planeta, somos modernos. As formas de vida moderna podem diferir em muitos aspectos, mas o que as une é precisamente sua fragilidade, fugacidade, seu pendor para câmbios constantes. "Ser moderno" significa mudar compulsivamente. Não tanto "ser", mas "estar se tornando", permanecendo incompleto e subdefinido. Cada nova estrutura com a qual substituímos uma anterior, declarada obsoleta, prefiguramos um arranjo admitidamente temporário, "até nova ordem". Então, a modernidade muda suas formas como o lendário Proteu... O que tempos atrás era apelidado erroneamente de "pós-modernidade", e que prefiro chamar "modernidade líquida", traduz-se na crescente convicção de que a mudança é a nossa única permanência. E a incerteza, a nossa única certeza.

Também estamos acometidos de um sentido de urgência e descartabilidade. É possível escapar a essas dinâmicas?
Tem a ver com a sociedade de consumo. Tomemos os estudantes que hoje avidamente exibem suas qualidades em busca de reconhecimento e aprovação para entrar no jogo das carreiras. Ou clientes que aumentam gastos para obter novos limites de crédito. Ou ainda imigrantes lutando para garantir a demanda dos serviços que possam oferecer. Essas três categorias aparentemente tão distintas de pessoas estão prontas para disputar o mercado das commodities humanas, como matérias-primas atraentes e desejáveis. São, a um só tempo, a mercadoria e seus agentes de marketing, os bens de consumo e seus propagandistas. Nesses termos, as pessoas começam a valer pela sua "vendabilidade". Elas mesmas procuram desenvolver qualidades para as quais haja demanda ou reciclar qualidades para as quais a demanda ainda possa ser criada, num processo que mistura valor social e autoestima. Nossa sociedade não está preocupada com a satisfação de necessidades, desejos e vontades, mas com a commoditização ou recommoditização do consumidor. Daí o sentido de obsolescência e descartabilidade que nos persegue.

A "cultura da celebridade", tão em voga e tão banalizada, tem a ver com tudo isso? Entra no cálculo do indivíduo vendável?
As celebridades tornaram-se um fenômeno curioso. Elas parecem nos avisar que chegou a hora de rever o famoso veredicto de Descartes, "penso, logo existo", alterando-o para "sou visto, logo existo". E tão mais existo quanto mais visto for - seja na TV, nas revistas glamourosas, no Facebook. Como sugere o psicanalista francês Serge Tisseron, os relacionamentos significativos passaram do campo da intimité para o da extimité - ou seja, extimidade. Celebridades encarnam essa nova condição, funcionando como estrelas-guias, padrões a serem seguidos. Mostram o caminho para as massas que sonham e lutam para se tornar commodities vendáveis. Tudo isso comprova o apagamento da sacrossanta divisão entre a esfera privada e a esfera pública. Transformamo-nos numa sociedade confessional: microfones são fixados no cofre-forte dos nossos mais recônditos segredos, violando aquilo que só poderia ser transmitido para Deus ou para seus mensageiros plenipotenciários. Hoje esses microfones se encontram conectados a alto-falantes que bradam nossas vidas em praça pública.

Em seu livro, num dos diálogos com Keith Tester, o senhor diz que justiça precisa ser entendida hoje como "responsabilidade por". Se as pessoas são levadas a se exibirem nas vitrines da extimidade, como imaginar que estariam interessadas pelo outro?
Esta pergunta me leva a refletir sobre a crise global de 2008 e Amartya Sen (Prêmio Nobel de Economia de 1998) não usou meias palavras ao analisar as lições que deveríamos tirar dela. Enquanto algumas pessoas muito, muito ricas viram suas fortunas encolherem, pessoas muito, muito pobres, milhões delas formando a base da pirâmide social, foram duramente afetadas. A conclusão de Amartya Sen, de tão cristalina, chega a ser óbvia: quem quiser avaliar corretamente a gravidade da crise que examine "a vida de seres humanos, em especial das pessoas menos privilegiadas, no que tange ao seu bem-estar e à liberdade de levar uma existência decente". Mas é nos momentos de crise que a desigualdade diária e rotineira, seja na distribuição de privilégios, seja na distribuição de carências, é bruscamente reformulada como se fosse uma emergência, um acidente desafiador da "norma". Hoje estamos sujeitos a distintas catástrofes, a começar das ambientais, como terremotos, tsunamis... Mas também deveria ser assumida como catástrofe da humanidade a maneira desigual como uma crise econômica pode bater num país em comparação a outros.

Por que é difícil entender a vulnerabilidade econômica e reagir a ela?
Entre outros motivos, porque categorias de pessoas cronicamente carentes tendem a aceitar a sua sorte por conta de certa inevitabilidade, ou normalidade, que seja. Sofrem docilmente. São ineptas para denunciar as condições em que vivem. Acho muito pouco provável que cheguemos a um modelo "não contencioso" de sociedade justa. Porque enfrentamos dilemas insolúveis, sendo assim, nosso caminho será o de uma solução "acordada" de sociedade justa.

Que saídas têm os jovens nesse tempo em que a justiça será mais fruto de um acordo do que de um consenso? Que narrativas de vida o mundo globalizado lhes oferece?
Respondo pensando na formação superior de milhares de jovens hoje em dia. As mais prestigiosas instituições acadêmicas do mundo, que concedem os diplomas mais cobiçados, estão ano a ano, constante e incansavelmente, se afastando do chamado "mercado social" e mesmo das multidões de estudantes cujas esperanças de prêmios cintilantes elas acenderam e inflamaram. Como o analista econômico William D. Cohan informou recentemente, o preço de anualidades e taxas em Harvard subiu 5% ao ano, nas últimas duas décadas. Em 2011, a anuidade atingiu o patamar de US$ 52 mil. Para arcar com essa quantia, alguém teria de ganhar no mínimo US$ 100 mil anuais, livres de impostos. Contudo, dos 30 mil candidatos a Harvard no ano passado, somente 7,2% foram aceitos. E a demanda por vaga continua alta. Para milhares de casais para os quais esses valores, embora exorbitantes, não são obstáculo, fazer com que seus filhos frequentem Harvard ou algum outro estabelecimento acadêmico desse porte é questão de rotina. E não só: a decisão pode ser compreendida como o exercício de um direito herdado, o preenchimento de um dever familiar e o toque final antes que estes jovens se acomodem no lugar que lhes é destinado pela elite. Mas também existem outros milhares de casais dispostos a sacrifícios financeiros para conduzir seus filhos a essa mesma elite, de tal forma que seus netos possam aspirar à mesma formação, tornando tal passagem uma legítima expectativa. Mas, será que este é um bom projeto de vida? Cohan vem com uma lista impressionante de novos bilionários, de Steve Jobs, fundador da Apple, ao inventor do Twitter, Jack Dorsey, e o fundador do Tumblr, David Karp - e todos, sem exceção, abandonaram os estudos. Karp bateu o recorde ao não passar um único dia no câmpus desde que largou o colegial no primeiro ano.

Ou seja, a formação acadêmica não seria mais o passaporte para um bom futuro?
Um diploma de primeira linha foi, durante muitos anos, o melhor investimento que pais amorosos poderiam fazer no futuro de seus filhos, e dos filhos de seus filhos. Acreditava-se nisso. Mas esta crença, como tantas outras que fizeram o Sonho Americano (e não só americano, reconheçamos) está sendo abalada hoje. O mercado de trabalho para os possuidores de credenciais de educação encolhe em termos globais, isso é um fato. Hoje muitos daqueles que se diplomaram com alto sacrifício familiar veem os portões do sucesso ser fechados na sua cara. A verdade é que a "promoção social via educação" serviu durante muitos anos como folha de parreira para tapar a desigualdade nua e indecente: enquanto as conquistas acadêmicas estavam correlacionadas a recompensas sociais generosas, as pessoas que não conseguiam ascender nessa direção só podiam se culpar - descarregando sobre si mesmas amargura e ódio. Agora nós nos defrontamos com um fenômeno novo, que é o desemprego entre os formados, ou então o emprego em nível muito baixo de expectativas, mas tanto uma coisa quanto outra têm potencial explosivo, basta ver os recentes levantes no Oriente Médio. Como enfatiza Cohan, os egípcios rebelados são gente jovem com educação superior, mas sem emprego, gente que já vem sofrendo com isso há algum tempo sem encontrar perspectiva. Posso também pegar o exemplo da Polônia, onde nasci. Nos últimos anos, foi espetacular o aumento nos custos da educação, assim como foi espetacular a polarização da renda e a desigualdade social. Recente reportagem do jornal polonês Gazeta Wyborcza traz impressionantes relatos de jovens diplomados em boas escolas, que hoje se sujeitam a ocupações muito aquém daquilo com que sonharam. Eles guardaram seus diplomas entre as lembranças da família, e partiram para ganhar a vida.

O mundo assiste à emergência de novas potências, e o Brasil é apontado como uma delas. Chineses são hoje os grandes consumidores do circuito de luxo em Paris e Nova York. A lista da revista Forbes nos últimos anos revela novos magnatas. O dinheiro circula mais, e mais intensamente. Tudo isso também não vem reconfigurando as aspirações de vida?
Cem anos atrás, quando indagado por que decidira dobrar os salários de seus trabalhadores, Henry Ford respondeu que havia feito isso justamente para permitir que eles comprassem os carros que estava produzindo. Na verdade, o magnata foi ainda mais realista do que a sua famosa declaração: embora seus operários dependessem dele para ganhar a vida, Ford dependia 100% daquela mão de obra localmente disponível, que mantinha as linhas de montagem operando, o que lhe garantia mais riqueza e poder. A dependência então era mútua e Ford não tinha escolha. Ele não dispunha da "arma de insegurança máxima" que existe no mundo globalizado, ou seja, o poder de decisão sobre mudar a riqueza para outros lugares, particularmente para endereços fervilhantes de pessoas prontas para sofrer sem chiar, muitas vezes em troca de salário miserável: o capital de Ford era "fixado" no lugar. Estava afundado num maquinário pesado, volumoso e muito bem trancado entre paredes fabris. Isso mudou. Aquele contrato não escrito entre capital e trabalho, assentado na dependência mútua, se rompeu gerando uma desigualdade estarrecedora, com repercussões nas condições de trabalho da mão de obra metropolitana, como estudou Branko Milanovic, o principal economista do departamento de pesquisa do Banco Mundial. Já o professor Tim Jackson, da Universidade de Surrey, em sua obra mais recente, Redefining Prosperity, alerta: o modelo de crescimento dos nossos dias produz danos terríveis por ser medido apenas pelo aumento da produção material, e não pela melhoria de serviços em áreas como lazer, saúde, educação. E isso evidentemente afeta os emergentes: passamos de uma desigualdade declinante entre os países para uma desigualdade crescente dentro de muitos deles. Porque os capitais, movimentando-se através dos fluxos globais, e agora "livres da política", como bem salientou Manuel Castells (sociólogo espanhol, autor de A Sociedade em Rede), procuram avidamente áreas com padrões rebaixados de vida, portanto mais receptivas a um tratamento de "terra virgem".

Consciência ambiental pode ser o caminho para reequilibrar certas dinâmicas globais?
Lembro do memorável paralelismo que Lewis Mumford (historiador americano, autor de O Mito da Máquina) estabelece entre mineração e agricultura: a primeira fere, destrói, enfeia o meio ambiente. A segunda sana, regenera, embeleza. A primeira torna os terrenos inabitáveis, a segunda os torna hospitaleiros. A primeira viola, extrai, retira, arrasa, deixa o vazio atrás de si. A segunda cuida, ajuda, acrescenta, enche, preenche: preserva a vida. Mumford refletia sobre as bênçãos da agricultura numa época em que ela ainda servia, em sua totalidade, ao sustento humano, e não aos ganhos financeiros, como acontece agora. Referia-se à agricultura feita na medida das necessidades humanas, estável, resistente, finita. Hoje, o que estamos vendo? O planeta, com seus recursos limitados, ainda pode satisfazer às necessidades humanas, mas tem se mostrado totalmente inadequado para saciar a rapacidade humana, movida por esse insaciável "apetite pela novidade". Somos incentivados, forçados ou atraídos a comprar e a gastar. Ou melhor, a gastar o que temos e o que não temos, na esperança de ganhar no futuro.

Não é justamente isso o que move a economia? O "apetite pela novidade" não seria um elemento constitutivo do capitalismo?
Como destacou Adam Smith, o grande teórico de A Riqueza das Nações, devemos nosso suprimento diário de pão fresco à ganância do padeiro, e não ao seu altruísmo ou aos seus elevados padrões morais. É graças à gana, de resto absolutamente humana, pelo lucro que os bens são levados às bancas do mercado e nós podemos ter a certeza de encontrá-los lá. O próprio Amartya Sen admite que não é possível ter uma economia florescente sem a ampla participação dos mercados, também imprescindíveis para a constituição de um mundo próspero e justo. Mas o que se coloca em questão hoje é a capacidade de uma sociedade de resolver, ainda que imperfeitamente, os problemas que ela própria cria, ou os conflitos e os antagonismos sociais que ameaçam sua preservação. A solução, me parece, não virá do reforço ininterrupto do "apetite pela novidade", nem da ganância ou avareza que mantêm a economia florescendo. Afinal, que aspectos da condição humana levam os indivíduos a buscarem compensações nos mercados? Há alternativas a isso? Tim Jackson propõe uma reação baseada em três pontos: 1. conscientizar as pessoas de que o crescimento econômico tem limites. 2. convencer os capitalistas a distribuir lucros não apenas segundo critérios financeiros, mas em função dos benefícios sociais e ambientais. 3. Mudar a "lógica social" dos governos, para que os cidadãos enriqueçam suas existências por outros meios, que não só o material. Como se vê, a economia já não pode mais depender apenas da ganância do padeiro. Terá de se apoiar numa coexistência humana organizada, de que ainda dispomos.
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REPORTAGEM POR Laura Greenhalgh - O Estado de S.Paulo

COLABORARAM ANNA CAPOVILLA E CELSO PACIORNIK
Fonte: Estadão online, 30/04/2011

FERNANDO ARRABAL, DRAMATURGO - ENTREVISTA

“Há domadores de leões. Nenhum de lulas?

"QUANDO NÃO PENSO
NO QUE DIGO,
DIGO O QUE PENSO.
COMO TODOS."

Um dos nomes mais importantes do teatro mundial, o dramaturgo espanhol Fernando Arrabal, 78 anos, fará a conferência de abertura do 6º Festival Palco Giratório Sesc-RS, amanhã, às 19h, no Teatro do Sesc (Alberto Bins, 665), na Capital (a entrada é franca, com retirada de senha uma hora antes do início).
Radicado em Paris em 1955, Arrabal foi um dos dramaturgos enquadrados pelo crítico Martin Esslin sob a denominação de “teatro do absurdo”. Mas, como os demais, está além dos rótulos. Inspirado pelo surrealismo, foi um dos fundadores, em 1962, do Movimento Pânico (o nome faz referência ao deus Pã da mitologia grega). Trocou farpas com o diretor Gerald Thomas quando ambos participaram do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, em Porto Alegre, em 2008.
– Esse sujeito só fez uma peça. E copiada – disse Thomas.
O espanhol não deixou por menos:
– Não o conheço, nunca ouvi falar dele.
Arrabal aceitou conceder a seguinte entrevista por e-mail. A reportagem foi avisada que ele costuma reescrever perguntas. Dito e feito: o dramaturgo criou uma “autoentrevista”. Confira, a seguir, Arrabal por Arrabal:

Fernando Arrabal – Onde está a vanguarda na arte?
Fernando Arrabal – Quando a solteirice é cada vez mais hereditária?

Arrabal – O mundo perdeu toda a direção?
Arrabal – E parou de ser masoquista. Gozava demais.

Arrabal – A asfixia intelectual e o conformismo levam ao entorpecimento cerebral?
Arrabal – Diríamos coisas interessantes se disséssemos o contrário do que pensamos?

Arrabal – O desterrado/exilado respira melhor na França?
Arrabal – Ainda não aprendi que a elipse existe.

Arrabal –Você se considera um apátrida ou um patriota do Desterro?
Arrabal – Ao fim de seis dias Deus criou a bandeira e descansou.

Arrabal – Paris é o local onde gostaria de morreu? Você voltou a nascer aí, como Frankenstein, já crescidinho?
Arrabal – Tempo incerto. Espaço Indeterminado – As ideias só podem ser ambíguas

Arrabal – Como é possível que depois de quase sessenta anos morando na França você ainda conserve suas manias de estrangeiro desterrado?
Arrabal – Toda formosura dorme?

Arrabal – Seu sotaque não é castelhano, como Borges dizia?
Arrabal – Todos são puro pleonasmo?

Arrabal – Continua pensando que nunca será um escritor de ofício?
Arrabal – Paradoxo: referir-se com realismo à utopia, com ódio ao amor e com gravidade ao humor.

Arrabal – Você se classifica no personagem que habita?
Arrabal – Nem sua circunstância molda a manicure apaixonada pela Vênus de Milo?

Arrabal – Por que imagino que antes de ir dormir, quando se olha no espelho, você não vê o mesmo Fernando Arrabal que o resto do mundo vê?
Arrabal – Os camicases põem capacete antes da missão suicida.

Arrabal – Quanto de Hamlet, quanto de Quixote e quanto de Patafísica há em Arrabal?
Arrabal – Jarry era mais erudito que Shakespeare ou Cervantes, obviamente. Mas igualmente homossexual.

Arrabal – Alguma vez já se sentiu usado? Você acha que de alguma forma já foi possível instrumentalizá-lo em algum momento de sua vida?
Arrabal – Escrevo com duplo sentido para chegar à metade?

Arrabal – O mais sério é rir-se de si mesmo?
Arrabal – Presunçoso como o falcão que tenta passar por trás da Lua.

Arrabal – E o mais triste? Levar-se a sério?
Arrabal – Há domadores de leões. Nenhum de lulas?

Arrabal – Quantas vezes por dia você mata Deus?
Arrabal – Piolhos majestosos. Místicos da decadência?

Arrabal – Como anda sua memória histórica?
Arrabal – Perdi a esperança – Evitando a angústia?

Arrabal – Sente rancor de Franco?
Arrabal – Os buracos são cheios de buracos?

Arrabal – É casualidade ou uma piada do destino que o carrasco de seu pai tivesse o sobrenome igual ao de seu amigo e de Houellebecq, Beigbeder?
Arrabal – A História joga cara ou coroa?

Arrabal – A experiência o ensinou a desconfiar dos aduladores?
Arrabal – O terráqueo se alimenta de seus terrores?

Arrabal – Alguma vez parou para contar quantas pessoas se dedicam a forjar sua identidade nas chamadas redes sociais?
Arrabal – Os quadros estão presos nos museus?

Arrabal – Que tipo de vida miserável pode ter um indivíduo que finge ser quem não é para ter amigos e ganhar e um afeto que não lhe correspondem?
Arrabal – É possível retirar presunto das bolotas sem passar pelo porco?

Arrabal – Crê que o temam nas academias do poder cultural?
Arrabal – Há quem corra atrás da arte: aposto na arte.

Arrabal – Por falar em redes, Facebook, Twitter...
Arrabal – Preservativos serão vendidos com seu certificado de antecedentes penais?

Arrabal – O que lhe dá mais vergonha nesta vida?
Arrabal – Apunhalar com a chama de uma vela.

Arrabal – E o que lhe inspira compaixão?
Arrabal – Os homens de letras mortas.

Arrabal – Você se aborrece que sempre façamos perguntas parecidas?
Arrabal – Gostaria que viessem com croquetes de felpas

Arrabal – E que me diz do tom acadêmico?
Arrabal – Filosofar é diurético?

Arrabal – O que fará com o naco de celebridade com que esta entrevista o brindará?
Arrabal – Quando não penso no que digo, digo o que penso... Como todos.

Arrabal – Esta é a pior entrevista que já lhe fizeram?
Arrabal – Já Eva preferiu Adão ao Éden.
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Fonte: ZH CULTURA online, 30/04/2011

A web é o mundo

OLIVER BURKEMAN*
BEM-VINDOS AO DESERTO DO VIRTUAL
Imagem da Internet

Oliver Burkeman foi ao Texas em março
para o festival South by Southwest de filme,
 música e tecnologia, em busca
da próxima "grande ideia".
Depois de três dias, ele encontrou:
o limite entre a vida real e
a vida online desapareceu.

Se meus netos um dia me perguntarem onde eu estava quando percebi que a internet havia acabado – eles não irão, é claro, pois estarão muito ocupados brincando com o console de teletransporte –, poderei ser bastante específico: estava em um restaurante mexicano, na frente de um cemitério em Austin, Texas, na metade de um taco. Era o final do segundo dia do South by Southwest Interactive, a maior reunião em caráter mundial de geeks e de capitalistas de risco que os amam, e eu cumpria uma regra de perguntar a todos que conhecia, talvez um pouco agressivamente demais, o que exatamente eles faziam. O que é “experiência de usuário”, na realidade? O que diabos é a “joguificação do sistema de saúde”? Ou “geofencing”? Ou “pensamento de design”? Ou “governo open source”? O que é “estratégia de conteúdo”? Sério, eu digo, tipo, especificamente?
O estrategista de conteúdo do outro lado da mesa tomou um gole de seu coquetel cor de laranja. Ele parecia levemente exasperado.
– Bem, de uma perspectiva, eu acho – ele disse – que é tipo... tudo.
Isso, para quem está por fora, é o obstáculo fundamental para entender para onde vai a cultura da tecnologia: cada vez mais, é sobre tudo. Os jovens de 20 e poucos anos, vagamente intimidantes, que povoavam os corredores do Centro de Convenções de Austin, fazendo malabarismo com xícaras de café, iPad 2s e o calendário de eventos do festival, que tem 330 páginas, não estão mais contentes em transformar aquela parte da vida passada em frente ao computador ou mesmo com seu smartphone. Não é apenas grandiosidade da parte deles. Mais do que isso – e não apenas como ponto tecnológico e também como filosófico –, eles apregoam o desaparecimento do limite entre a “vida online” e a “vida real”, entre o físico e o virtual. Assim, é necessária apenas uma pequena (e, com sorte, permissiva) quantidade de hipérbole jornalística para sugerir que os dias da internet como uma coisa identificavelmente separada podem estar ficando para trás. Depois de algumas horas no South by Southwest (SXSW), o programa de 330 páginas na pasta começou a me dar dores no ombro, mas, para ser honesto, ele era estranhamente breve: afinal, o festival era sobre “tudo”.
Ouvimos sobre este momento na história digital desde, ao menos, 1988, quando Mark Weiser, tecnólogo da Xerox, cunhou o termo “computação ubíqua”, referindo-se ao ponto em que dispositivos e sistemas se tornariam tão numerosos e difundidos que a “tecnologia recuaria para o plano de fundo de nossas vidas”. (Para ser justo, Weiser também chamou isso de “a era da tecnologia calma”, deixando implícita uma serenidade que as massas cafeinadas e distraídas pelo Twitter que tomaram Austin ainda parecem não ter alcançado.) E se passou quase uma década desde que os tipos pedantes do marketing tecnológico começaram a usar mobile como um substantivo abstrato, referindo-se ao fim da computação como algo restrito apenas ao desktop. Mas a chegada de uma internet verdadeiramente ubíqua é algo novo – e pode tornar quase sem sentido muitas das questões que temos nos colocado a respeito de tecnologia nos últimos anos. As mídias sociais causaram as recentes rebeliões árabes? A web nos distrai da vida propriamente dita? As amizades online são tão ricas quanto aquelas offline? Quando se dissolve a separação entre realidade e virtualidade, ambos os lados de tal debate acabam parecendo estranhamente anacrônicos. Eis, então, um pequeno “tour” do panorama que poderemos encontrar em lugar dos antigos questionamentos:
– Grandes ideias são como locomotivas – diz Tim O’Reilly, escritor de livros sobre computação legendário entre os geeks, embarcando em uma das grandes metáforas às quais os principais palestrantes do SXSW parecem invariavelmente recorrer. – Elas puxam um trem, e o trem deve ir a um lugar onde muitas pessoas querem estar.

Web 3.0
"...Cada vez mais, a web é o mundo – tudo e
 todos em seu mundo projetam
 uma ‘sombra de informações’, uma aura de dados,
que quando capturados e processados
de modo inteligente, oferece oportunidades
extraordinárias e implicações
que afetam a mente.”

A grande ideia de que fala O’Reilly é “inteligência coletiva movida a sensores”, mas, já que ele cunhou o termo “Web 2.0”, ele parece estar resignado em ouvir pessoas chamando a nova fase de “Web 3.0”. Se a Web 2.0 era o momento em que a promessa colaborativa da internet parecia finalmente realizar-se – com usuários comuns criando em vez de apenas consumir em sites que vão de Flickrs ao Facebook e à Wikipedia –, a Web 3.0 é o momento em que eles esquecem que o estão fazendo. Quando o sistema GPS em seu telefone ou em seu iPad podem relatar sua locação a qualquer site ou dispositivo que você preferir, quando o Facebook usa reconhecimento facial nas fotografias lá postadas, quando suas transações financeiras são gravadas e quando a localização de seu carro pode influenciar um esquema em mutação constante movido por sensores, tudo em tempo real, algo mudou em termos de qualidade. Você ainda está criando a web, mas sem uma necessidade consciente de fazê-lo. “Nossos telefones e câmeras transformam-se em olhos e ouvidos para aplicações”, escreveu O’Reilly. “Sensores de movimento e de localização dizem onde estamos, para o que estamos olhando e o quão rápido estamos nos movendo... Cada vez mais, a web é o mundo – tudo e todos em seu mundo projetam uma ‘sombra de informações’, uma aura de dados, que quando capturados e processados de modo inteligente, oferece oportunidades extraordinárias e implicações que afetam a mente.”
Implicações alarmantes também, é claro, se você não sabe o que exatamente está sendo compartilhado com quem. Passando por uma parede de telas de plasma em Austin que disparava tweets diretamente do festival, vi uma declaração de Marissa Mayer, vice-presidente do Google, de que as companhias de cartão de crédito podem prever com 98% de acerto, dois anos antes, quando um casal vai se divorciar, baseado em padrões de gasto apenas. Ela disse isso com intenções conciliadoras: o Google, ela explicou, não cavava dados tão profundamente. (Dentro de mim, eu admito, não me senti tranquilo. Mas também, Mayer já devia saber disso.)

A camada de jogo
"Sua visão do sistema de educação,
por exemplo, é de que é tudo um jogo mal projetado:
os estudantes competem por boas notas,
mas perdem a motivação quando
não as conseguem.
Um bom jogo, por contraste,
 nunca deixa você sentir que falhou:
você apenas progride de
 maneira mais devagar."
Dependendo de seu grau de imersão no mundo digital, é possível que você nunca tenha ouvido o termo “joguificação”, ou que você já esteja enjoado dele. De um ponto de vista linguístico, a palavra deveria provavelmente ser banida – talvez poderíamos nos livrar de “webinário” ao mesmo tempo? –, mas, como um conceito, ela estava em todo lugar em Austin. Designers de videogame, segundo a lógica, tornaram-se os especialistas líderes no mundo moderno em como manter os usuários animados, engajados e comprometidos: o sucesso da indústria de jogos comprova isso, seja lá qual for sua opinião sobre Grand Theft Auto ou sobre World of Warcraft. Então por que não aplicar esse conhecimento em todas as áreas da vida em que se poderia ter mais engajamento, comprometimento e diversão: na educação, digamos, ou na vida cívica, ou em hospitais? Três bilhões de horas por semana são gastas em jogos. Por que um pouco dessa energia não pode ser canalizada mais produtivamente?
Isso soa plausível até você pedir detalhes. Aí, torna-se extraordinariamente difícil descobrir o que isso pode significar. O atual rosto público da joguificação é Jane McGonigal, autor do novo livro Reality Is Broken: Why Games Make Us Better And How They Can Change The World, mas muitas de suas premissas induzem a um certo temor: elas parecem envolver redefinir projetos de auxílio na África como “missões de super heróis”, ou dizer a pacientes em hospitais para que pensem em sua recuperação da doença como “um jogo multiplayer”. Ouvir como McGonigal recuperou-se mais rápido de uma lesão séria na cabeça ao inventar um “jogo de super-heróis” chamado SuperBetter, baseado em Buffy, a caça-vampiros, em que sua família e amigos eram jogadores ajudando-a a recuperar a saúde, eu aparentemente deveria me sentir inspirado. Em vez disso, sinto vergonha e um pouco de tristeza: se um dia eu estiver nessa situação, espero não precisar inventar um jogo para persuadir minha família a se importar.
Uma reação diferente vem de assistir uma palestra frenética de Seth Priebatsch, garoto de 22 anos que largou Princeton e este ano é a vítima principal daquilo que o The New York Times chama de “A Próxima Síndrome Zuckerberg”, a busca para identificar e investir no equivalente vindouro do fundador bilionário do Facebook. O objetivo declarado de Priebatsch é “construir uma camada de jogo no topo do mundo” – o que, primeiramente, parece simplesmente querer dizer que todos devemos usar SCVNGR, sua plataforma de jogos baseada em locação que permite aos usuários competir para ganhar recompensas em restaurantes, bares e cinemas em seus smartphones (você pode praticamente ouvir os profissionais de marketing na sala salivarem quando ele menciona isso).
Mas as ideias de Priebatsch vão mais fundo que isso, contradizendo a impressão que se tem de sua camiseta polo laranja fluorescente, óculos escuros com aros da mesma cor, e sua tendência de quicar pelo palco como um brinquedo de criança. Sua visão do sistema de educação, por exemplo, é de que é tudo um jogo mal projetado: os estudantes competem por boas notas, mas perdem a motivação quando não as conseguem. Um bom jogo, por contraste, nunca deixa você sentir que falhou: você apenas progride de maneira mais devagar. Em vez de dar um zero a um estudante, por que não deixar todos os alunos começarem com zero pontos e fazê-los competir pelo escore mais alto? Esse tipo de insight não é único do mundo dos videogames: esses são conceitos básicos de psicologia humana e do papel dos incentivos, recentemente repopularizados em livros como Freakonomics e Nudge. Mas esse fato, em si, pode ser um sintoma do desaparecimento da noção entre online e offline – o que não quer dizer que esteja errado, certamente.

O dilema do ditador
"A internet agora é uma parte
tão difundida na vida de tantas pessoas
que bloquear certos sites ou
simplesmente desligar a coisa toda –
como líderes em Bahrain, Egito e outros lugares
tentaram fazer recentemente – pode ser
um tiro pela culatra, irritando ainda mais
os manifestantes e, no ponto de vista de um ditador,
piorando os problemas."


Há não muito tempo atrás, de acordo com o guru das novas mídias Clay Shirky, o governo sudanês montou uma página no Facebook convocando um protesto contra o governo sudanês, dando o lugar e o horário específicos – para simplesmente prender quem aparecesse. Foi prova, argumenta Shirky, de que as redes sociais não são revolucionárias por si só.
– A razão pela qual isso funcionou é que ninguém se conhecia – ele diz. – Eles pensavam que o Facebook por si inspirava confiança.
Esse é um dos muitos impactos contraintuituvos que a internet provocou nas políticas de protesto. Mas talvez o mais poderoso é o que Shirky – ele mesmo um proeminente evangelista do poder de serviços como Twitter e Facebook – chama de “o dilema do ditador”.
Líderes autoritários e manifestantes também podem explorar o poder da internet, concede Shirky. (Ao menos ele nota os riscos: em outra sessão na conferência, assisti pasmo enquanto um consultor em combate ao cibercrime falava com alegria indisfarçável sobre quanta informação a polícia podia encontrar via Facebook, para infiltrar-se em comunidades onde poderiam aparecer criminosos. Perguntado sobre privacidade, ele responde:
– É, temos que manter os olhos na questão.
Mas há uma assimetria crucial, continua Shirky. A internet agora é uma parte tão difundida na vida de tantas pessoas que bloquear certos sites ou simplesmente desligar a coisa toda – como líderes em Bahrain, Egito e outros lugares tentaram fazer recentemente – pode ser um tiro pela culatra, irritando ainda mais os manifestantes e, no ponto de vista de um ditador, piorando os problemas.
– O estado final da conectividade – ele afirma – é que ela dá ao cidadão um poder maior.
O caminho para esse estado final não será fácil. Mas os esforços compensatórios das autoridades em usar a internet para seus próprios fins nunca compensará completamente. Eles devem permitir a organização online dos dissidentes, ou – cortando um recurso crucial para suas vidas diárias – provocar fúria ainda maior.

Biomimetismo e idade

O mecanismo de busca AskNature descreve-se como “a primeira biblioteca digital de soluções da natureza”, e visitá-la é experimentar a sensação curiosa e um tanto desorientadora de uma busca google no universo físico. Pergunte algo básico – como se manter quente, digamos, à deriva ou na água, ou como caminhar em solo instável – e o sistema procura por soluções encontradas pela natureza para esse problema. A ideia de “biomimetismo” certamente não é nova: por grande parte da última década, a noção de tomar emprestadas soluções de engenharia do mundo natural inspirou arquitetos, designers industriais e outros. Austin está repleta de exemplos.
– A Nissan, agora, desenvolve carros baseados no movimento de peixes – diz Chris Allen, do Instituto de Biomimetismo.
Os peixes seguem regras matemáticas muito simples, ele explica, para assegurar-se de não colidir uns com os outros ao nadar em grupos. Tome esse algoritmo para dirigir carros e uma nova solução para engarrafamentos e acidentes de trânsito apresenta-se: e se, com tráfego pesado, carros de navegação automática pudessem ser programados para evitarem-se uns aos outros enquanto continuam andando tão eficientemente quanto for possível?
O Banco da Inglaterra, ele adiciona, atualmente consulta biólogos para explorar maneiras em que os sistemas orgânicos imunes possam inspirar reformas no sistema financeiro para torná-lo imunes a crises devastadoras.
– E o que procuramos agora – Allen diz, como se em mensagem criptografada – é uma tecnologia interativa inspirada por cobras.

"Devemos pulsar"

Até recentemente, o debate sobre “distração digital” foi um dos grandes interesses: autores nostálgicos dos dias de leitura silenciosa remoeram-no, enquanto o povo da tecnologia deixou-o de lado. Mas a fusão do mundo virtual com o real expõe ambos lados deste argumento como insuficientes, e sugere uma resposta simples: a internet distrai se impede que você faça o que realmente quer fazer; se não, não distrai. Avisos sobre “vício em internet” costumavam parecer conselhos vindos dos avós contra os males do rock. Mas você pode desenvolver um vício problemático de qualquer coisa, não há razão para excluir a internet, e muitos geeks de verdade em Austin (em oposto aos gurus da nova mídia que afirmam falar por eles) falam prontamente que conhecem portadores deste mal. Um dos mais populares fala na conferência, tocando nesses assuntos, sob o título “Por que Tudo É Incrível e Ninguém é Feliz”.
Um perigo relativo a juntar a vida online e offline, diz o pesquisador em administração Tony Schwartz, é que cheguemos a tratar a nós mesmos, de maneira sutil, como computadores. “Não devemos operar como computadores”, diz Schwartz:
– Devemos pulsar.
Quanto a administrar nossa própria energia, devemos trocar uma perspectiva linear por uma cíclica:
– Vivemos pelo mito de que a melhor maneira de produzir mais é trabalhar por mais horas.
Schwartz cita pesquisas que sugerem que deveríamos trabalhar períodos de não mais de 90 minutos antes de descansar. O que quer que você tenha sido levado a imaginar pela expansão da cultura digital em todos os aspectos da vida cotidiana – e por vezes esta semana em Austin foi fácil esquecer –, você não é, em última análise, um computador.
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Tradução: Fernanda Grabauska
POR The Guardian
Fonte: ZH online, 30/04/2011

O significado do trabalho

Evilázio Teixeira*
Imagem da Internet

Numa de suas muitas conferências, Brian Dyson, ex-presidente de uma das maiores companhias globais, afirmava: “Imaginem a vida como um jogo, no qual vocês fazem malabarismo com cinco bolas que lançam ao ar. Essas bolas são: o trabalho, a família, a saúde, os amigos e o espírito”. Ter uma verdadeira consciência de nossa existência implica responder a uma das maiores necessidades e talvez a mais difícil que é aquela de encontrarmos um significado em nossas vidas. Este significado necessariamente passa pelo trabalho, já que o maior tempo de nossas vidas transcorre em locais de trabalho.
O trabalho, para muitos de nós, está ficando pesado e frio. De modo especial, é uma experiência comum a sensação de uma fragmentação humana, que se manifesta de modo dramático na história industrial, por meio da rigidez das especializações e da robotização dos indivíduos. É uma espécie de burocratização do espírito, mais sutil que organizacional, que quebra a unidade do ser.
Como sair dessa situação? É possível transformar essa experiência em algo mais leve e significativo?! Grande parte dos seres humanos trabalha meramente pela sobrevivência. Aqui é que surge o drama de um trabalho alienante, no qual o trabalhador não pode ver o seu próprio desempenho, tampouco conhecer suas verdadeiras condições. O trabalho humano não pode ser entendido de modo coercitivo. Ele apresenta uma complexa rede de interações sociais e psicológicas que expressam os valores que cada indivíduo dá ao seu desempenho vital.
Pelo trabalho, o ser humano projeta a sua vida e seus valores, e cria consciência da realidade em que está. Quando o trabalho se torna algo difícil e vazio, as pessoas acabam se sentido impotentes, muitas vezes constrangidas.
Talvez, mais que em outras épocas, precisamos de um paradigma completo de quem nós somos, de uma visão fundamental a respeito de nós. Os empresários, gestores e aqueles que trabalham em qualquer organização devem ser desafiados a buscar esta espiritualidade que permita mais interioridade, eficácia, valores e resultados que superem a falta de sentido, na procura por uma maior qualidade de vida. É o que todos esperamos para o dia em que celebramos o trabalho e o trabalhador.
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*Vice-reitor da PUCRS
Fonte: ZH online, 30/04/2011

Entre a guilhotina e os biscoitos

CLÁUDIA LAITANO*
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Para agradar a apocalípticos e integrados, o jornal britânico The Guardian preparou ontem, para sua versão online, uma área em que “realistas” e “rebeldes” podiam manifestar suas opiniões a respeito do casamento (e inclusive escolher presentes virtuais para os noivos) conforme sua inclinação em relação ao assunto: do deslumbre absoluto com a pompa, a circunstância e os chapéus enfeitados ao desprezo mais raivoso com relação à monarquia britânica, ao circo midiático que se forma em torno de eventos desse tipo e, de quebra, “contra tudo isso que está aí” – do Renan Calheiros ao aquecimento global.
Na lista de presentes sugeridos para a turma dos “realistas”, representados por um coração com os rostos dos dois pombinhos (o que mais...), apareciam um conjunto de embalagens de tuperware com o brasão da família real, biscoitos finos e uma biografia da Rainha Vitória. Na lista dos presentes “rebeldes”, simbolizados por uma efígie de Che Guevara (quem mais...), as opções eram as chaves de um apartamento no exílio de Elba, um kit guilhotina para montar em casa e uma biografia de Charles I da Inglaterra – monarca executado em 1649. Entre a guilhotina e os biscoitos, a maioria dos leitores do The Guardian preferiu cortar os jovens pescoços reais – pelo menos figurativamente.
Quem preferiria ter passado a sexta-feira escondido no calabouço de um castelo medieval, para não ter que ouvir falar em casamento, em geral alega um de dois motivos (ou os dois): entojo com a superexposição do assunto ou desinteresse. Já as justificativas para o fascínio da realeza são tantas quanto os diamantes na tiara da noiva. Muita gente, como eu, deve ter acordado mais cedo ontem movida por um sentido de simetria com o passado. O mesmo impulso que nos faz, ao visitar uma cidade pela segunda vez depois de muitos anos, querer rever os mesmos lugares, medindo não apenas o que mudou na paisagem, mas o que, em nós, se modificou com o passar do tempo.
Aos 15 anos, assistir ao casamento de uma princesa que tinha quase a minha idade me pareceu um programa obrigatório. Dormimos na mesma casa, eu e mais três amigas, para acordar cedo no outro dia e ver a cerimônia enroladas no cobertor, tomando Nescau e comendo sanduíches. Não lembro de muita coisa, mas tenho muito presente o impacto causado pelo vestido de Diana. Não porque era especialmente bonito, mas porque era diferente de todos os vestidos de noiva que eu já tinha visto: estranho, exagerado, fabuloso. Já o vestido de Kate foi o oposto disso tudo: simples, discretamente sensual e quase previsível de tão elegante. O que se viu no altar ontem não foi uma plebeia esforçando-se para alcançar os arquétipos da realeza, mas uma mulher comum tratando de respeitar os códigos de uma família complicada. Bom para ela, ruim para o espetáculo.
O mundo, a realeza, as mulheres – e eu – mudamos muitos nesses 30 anos. Mas o que mais fez falta ontem foi o Nescau da minha mãe.
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* Cronista da ZH
Fonte: ZH online, 30/04/2011

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A irrespirável atmosfera política

Fernando Gabeira*
Imagem da Internet

Uma grande discussão sobre as classes médias emergentes foi provocada por um artigo de Fernando Henrique Cardoso. É um debate típico de grupos que disputam o poder estatal. Mas existe no mundo também um grande debate voltado para as pessoas que não disputam o poder estatal, não têm projetos de salvação, muito menos acreditam no mito do fim dos tempos.
Bruno Latour, na introdução do livro de 1.070 páginas Atmosferas da Democracia, que traz inúmeras contribuições criativas, usa uma imagem que talvez sintetize o sentimento das pessoas diante da política. Segundo ele, há conjunções planetárias tão pavorosas que os astrólogos recomendam que fiquemos em casa até que os céus mandem novas mensagens. A cena política, com seus picaretas, bufões, terroristas, é algo que desanima.
Mas se é assim, por que tanto esforço e tanto papel para detectar novas possibilidades? O próprio Latour responde no parágrafo seguinte: a astrologia e a ciência política não são exatas e há sempre a possibilidade de novas conjunções, de mudanças. O momento de desespero político permite, pelo menos, que se investiguem outras ideias, novas matérias. Aliás, a tônica de sua intervenção é defender uma política orientada para o objeto, uma política que não seja realista como no tempo de Bismarck porque a palavra realidade perdeu o sentido, diante de tantos crimes cometidos em seu nome.
De forma mais abstrata, esses temas podem ser discutidos numa série de conversas que estou preparando. No momento, vou usá-los, parcialmente, para expressar minha perplexidade diante do que acontece na Líbia.
Por que na Líbia? No século passado aderi ao socialismo revolucionário, que continha uma proposta de salvação. Nas últimas décadas tenho defendido a luta ecológica, que também encerra, embora muitos não percebam, elementos da mitologia religiosa, como o fim dos tempos.
Neste princípio do século 21, sinto a democracia liberal, pressionado pela busca de recursos naturais, caminhar pelas mesmas trilhas mitológicas, da invasão do Iraque aos bombardeios à Líbia. A suposição de que um regime político pode ser imposto de fora para dentro, com a força das bombas, só pode ser movida por sentimentos religiosos de salvação.
"O marxismo foi uma religião secular,
com seus ritos e sua mensagem de
salvação universal.
 A ecologia, com o mito do fim dos tempos,
corre o mesmo risco,
assim como a democracia ocidental,
com suas guerras pela liberdade."
John Gray, cujo livro Anatomia acaba de ser lançado no Brasil, abordou essa questão na forma de sátira, escrevendo um artigo sobre a importância da tortura para preservar a democracia e a necessidade de proteger os torturadores no seu delicado papel. Foi alvo de inúmeras críticas de gente que até hoje não entendeu a sátira, escrita na tradição de Jonathan Swift, que, uma vez, propôs que os irlandeses dessem suas crianças para serem comidas pelos ingleses.
Entendo também como uma sátira o texto de Peter Sloterdjick, no livro coordenado por Latour, propondo o parlamento pneumático para levar a democracia de cima para baixo aos povos da África e do Oriente Médio. A proposta, bastante detalhada, implica um grande parlamento que, lançado de paraquedas de um avião, a uma altura de mil metros, ao cair seria inflado automaticamente. O parlamento pneumático de Sloterdjick teria lugar para 160 representantes e contaria também com algumas baterias de energia solar.
Quando John Gray questionou a imposição da democracia pela força e a tortura, estava se baseando apenas nos fatos revelados em Abu Ghraib, prisão do Iraque. Esta semana o WikiLeaks revelou inúmeros outros problemas em Guantánamo, onde até um octogenário, com demência senil, era mantido como perigoso terrorista.
O que acontece na Líbia não precisa só das sátira para se incluir na dimensão do absurdo. Basta um exame frio dos efeitos colaterais da luta pela democracia. Esses efeitos não são apenas bombardeios que às vezes atingem civis. São mais concretos e podem, paradoxalmente, representar um recuo na democracia ocidental.
Um exemplo disso é o drama dos refugiados que se concentram na Ilha de Lampedusa e obrigaram a França a interromper os trens que vinham da Itália. Apesar de o papa Bento XVI ter pedido por eles, os refugiados do Norte da África podem provocar um recuo no próprio processo de integração da Europa. Alguns países, como a França e a Alemanha, tendem a questionar o Tratado de Schengen, que permite ao estrangeiro circular, livremente, pela Europa, uma vez admitido num dos países-membros.
Outro efeito colateral interessante foi revelado esta semana pelo jornal The New York Times: um companheiro de Bin Laden, que lutou com ele no Afeganistão, foi preso em Guantánamo e libertado em 2007, é hoje líder de um dos grupos meio bizarros que lutam contra Kadafi. Sem querer, os Estados Unidos tornam-se aliados de um militante da Al-Qaeda.
Todos esses paradoxos que envolvem a democracia liberal não são novos, mesmo dentro do contexto autoritário do comunismo. Quando os tanques entraram em Praga, um grupo pequeno entre nós denunciou aquilo afirmando que o socialismo não poderia ser imposto de fora para dentro, na ponta das baionetas.
O próprio liberalismo, a julgar por pensadores como Gray e Isaiah Berlin, este já morto, pode encontrar um caminho no seu labirinto. Basta desvencilhar-se de um dos polos da contradição que o deforma. O problema é escolher entre o consenso racional sobre o melhor modo de vida ou a aceitação de que seres humanos podem desenvolver-se adotando os mais diversos modos de vida.
Isso não implica passividade diante dos crimes de Kadafi. Mas significa apenas admitir que é um absurdo imaginar que a democracia se vai impor de fora para dentro, com bombas e tortura.
O marxismo foi uma religião secular, com seus ritos e sua mensagem de salvação universal. A ecologia, com o mito do fim dos tempos, corre o mesmo risco, assim como a democracia ocidental, com suas guerras pela liberdade. Ao fundar sua ação na fé, a política, conforme observa o próprio Gray, provou ser tão destrutiva como a religião, nos seus piores momentos.
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*JORNALISTA
Fonte: Estadão online, 29/04/2011

A realeza mais perto do real

Renato Janine Ribeiro*

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Internacional: O casamento que agora se celebra pode ser
tão midiático quanto o de Charles e Diana, mas se faz em bases novas
e mais sólidas, para os noivos
e para a monarquia.
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Microescultura na agulha: o futuro casal real por Willard Wigan

A monarquia hoje subsiste melhor quando se vê desprovida de todo poder efetivo e, em compensação, carrega forte poder simbólico. Isso começou com a rainha Vitória, da Grã-Bretanha. Quando subiu ao trono, em 1837, a monarquia estava no seu ponto mais baixo. Não fosse ela, pode ser que as Ilhas Britânicas tivessem adotado o regime republicano. Seu tio, que governara de 1811 a 1830, deixara péssima reputação moral. O que fez Vitória, graças a conselheiros hábeis? Retirou a coroa da política. Investiu na vida em família. Ela e o marido, o príncipe Alberto, se tornaram modelos da decência. A imagem de uma realeza que reúne todas as virtudes da vida burguesa e se afasta dos conflitos políticos garantiu enorme estabilidade ao país, então mais poderoso do mundo.
Assim sucedeu com a maior parte das monarquias hoje respeitadas - basicamente, as europeias e a japonesa. Nos países árabes, a realeza é ditatorial; na Tailândia, quase. Mas no Reino Unido, na Espanha, Escandinávia, Bélgica, Holanda e algumas outras nações, a monarquia consegue respeito porque é símbolo da unidade. A diferença fica por conta dos partidos políticos. São regimes fortemente democráticos porque sabiamente dosam a parcela necessária de unidade nacional - com uma família real, ducal ou o que seja - e a parte imprescindível de conflito e diferença, esta a cargo dos partidos.
Como todo simbolismo, este deita raízes numa ilusão. Mas é uma ilusão produtiva. Nas repúblicas, há o risco de que a competição eleitoral, mesmo respeitando-se a legalidade e a decência, divida a sociedade. Vivemos isso no Brasil, nas últimas eleições gerais. Apesar de termos disputas livres para a Presidência desde 1989, de contarmos com um ramo do poder judicial especializado em assuntos eleitorais e de os candidatos não representarem opções abissalmente opostas entre si, o fato é que o país viveu um clima apocalíptico. Ora, em monarquias constitucionais, ainda que as paixões se acirrem, há um ponto de convergência em torno de um simbolismo que é nacional: o rei é chefe de Estado, enquanto os líderes eleitos são chefes de governo. O poder eleito pode até extinguir a monarquia, se assim o quiser, mas prefere mantê-la, porque confere estabilidade às instituições.
Mas não basta querer para ter isso. Quando houve nosso estranho plebiscito sobre monarquia ou república, em 1993, alguns defensores do regime monárquico mencionaram essa sua qualidade estabilizadora. Mas isso não se introduz a frio, como um elemento de engenharia política. Monarquias que funcionam devem sua eficácia à história do país, na qual de algum modo desempenharam um papel importante. Tomemos alguns exemplos, além do britânico.
Muito se espera do príncipe William, que pode ser o próximo rei. Diana foi uma mãe amorosa e parece tê-lo formado num molde mais moderno
A Espanha: Juan Carlos foi o sucessor preparado pelo ditador Franco, um dos piores déspotas do século XX - mas o príncipe, uma vez coroado, liquidou o legado fascista. E em 1981, quando um coronel ensandecido tentou um golpe de Estado, o monarca acabou com a farra indo à televisão defender a democracia. Já na Bélgica, cujo rei Leopoldo III se rendeu aos alemães em 1940 e colaborou com os ocupantes, uma longa crise se sucedeu à libertação do país, só acabando quando o rei abdicou. Talvez por isso, ainda hoje a monarquia belga não contribui para resolver o problema da unidade nacional de seu país. Em suma, são respeitados os reis que o merecem; os infames, não.
Num livro que cedo se tornou clássico, "A Invenção das Tradições", organizado por Eric Hobsbawm, o historiador David Cannadine - certamente o melhor estudioso atual da monarquia britânica - mostra como os rituais "antigos" da realeza, na verdade, são recentes. Basta pensar nas carruagens, que é o que mais nos impressiona nas cerimônias monárquicas: há pouco mais de um século, eram veículos normais de transporte. Muito da propalada antiguidade monárquica data mesmo do século XIX - desse período em que Vitória retira a monarquia da política e a consolida na moral.
Mas mesmo isso não foi fácil. Alguns monarcas não souberam arcar com o pesado fardo que Vitória legou. Seu filho, Eduardo VII, que reinou de 1901 a 1910, ficou notório por seus casos amorosos. Mais tarde, Eduardo VIII abdicou do trono para se casar com uma americana divorciada e se tornou o duque de Windsor, personagem do jet set internacional e nada mais que isso. Esse breve rei simbolizou, para muitos, o homem que tudo sacrifica por amor; mas sabe-se, hoje, de seu egocentrismo (e de sua mulher), de sua ambição e, pior que tudo, de sua simpatia pelo nazismo.
Em compensação, os dois reis George - o V, que reinou durante a Grande Guerra, e o VI, que sucedeu ao irmão para reinar durante a II Guerra Mundial - desempenharam muito bem o papel de monarcas. O filme "O Discurso do Rei" (2010), de Tom Hooper, mostra o custo que teve, para George VI, assumir o trono quando o irmão renunciou para se casar com Wallis Simpson: ele era gago. Nada previa que ele reinasse, ou sua filha, a rainha Elizabeth II. Mas ele, a mulher e as filhas ficaram em Londres ao longo de todos os bombardeios nazistas e seu exemplo fortaleceu o esforço de guerra de um país que, por mais de um ano, aguentou sozinho o tranco da máquina de guerra alemã. Não foi pouco. Segundo sua mulher, a Rainha Mãe, que morreu em 2002 aos 101 anos, isso abreviou sua vida (por isso, ela nunca perdoou o duque de Windsor).
Mas, após esses períodos quase heroicos, a realeza entrou em forte crise, especialmente naquele que Elizabeth chamou o "ano horrível" de 1992 - quando seus filhos Andrew, Anne e Charles se separaram de seus cônjuges. A sociedade sentiu que os príncipes, longe de colocarem a vida pessoal em segundo plano para cumprir seus deveres - pelos quais são regiamente pagos -, queriam o melhor de dois mundos: dinheiro e prazer. A monarquia moral de Vitória entrava em colapso, e a rigidez do príncipe Philip - que vemos no belo filme "A Rainha" (2006), de Stephen Frears - não conseguiu enquadrar a família; talvez só tenha piorado as coisas.
Mas, sobretudo, muito se espera
do príncipe William. Ele é filho de Diana,
que foi uma mãe amorosa e
 parece tê-lo formado num molde mais moderno.
Vive com a namorada há anos,
de modo que sumiu a
mística da virgindade da noiva.
Mas a esperança está na nova geração. É verdade que o príncipe Charles, que se tornara impopular depois que sua mulher, Diana, disse que o casamento deles era "a bit crowded" (que havia uma multidão na relação, aludindo ao amor dele por Camila Parker-Bowles), recuperou o respeito nos últimos anos. Mas, sobretudo, muito se espera do príncipe William. Ele é filho de Diana, que foi uma mãe amorosa e parece tê-lo formado num molde mais moderno. Vive com a namorada há anos, de modo que sumiu a mística da virgindade da noiva. Parece que a ideia de uma família real moralista e casta - que seu pai e tios não conseguiram sustentar, porque se tornou deslocada em nosso mundo - está dando lugar à de um casal que se conhece e se ama. E ele pode ser o próximo rei. Elizabeth II, se for longeva como a mãe, poderá sobreviver ao filho - ou Charles poderá herdar o trono, mas por poucos anos. O casamento que agora se celebra pode ser tão midiático quanto o de Charles e Diana, mas se faz em bases novas e mais sólidas, para os noivos e para a instituição monárquica.
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* Renato Janine Ribeiro é professor titular de filosofia na USP
Fonte: Valor Econômico online, 29/04/2011