sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Adeus Europa

Frei Betto*
Lembram-se da Europa resplandecente dos últimos 20 anos, do luxo das avenidas do Champs-Élysées, em Paris, ou da Knightsbridge, em Londres? Lembram-se do consumismo exagerado, dos eventos da moda em Milão, das feiras de Barcelona e da sofisticação dos carros alemães?
Tudo isso continua lá, mas já não é a mesma coisa. As cidades europeias são, hoje, caldeirões de etnias. A miséria empurrou milhões de africanos para o velho continente em busca de sobrevivência; o Muro de Berlim, ao cair, abriu caminho para os jovens do Leste europeu buscarem, no Oeste, melhores oportunidades de trabalho; as crises no Oriente Médio favorecem hordas de novos imigrantes.
A crise do capitalismo, iniciada em 2008, atinge fundo a Europa Ocidental. Irlanda, Portugal e Grécia, países desenvolvidos em plena fase de subdesenvolvimento, estendem seus pires aos bancos estrangeiros e se abrigam sob o implacável guarda-chuva do FMI.
O trem descarrilou. A locomotiva – os EUA – emperrou, não consegue retomar sua produtividade e atola-se no crescimento do desemprego. Os vagões europeus, como a Itália, tombam sob o peso de dívidas astronômicas. A festa acabou.
Previa-se que a economia global cresceria, nos próximos dois anos, de 4,3% a 4,5%. Agora o FMI adverte: preparem-se, apertem os cintos, pois não passará de 4%. Saudades de 2010, quando cresceu 5,1%.
O mundo virou de cabeça pra baixo. Europa e EUA, juntos, não haverão de crescer, em 2012, mais de 1,9%. Já os países emergentes deverão avançar de 6,1% a 6,4%. Mas não será um crescimento homogêneo. A China, para inveja do resto do mundo, deverá avançar 9,5%. O Brasil, 3,8%.
Embora o FMI evite falar em recessão, já não teme admitir estagnação. O que significa proliferação do desemprego e de todos os efeitos nefastos que ele gera. Há hoje, nos 27 países da União Europeia, 22,7 milhões de desempregados. Os EUA deverão crescer apenas 1% e, em 2012, 0,9%. Muitos brasileiros, que foram para lá em busca de vida melhor, estão de volta.
Frente à crise de um sistema econômico que aprendeu a acumular dinheiro mas não a produzir justiça, o FMI, que padece de crônica falta de imaginação, tira da cartola a receita de sempre: ajuste fiscal, o que significa cortar gastos do governo, aumentar impostos, reduzir o crédito etc. Nada de subsídios, de aumentos de salários, de investimentos que não sejam estritamente necessários.
Resultado: o capital volátil, a montanha de dinheiro que circula pelo planeta em busca de multiplicação especulativa, deverá vir de armas e bagagens para os países emergentes. Portanto, estes que se cuidem para evitar o superaquecimento de suas economias. E, por favor, clama o FMI, não reduzam muito os juros, para não prejudicar o sistema financeiro e os rendimentos do cassino da especulação.
O fato é que a zona do euro entrou em pânico. A ponto de os governos, sem risco de serem acusados de comunismo, se prepararem para taxar as grandes fortunas. Muitos países se perguntam se não cometeram uma monumental burrada ao abrir mão de suas moedas nacionais para aderir ao euro. Olham com inveja para o Reino Unido e a Suíça, que preservam suas moedas.
A Grécia, endividada até o pescoço, o que fará? Tudo indica que a sua melhor saída será decretar moratória (afetando diretamente bancos alemães e franceses) e pular fora do euro.
Quem cair fora do euro terá de abandonar a União Europeia. E, portanto, ficar à margem do atual mercado unificado. Ora, quando os primeiros sintomas dessa deserção aparecerem, vai ser um deus nos acuda: corrida aos saques bancários, quebra de empresas, desemprego crônico, turbas de emigrantes em busca de, sabe Deus onde, um lugar ao sol.
Nos anos 80, a Europa decretou a morte do Estado de bem-estar social. Cada um por si e Deus por ninguém. O consumismo desenfreado criou a ilusão de prosperidade perene. Agora a bancarrota obriga governos e bancos a pôr as barbas de molho e repensar o atual modelo econômico mundial, baseado na ingênua e perversa crença da acumulação infinita.
-------------------------------------------
*Escritor e assessor de movimentos sociais. Autor do romance "Minas do ouro” (Rocco), entre outros livros.
http://www.freibetto.org/>
 twitter:@freibetto.

Novos significados para a vulnerabilidade social


Estudo revela que homogeinização
interfere na identificação de  processos
de desigualdades educacionais


MARIA ALICE DA CRUZ
Pesquisa desenvolvida para doutoramento do economista e professor Sergio Stoco na Faculdade de Educação (FE) oferece novos significados para o conceito de vulnerabilidade social, que pode ser aplicado em pesquisas de avaliação ou orientação de políticas educacionais. O pesquisador explica que, quando se estratifica uma população, a partir de uma variável de nível socioeconômico, para identificar os processos de desigualdades educacionais, o que se obtém é uma medida que homogeniza e sintetiza características, como por exemplo, renda familiar, escolaridade da mãe, analfabetismo, entre outros.
Os indicadores construídos a partir destas variáveis permitem distinções de grandes agregados populacionais e certa medida de concentração da desigualdade, mas não são eficientes para diagnosticar o funcionamento do fenômeno social, em sua opinião. “Essas variáveis não servem para avaliar condições sociais porque, por ser síntese, condensa, transforma tudo em igual e estático”, explica.
O economista acredita que um olhar mais atento para o sistema educacional e as relações sociais vinculadas à escolarização demonstram que as desigualdades continuam existindo, apesar da universalização do ensino fundamental, pois apenas se transfigurou a forma de apresentação dessas desigualdades. Na opinião de Stoco, por contribuírem no desenvolvimento de políticas públicas, pesqusas que utilizam fatores associados ao desempenho escolar deveriam interpretar os estratos sociais, a partir de variáveis multidimensionais. “E mesmo se pensar em estratos, tem considerar que, entre as famílias pobres, a pobreza não é igual para todo mundo. Todos têm a mesma condição de acesso e qualidade a equipamentos de educação, saúde, programas de assistência, condições de infraestrutura urbana, entre outros?” Ele acrescenta que todas essas variáveis de condição socioeconômica se relacionam com as escolhas que as famílias fazem para defi nir a trajetória educacional dos seus filhos.
A falta de uma exploração mais abrangente de fatores que envolvem a vulnerabilidade social pode induzir ao uso inadequado dos resultados de pesquisas, segundo o professor. Como exemplo, ele cita estudos que vincularam o desempenho escolar ao uso de computador. “Muitos defendem que o computador melhora notas da escola. Mas podemos afirmar que, se foram colocados computadores para todos, o desempenho dos estudantes na escola irá melhorar de forma generalizada? Isso não é uma certeza.” Stoco enfatiza que as pesquisas só mostravam que havia relação entre o uso de computadores e as melhores notas, mas não dizia que se todos tivessem computadores melhoraria o rendimento. “Isso mostra o uso inadequado do resultado da pesquisa para justificar a formulação de políticas. Minha tentativa é demonstrar que para fazer um indicador que fosse mais adequado para demonstrar essas relações temos de compreender todas as condições sociais envolvidas. Não posso falar só de uma parte”, explica.
Para complementar, ele diz que o computador representa uma capacidade física (ativo material) que a pessoa tem. “É bom para a escola, dentro de um contexto, mas um computador parado não serve para nada”, diz Stoco. Para ele, se não houver uma relação dessa máquina com o objetivo pedagógico de busca e uso de informação para construção de conhecimento, o computador se torna um adorno. Para um resultado eficiente, conforme Stoco, não pode existir somente o computador, mas devem-se construir os sentidos materiais e simbólicos em ambiente favorável à aprendizagem, o que significa reconhecer a visão e expectativas das famílias, como elemento fundamental do processo, bem como a valorização dada por elas a determinados bens culturais.
“Sabemos que de todas as crianças que entram na escola, algumas vão se adaptar à cultura escolar e outras não.” Diante desse fato, Stoco salienta que é preciso saber como as relações se constroem para cada criança. Ao valorizar um determinado padrão de comportamento, escolas e algumas pesquisas consideram apenas o olhar da escola, o que acaba reforçando as desigualdades e segregando, de acordo com o professor. “Por exemplo, a criança tem de ser incentivada pela mãe para ir à escola, mas esse incentivo é igual em todas as famílias?” Ele acrescenta que a realidade da família nem sempre permite que os pais participem de atividades estabelecidas pela escola, entre elas conselho escolar, reunião de pais e acompanhamento das tarefas. Daí a necessidade de compreender as diferentes condições e posições que as famílias ocupam na sociedade, o que obriga a ampliar as variáveis na hora de analisar o problema, enfatiza o economista.

Desempenho

Stoco afirma que uma das questões a ser revistas é o uso social que se faz da nota de desempenho como sucesso escolar. “Quando associo uma nota ao desempenho escolar o sentido intrínseco é expressar uma posição em uma escala de aprendizagem”, pontua. O número obtido, em sua opinião, não é garantia de uma sociedade melhor, mais justa, menos desigual, com crescimento econômico ou maiores salários. Para ele, a nota em si não tem sentido social. Ela só tem sentido social porque as pessoas atribuem um valor material e simbólico à formação escolar: “As pessoas acreditam que um título escolar ou uma boa nota significam uma melhor condição. Mas essa expressão de valor é diferente para as diversas camadas sociais. Se a pessoa é estratifi cada como classe média, a cultura escolar faz parte do seu cotidiano, os pais são geralmente mais escolarizados, valorizam a participação em meios culturais como teatro,cinema, discussões críticas, isso gera uma pré-disposição de comportamento que valoriza certo padrão legítimo de cultura”, acrescenta.
Para a sociedade, a educação está associada a certa expectativa de projeção social, segundo Stoco. Mas para as famílias carentes, a preocupação material é mais premente. “Como consigo as condições materiais para produção e reprodução diária da minha sobrevivência?”, questiona. Essa imediatização dos objetivos, em sua opinião, também se transfere para o objetivo educacional. Sendo assim, o pesquisador acredita que não adianta colocar a criança diante de um currículo que aborde importantes temas da história, ciências e geografi a se para elas estes temas não têm significado na sua realidade. “Aliás, para a classe média, esses conhecimentos ganham um sentido material muito forte quando associado ao vestibular. A criança constrói desde muito cedo uma expectativa (objetivo educacional) de passar no vestibular e conseguir realizar uma carreira profissional e atingir determinado status social”, pondera.
Stoco esclarece que sua pesquisa não é uma prova da inviabilidade de se estudar fatores associados ao desempenho escolar, mas sim um alerta teórico e metodológico de que, do ponto de vista social, a realidade é mais complexa do que imaginar soluções de causalidade. O risco de uma visão simplista e enviesada da realidade é criar uma idealização (nas políticas públicas, na imprensa e um senso comum). “Meu objetivo é discutir do ponto de vista teórico, metodológico, a pertinência e robustez do conceito de vulnerabilidade social para a análise das desigualdades educacionais”.
Stoco acrescenta que a questão também não pode ser colocada como uma comparação entre crianças que frequentam a escola pública e a escola privada, pois as avaliações nacionais, desde a década de 1990, provam que não tem tanta diferença assim. Muitas famílias acabam por fazer um grande esforço para colocar seus filhos em escolas particulares, pois há uma difusão de mitos de que essas instituições são melhores que as públicas, porém, recorrendo a uma interpretação pedagógica das avaliações, quase de senso comum, será possível perceber que a diferença é mínima. Como demonstração, ele pondera: “A professora faz uma prova de história com um conteúdo a ser avaliado. Se a prova tem escala de 0 a 10, e o aluno tira 4, na escala de avaliação da professora, é muito provável que esta, proporcionalmente, é uma nota ruim em relação ao conteúdo trabalhado. Não aprendeu nem metade do conteúdo.” Ele acrescenta que na avaliação nacional acontece o mesmo, pois numa escala de zero a dez, todos tiram em torno de 4,5. Enquanto a particular tem nota 4,7, a pública tem 4,2. “A interpretação correta seria: as duas são ruins”, questiona. “Mas é claro que se olhar para poucas escolas elitizadas (o ranking das dez melhores públicas ou privadas), as diferenças são signifi cativas e não se restringem às características das escolas, pois há um efeito de seleção de estudantes”, complementa.
Para Stoco, é preciso resgatar o objetivo da educação. “Para que serve? Para as pessoas tirarem nota ou para formar a sociedade? Só existe desigualdade porque esta é uma característica estruturalmente inerente a nossa sociedade”. Ele destaca que a análise social sempre depende de uma concepção de sociedade, uma teoria social. Há uma linha de pensamento que analisa pela ótica da igualdade de oportunidades, essa linha de pensamento imagina a sociedade como organismo equilibrado, que por algumas questões conjunturais se desequilibra, e para retomar sua forma natural basta algumas ações focalizadas, segundo o economista. Já a concepção de realidade social utilizada na tese para desenvolver o conceito de vulnerabilidade social é de outra ordem. “A sociedade é desigual porque se estrutura na desigualdade e isto tende a condicionar as decisões educacionais das famílias. Como apresentamos na tese, não é provável que as trajetórias escolares sejam as mesmas se há tantas desigualdades de ordem sociodemográficas e econômicas, mesmo no caso de uma região tão rica como a RMC”, diz o economista.
.............................................................
Tese: “Família, educação e vulnerabilidade social: o
caso da Região Metropolitana de Campinas”
Autor: Sérgio Stocco
Orientação: José Roberto Rus Perez
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
..............................................................
Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/outubro2011/

O poder das flores contra a mudança climática

Manipadma Jena, da IPS
O cultivo de lavanda é uma alternativa viável contra a mudança
climática para agricultores de Jammu e Cachemira.
Srinagar, Índia, 30/9/2011 – O escritório de Gazalla Amin, nos arredores da capital do Estado indiano de Jammu e Cachemira, cheira a lavanda, aroma que emana de um monte de flores secas colocadas em um recipiente no canto da sala. A fragrância nada tem de extravagante nem de feminino. Aos quarenta e tantos anos, esta médica de profissão irrompeu no setor agrícola, que neste lugar é dominado pelos homens. Amin se colocou à frente de agricultores endividados, pobres e derrotados pelas incertezas climáticas e pela perda de cultivos, e atua com o exemplo de alternativas agrícolas viáveis.
Tradicionais produtores de milho dos distritos de Baramulla, Bandipora e Pulwama ganham apenas US$ 110 ao ano, por hectare. Devido à irregularidade das chuvas, neve, umidade e variação da temperatura, os pequenos produtores, endividados por repetidas colheitas ruins, vendem suas terras a ávidos promotores imobiliários e abandonam sua profissão ancestral. “Contudo, não devem fazê-lo”, disse Amin. Podem plantar arbustos de lavanda no que se conhece como “kandi”, terras cultiváveis secas e semiáridas.
“Um hectare de lavanda pode gerar o equivalente a US$ 4 mil ao ano, e o cultivo tem vida de 20 anos, exigindo um mínimo de insumos. Além disso, quase não precisa de pesticidas e não atrai o gado”, explicou Amin. Os agricultores podem comprar árvores jovens, a US$ 0,10 cada, de Amin ou viveiros estatais ou particulares. “Mais de 90% das plantas medicinais e aromáticas do mercado se consegue silvestres e dois terços delas são colhidas com meios destrutivos”, segundo um documento do governo federal.
“As partes mais altas das montanhas da Cachemira são um precioso refúgio de valiosas plantas medicinais. As comunidades de pastores pahari e gujjar as identificam facilmente”, explicou Amin. “Os comerciantes costumam usar os serviços dos pastores para obter as plantas de forma ilegal e destrutiva. O cultivo ajudará a evitar a pirataria e preservar a biodiversidade”, acrescentou.
A incursão de Amin na agricultura medicinal é um típico caso de iniciativa empresarial. “Mesmo sendo médica, procurei estar atenta às oportunidades de me manter perto da natureza”, contou. Uma resenha sobre plantas medicinais e lavanda a levou, há oito anos, ao Instituto de Medicina Integral e ela acabou comprando uma árvore jovem de lavanda para as terras familiares no distrito de Bandipora. “A lavanda não é autóctone da Cachemira, mas ama seu solo e clima”, afirmou a médica.
Nos primeiros dois anos, o meio hectare cultivado se expandiu para nove e depois para outras três propriedades nos distritos de Bandipora, Baramulla e Pulwama. Amin deixou seu consultório e mudou-se para o campo, o que incentivou outros agricultores a se aventurarem nos cultivos medicinais e aromáticos de baixo risco e grande rendimento, como estratégia para minimizar as consequências da mudança climática. O sucesso de sua experiência pessoal serviu para que convidasse outros agricultores a conhecerem suas terras.
Em 2009, criou a Cooperativa de Produtores de Plantas Medicinais e Aromáticas de Jammu e Cachemira, com 30 agricultores, que agora tem 300 membros. Todos recebem material e treinamento sobre técnicas de cultivo e também uma ajuda estatal. “O melhor é que os pequenos produtores podem comercializar e até exportar sua produção por intermédio de nosso comércio centralizado e a preço justo”, destacou Amin.
Abdul Rahman, de 50 anos, da aldeia Doodh Pathri, a 42 quilômetros de Srinagar, cultivou em 2010 um hectare de lavanda e este ano aumentou para 2,5. Ghulam Shah, de 60 anos, trocou as roças, que consumiam muita água e exigiam pesticidas, por lavanda em seus três hectares. As colheitas aumentam desde 2009. Este ano, Amin criou uma unidade de destilação de óleos aromáticos de US$ 500 mil, com empréstimo do governo federal. As instalações recebem flores suficientes para funcionar durante a temporada de maio a dezembro.
Consciente das possibilidades de incentivar o setor agrícola, o Estado lançou nesse mesmo ano uma missão nacional sobre plantas medicinais com um fundo federal de US$ 1,3 milhão, que foi seguido de um plano de ação no valor de US$ 1,5 milhão, em 2010. A missão está a cargo de organizações de autogestão e de agricultores como a de Amin. Além disso, ela criou vínculos dentro do país e com a Grã-Bretanha, e sua empresa, Fasiam Agro Farms, vende óleos essenciais de lavanda, rosa e gerânio sob a marca Pure Aroma.
No começo deste ano, o governo estatal reconheceu a contribuição de Amin ao desenvolvimento empresarial no setor agrícola com o prêmio “agricultores progressistas”. Não “havia antecedentes sobre esse modelo empresarial, aprendi rapidamente pelo erro e o acerto”, respondeu ao ser consultada sobre as dificuldades que enfrentou para criar seu negócio. Ser mulher em um ambiente agrícola masculino “foi um pouco difícil no começo”, reconheceu.
“Produzimos cinco toneladas de óleo de lavanda em 2010, mas podemos exportar mais de mil por ano”, disse A. S. Shawl, presidente nesta cidade da empresa IIIM, pioneira nesse cultivo no Vale de Srinagar há duas décadas. Amin, que agora produz um quinto do óleo de lavanda de Srinagar, busca outros cultivos para os agricultores da Cachemira. Para isso, analisa o informe “Situação Mundial da Medicina 2011”, da Organização Mundial da Saúde (OMS), que mostra que o comércio internacional de medicamentos tradicionais representou US$ 83 bilhões em 2008. A OMS prevê que, com crescimento anual entre 15% e 25%, o comércio de plantas medicinais e aromáticas chegará a US$ 5 trilhões em 2050.
----------------------------
Fontes: Envolverde/IPS - 
Foto: Manipadma Jena/IPS

As empresas erram quando decidem se livrar dos sábios

Vicky Bloch*
Trabalho diariamente com CEOs e executivos de primeiro nível nas empresas e ainda me assusto quando vejo a forma como os profissionais mais seniores encerram suas carreiras no mercado de trabalho tradicional. Ou melhor, a forma como eles são quase expulsos das corporações.
De repente, quando completam por volta de 60 ou no máximo 65 anos de idade, eles deixam de servir para liderar as empresas. O argumento é que a organização precisa de oxigênio, de gente nova, e que a falta de renovação no primeiro nível entope a estrutura de cima para baixo.
Por um lado faz sentido. É fato que pessoas mais jovens são importantes para oxigenar as empresas. Mas eu penso que, se os 40 anos de hoje equivalem aos 20 de duas décadas atrás, um executivo de 60 anos também deveria equivaler ao de 40. Infelizmente, impera ainda a mentalidade de que uma pessoa de 60 anos está perdendo energia e tende a estar defasada em relação ao que o mercado exige atualmente dos grandes líderes quando comparados aos mais jovens.
O que eu observo, entretanto, é que existem muitos profissionais que, a esta altura da vida, estão no seu auge da produção, conhecimento e energia. E, ao contrário do que se diz, são extremamente atualizados, flexíveis e bem informados. Apesar de oriundos de outra geração, são pessoas com uma capacidade enorme de agregar valor por seu conhecimento, ampla e variada experiência e rede de contatos.
A reflexão que eu provoco é: será que a idade deveria ser o limitador para essa transição? A cada dia que passa me convenço que deveríamos avaliar a possibilidade de desenvolvermos um olhar mais individualizado nesse processo. Conforme definiu Robert Critchley no livro "Reavaliando Sua Carreira" (Ed. Campus, 2002), cada pessoa é única e o sucesso profissional conquistado, independente de idade, tende a ser um resultado de sua flexibilidade ou inflexibilidade no trabalho.
No fundo, as organizações têm muito a amadurecer quando o assunto é liderança e sucessão. Fala-se muito, o discurso é crescente, mas na prática há um longo caminho a percorrer. Outro aspecto que me chama a atenção é que, preocupadas em resolver seus problemas de curto prazo durante a fase de transição dos seus principais executivos, a maioria das empresas não se foca em reter o conhecimento e as relações que seu principal líder possuía.
Os gestores de RH e, quando existem, os comitês responsáveis pela sucessão, deveriam se preocupar em realizar uma transição de longo prazo para que esse conhecimento seja transmitido ao sucessor. Além disso, a renovação não significa ignorar os pontos positivos de quem está saindo.
Quando não é possível contar com esse tempo de transição, a organização tem ainda outras possibilidades de se aproveitar desse conhecimento e experiência mantendo o profissional de alguma forma próximo da companhia como membro do conselho de administração ou consultor. O único problema ao transformar um CEO em presidente do conselho -movimento muito comum no mercado -, é que os papéis são mais difíceis de serem separados e muitas vezes o ex-CEO tem dificuldades em deixar a operação, o que não é positivo para a organização nem para o novo líder.
O importante é que tudo aquilo que fora acumulado pelo profissional nos diferentes ciclos de carreira ao longo da vida e os seus pontos fortes identificados depois de tantos anos de janela possam ser agregados novamente, só que em outra formatação. O conhecimento adquirido precisa ser aproveitado não apenas pelo sucessor, mas deve ser de fácil acesso a todos os que se beneficiariam, de alguma forma, dessa sabedoria. Os sábios deveriam poder ser eternamente consultados pelo povo.
Vale o questionamento por parte dos profissionais experientes: "Quais investimentos que fiz nessa minha evolução que me dão a licença de exercer o papel de sábio, de forma a ajudar as novas gerações a fazer reflexões importantes no dia-a-dia?"
Com as mudanças que vêm ocorrendo no meio empresarial, estamos perdendo os sábios e os contadores de histórias - pessoas que sempre tiveram papel fundamental na transmissão dos valores e da cultura organizacional. Não podemos nos livrar dos sábios! Se você encontrar um deles pelo caminho, não o deixe ir embora assim tão fácil.
--------------------------------------------
* Vicky Bloch é psicóloga e consultora de altos executivos. Com mais de 30 anos de experiência profissional, comandou a área de recursos humanos de empresas do setor financeiro, de serviços e industrial. Fundou e presidiu por 18 anos a consultoria DBM no Brasil e na América Latina, especializada na recolocação de executivos no mercado de trabalho. É professora dos cursos de especialização em Recursos Humanos da FGV-SP e da FIA. Atualmente é sócia da consultoria Vicky Bloch Associados, onde atua especialmente em coaching de CEOs e seus principais executivos, em processos de sucessão de empresas familiares e em programas de formação de jovens lideranças. 
Fonte: Valor Econômico on line, 30/09/2011

Neoliberais e desenvolvimentistas

Mansueto Almeida*

É comum encontrar nas páginas de jornais e em artigos acadêmicos um embate entre os chamados economistas neoliberais e os desenvolvimentistas. Em linhas gerais, os neoliberais são taxados de "cabeças de planilha", que acreditam ingenuamente em um mercado que se autorregula, na abertura comercial, na liberalização do fluxo de capital e dão importância excessiva aos fundamentos econômicos.
Os desenvolvimentistas seriam aqueles que acreditam no papel regulador do Estado, na proteção do mercado para fomentar a indústria doméstica, defendem a redução da taxa de juros e não veem restrições ao crescimento que não sejam a falta de ação do governo. A preocupação com os fundamentos econômicos é secundária, inclusive com a inflação, pois esse grupo acha irrelevante a discussão se a inflação será, por exemplo, de 6,45% ou 6,75% - a casa decimal pouco importa e, às vezes, nem mesmo o número inteiro.
O debate, quando colocado dessa forma extrema, até faz sentido do ponto de vista acadêmico, mas é pouco construtivo para o debate econômico atual e vários dos economistas que insistem em caracterizar de maneira caricatural seu suposto oponente sabem disso.
"Elevar investimento em infraestrutura
e melhorar a educação não têm relação
 com esse debate estéril"
Um bom exemplo é o debate em relação à inflação. Em vez da discussão daqueles que defendem uma inflação de 0 a 3% ao ano, neoliberais, e aqueles que não se importam com a inflação, desenvolvimentistas, o debate atual é muito mais sutil e complicado. O que se discute hoje é a velocidade de convergência para a meta de inflação de 4,5% ao ano e as medidas necessárias para que essa convergência ocorra.
Alguns economistas acham que o Banco Central (BC) exagerou no seu cenário catastrófico da economia mundial, outros acham que o cenário do BC é cada vez mais provável e há sim uma chance real de o Brasil reduzir os juros. Mas há um quase consenso que esse esforço de redução do juros só será bem sucedido se acompanhado de maior responsabilidade fiscal e aumento da poupança pública. Essa tese é defendida por economistas que se identificam com as duas correntes.
Outro exemplo é em relação ao crescimento dos gastos sociais. Quando algum economista identificado com a ala neoliberal sugere o controle do crescimento dos gastos sociais como forma de reduzir o crescimento do gasto público, economistas desenvolvimentistas afirmam que seu colega neoliberal está propondo o fim do estado de bem estar social. Novamente, o debate é mais complicado. No Brasil, os gastos sociais crescem quase que continuamente desde a Constituição de 1988, mas é cada vez mais questionável a eficácia distributiva desses gastos e os desenvolvimentistas sabem disso.
Há, por exemplo, claras distorções nos gastos com pensão por morte e com seguro-desemprego, independentemente do debate se o eleitor quer mais ou menos política distributiva. Acho questionável que o eleitor entenda e queira que uma pessoa de 80 anos de idade se case com outra de 20 anos de idade e que esse ou essa jovem usufrua de uma renda vitalícia quando seu parceiro morrer. Da mesma forma, não é comum que os gastos com seguro-desemprego cresçam mesmo quando o desemprego diminui como acontece no Brasil. Racionalizar esses gastos tem adeptos nas duas correntes e, novamente, nenhuma relação com o embate entre neoliberais e desenvolvimentistas.
Em relação à falta de recursos para aumentar os investimentos em infraestrutura, saúde e educação, muitos acham que tudo pode ser "resolvido" com mais carga tributária. Mas aqueles que defendem essa proposta são grupos cuja renda depende mais do seu poder de lobby do que da sua produtividade. O problema é que mais carga tributária, para um país de renda média como o Brasil, fatalmente comprometerá o crescimento da economia. Novamente, neoliberais e desenvolvimentistas se colocam, em geral, contra novos aumentos da carga tributária.
Por fim, a última edição do índice de competitividade global do World Economic Forum mostra, mais uma vez, que os maiores problemas de competitividade do Brasil quando comparado com outros 141 países são: 1) a baixa qualidade da nossa infraestrutura; 2) elevada carga tributária, 3) excesso de regulação; 4) baixa qualidade da educação primária, 5) rigidez no mercado de trabalho; 6) burocracia na abertura de novos negócios, e 7) dívida e spread bancário elevados. Aumentar o investimento em infraestrutura e melhorar a qualidade da educação, por exemplo, não tem absolutamente nenhuma relação com o debate estéril entre desenvolvimentistas e neoliberais.
O que precisamos saber, por exemplo, é como reduzir o spread bancário, aumentar a eficiência do estado na execução de obras públicas, melhorar a eficácia dos gastos sociais, que já são elevados, reduzir as distorções dos gastos com pensão por morte e as regras de concessão do seguro desemprego. No mundo real, o governo é mais pragmático e busca a aprovação do eleitor. Se a elevação da inflação reduzir o índice de aprovação do governo, este voltará a ser mais "neoliberal". Por outro lado, se a ousadia do Banco Central se mostrar correta, o governo será mais desenvolvimentista. É "simples" assim, mas há ainda economistas supostamente maduros que não se cansam de brincar do bem contra o mal ou da batalha estéril entre desenvolvimentistas e neoliberais.
--------------------------
*Mansueto Almeida é técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A opinião expressa é a do autor, não exprimindo o ponto de vista do Ipea. mansueto.wordpress.com
Fonte: Valor Econômico on line, 30/09/2011
Imagem da Internet

Não acharam o Bóson de Higgs, e a culpa é de... Deus?

Deus está ficando com cada vez menos espaço para se esconder, pelo menos na complexa área da física de partículas. [Ou os cientistas estão demonstrando aqui sua profunda ignorância nessa área científica?] O Grande Colisor de Hádrons (LHC), maior acelerador de partículas do mundo, já acumulou dados suficientes para praticamente excluir a possibilidade da existência do Bóson de Higgs, apelidado “partícula de Deus”, em uma vasta gama de experiências. Se isso ficar realmente comprovado, todo o Modelo Padrão da física, formulado em 1964, terá que ser revisto. Das 32 partículas fundamentais do Universo (como prótons, nêutrons, elétrons, entre outras) previstas pelo modelo, o Higgs é a única que ainda não foi detectada. Sua detecção é um dos principais alvos da construção do LHC, que consumiu investimentos da ordem de US$ 10 bilhões. Pela teoria, essa partícula seria responsável por dar massa a todas as demais, formando uma espécie de campo análogo ao campo magnético de um ímã em que as partículas mais “pesadas” sofreriam maior influência.
Segundo a Teoria da Relatividade de Albert Einstein e sua famosa equação E=MC2, energia e matéria são intercambiáveis. Um próton tem uma massa de 1 gigaeletronvolts (GeV)/C2. Diante disso, os cientistas do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), que construiu e opera o LHC, já descartaram com 95% de certeza a possibilidade de o Bóson de Higgs estar no espectro de massa que vai de 145 a 466 GeV/C2. Some-se a isso dados de experimentos anteriores com outros aceleradores já mostrarem que o Bóson de Higgs também não está na região abaixo dos 115 GeV/C2, seu “esconderijo”, se o Modelo Padrão estiver correto e ele de fato existir, está bem apertado.
“Isso deixa a busca ainda mais interessante, pois pelo Modelo Padrão ‘puro’, isto é, sem outras extensões e modelos teóricos, a previsão é de que a massa do Bóson de Higgs esteja abaixo dos 160 GeV/C2”, conta Carla Göbel Burlamaqui de Mello, professora do Departamento de Física e do Centro Técnico Científico da PUC-Rio e integrante de um dos grupos de pesquisa instalados no acelerador do Cern, o LHCb.
O problema, diz Carla, é que essa faixa de massa mais baixa é mais difícil de examinar com o LHC, justamente por causa de sua grande energia, mesmo com o acelerador ainda operando à metade da potência máxima prevista. Isso porque os aceleradores funcionam promovendo colisões de feixes de partículas a altas velocidades, ou energia. Detectores muito sensíveis acompanham os destroços das “explosões” resultantes desses choques, que, então, são analisados pelos cientistas em busca de sinais do decaimento das partículas formadas.
Também no Cern, Alberto Santoro, diretor do Departamento de Física de Altas Energias da Uerj, lembra que a medida em que mais dados são acumulados, aumentam as certezas em torno da exclusão do Bóson de Higgs nas várias faixas de massa. Santoro ressalta ainda que é mais importante a busca pela partícula em si do que ela ser de fato encontrada. “A questão da exclusão carrega uma carga muito forte de pessimismo. Se o Higgs existe só a experiência vai dizer. Não basta uma teoria para determinar uma realidade, é preciso confirmar com a experiência. E se a experiência não encontra o que se procura, paciência, o jeito é construir outra teoria. E talvez esta seja uma realidade mais excitante ainda.” [Aplique-se isso à teoria geral da evolução de Darwin - as experiências científicas não encontram como se deu a origem e evolução das espécies através da seleção natural e n mecanismos evolucionários desde 1859: Darwin 1.0 já foi. Darwin 2.0 está indo pra lata do lixo da História da Ciência. Darwin 3.0 - Síntese Evolutiva Ampliada - somente em 2020! Muito excitante a espera...]
Carla segue na mesma linha. “Os processos que poderiam produzir o Higgs diretamente são muito raros. É como ganhar na Mega Sena. Estamos jogando trilhões de vezes para ter chance de observar algum evento que indique sua presença. [Gente, mas é o que os governos no mundo inteiro vêm fazendo - jogando dinheiro fora em pesquisas buscando uma miragem transformista do século 19...] Além disso, o LHC não foi construído só para buscar pelo Higgs, estamos também procurando por uma física além do Modelo Padrão, como a subestrutura dos quarks e dimensões extras. Mas tudo que estamos encontrando até agora é compatível com o previsto Modelo Padrão e outros modelos teóricos alternativos estão sendo descartados, inclusive os que preveem um Higgs de alta massa”, afirmou a cientista.
(Jornal da Ciência)

Nota: As declarações dos cientistas envolvidos em pesquisas no LHC mais parecem justificativas, pedidos de desculpas, tendo em vista todo o alarde midiático em torno do lançamento do equipamento multibilionário. A máquina que iria “recriar o big bang” está longe da pirotecnia anunciada. (Os comentários entre colchetes no texto acima são do mestre em História da Ciência Enézio de Almeida Filho.)[MB]
-------------------
Fonte: http://www.criacionismo.com.br 29/09/2011 

As crianças fazem as leis

Rubem Alves*
A menina me havia advertido: para entender a sua escola eu teria de me esquecer de tudo o que eu sabia sobre as outras escolas… Lembrei-me da pedagogia de Ricardo Reis: “…tendo as crianças por nossas mestras…”. E ali estava eu, um velho, aprendendo de uma criança
Quis aprender um pouco mais. Perguntei: “Vocês não têm problemas de disciplina? Não há, entre vocês, os valentões que há em todas as escolas, que agridem, ofendem, ameaçam e amedrontam?”
“Ah”, ela me respondeu. “Temos sim. Mas para esses casos temos o tribunal…”
“Tribunal?”, perguntei curioso. Mais uma coisa que eu nunca vira em escolas!
Ela então me explicou: “As leis de nossa escola foram estabelecidas por nós mesmos, alunos. Temos então de zelar para que essas leis sejam cumpridas. A responsabilidade com o cumprimento das leis é nossa e não dos professores e do diretor. Somos nós, e não eles, que temos de tomar as providências para que a vida da escola não seja perturbada. Quando um aluno se torna um problema ele é levado a um tribunal –tribunal mesmo, com juiz, advogado de defesa, advogado de acusação– e é julgado. E a comunidade de alunos toma a decisão cabível”.
Voltei à Escola da Ponte um ano depois e fui informado de que o tribunal deixara de existir. A razão? Um aluno terrível fora levado a julgamento. O juiz –não me lembro se menina ou menino– nomeou o advogado de acusação, e o réu nomeou seu próprio advogado. No dia marcado, reunidos os alunos, o advogado de acusação proferiu a sua peça, tudo de mau que aquele menino havia feito. O diretor, que apenas assistia à sessão, relatou-me sua impressão: “O réu estava perdido. A peça acusatória era arrasadora…”
Chegou a vez do advogado da defesa que ficou mudo e não conseguiu falar. A presidência do tribunal nomeou então um advogado ad hoc, uma menina que teve de improvisar. E essa foi sua linha de argumentação:
“Vocês são todos religiosos, vão ao catecismo e aprendem as coisas da igreja. Vocês aprenderam que quando alguém está em dificuldades é preciso ajudá-lo. Todos vocês sabiam que o nosso colega estava em dificuldades. Precisava ser ajudado. Eu gostaria de saber o que foi que vocês, que aqui estão assentados como júri para proferir a sentença, fizeram para ajudar nosso colega…” Seguiu-se um silêncio profundo. Ninguém disse nada.
A menina continuou: “Então vocês, que nada fizeram para ajudar esse colega, agora comparecem a esse julgamento com pedras na mão, prontos a apedrejá-lo?”
Com essa pergunta, o tribunal se dissolveu porque perceberam que todos, inclusive o juiz e o advogado de acusação, eram culpados. Como é que estão resolvendo agora o problema da indisciplina e da violência?
Criaram um novo sistema, inspirado numa história da escritora Sophia Mello de Breyner Andressen que conta de uma fada –acho que o seu nome era Oriana– que vivia para ajudar crianças em dificuldades. Como funciona? É simples. Quando um aluno começa a apresentar comportamento agressivo forma-se um pequeno grupo de “fadas Orianas” para impedir que a agressão e a violência aconteçam. Pelo que me foi relatado, as fadas Orianas têm tido resultados muito bons. Quem sabe coisa parecida poderia funcionar com os bullies que infernizam a vida dos mais fracos nas escolas…
Veja o início da história aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
---------------------------------------
* Rubem Alves é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Fontes : (Portal Aprendiz) e http://mercadoetico.terra.com.br/
Imagem da Internet

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Cuidar do luto e das perdas

Leonardo Boff*
Pertencem, inexoravelmente, à condição humana, as perdas e o luto. Todos somos submetidos à férrea lei da entropia: tudo vai lentamente se desgastando; o corpo enfraquece, os anos deixam marcas, as doenças vão nos tirando irrefreavelmente nosso capital vital. Essa é a lei da vida que inclui a morte.
Mas há também rupturas que quebram esse fluir natural. São as perdas que significam eventos traumáticos como a traição do amigo, a perda do emprego, a perda da pessoa amada pelo divórcio ou pela morte repentina. Surge a tragédia, também parte da vida.
Representa grande desafio pessoal trabalhar as perdas e alimentar a resiliência, vale dizer, o aprendizado com os choques existenciais e com as crises. Especialmente dolorosa é a vivência do luto, pois mostra todo o peso do Negativo. O luto, possui uma exigência intrínseca: ele cobra ser sofrido, atravessado e, por fim, superado positivamente.
Há muitos estudos especializados sobre o luto. Segundo o famoso casal alemão Kübler-Ross há vários passos de sua vivência e superação.
O primeiro é a recusa: face ao fato paralisante, a pessoa, naturalmente, exclama:”não pode ser”; “ é mentira”. Irrompe o choro desconsolado que palavra nenhuma pode sustar.
O segundo passo é a raiva que se expressa:“por que exatamente comigo? Não é justo o que ocorreu”. É o momento em que a pessoa percebe os limites incontroláveis da vida e reluta em reconhecê-los. Não raro, ela se culpa pela perda, por não ter feito o que devia ou deixado de fazer.
O terceiro passo se caracteriza pela depressão e pelo vazio existencial. Fechamo-nos em nosso próprio casulo e nos apiedamos de nós mesmos. Resistimos a nos refazer. Aqui todo abraço caloroso e toda palavra de consolação, mesmo soando convencional, ganha um sentido insuspeitado. É o anseio da alma de ouvir que há sentido e que as estrelas-guias apenas se obscureceram e não desapareceram.
O quarto é o autofortalecimento mediante uma espécie de negociação com a dor da perda: “não posso sucumbir nem afundar totalmente; preciso aguentar esta dilaceração, garantir meu trabalho e cuidar de minha família”. Um ponto de luz se anuncia no meio da noite escura.
O quinto se apresenta como uma aceitação resignada e serena do fato incontornável. Acabamos por incorporar na trajetória de nossa existência essa ferida que deixa cicatrizes. Ninguém sai do luto como entrou. A pessoa amadurece forçosamente e se dá conta de que toda perda não precisa ser total; ela traz sempre algum ganho existencial.
O luto significa uma travessia dolorosa. Por isso precisa ser cuidado. Permito-me um exemplo autobiográfico que aclara melhor a necessidade de cuidar do luto. Em 1981 perdi uma irmã com a qual tinha especial afinidade. Era a última das irmãs de 11 irmãos. Como professora, por volta das 10 horas, diante dos alunos, deu um imenso brado e caiu morta. Misteriosamente, aos 33 anos, rompera-se-lhe a aorta.
Todos da família vindos de várias partes do pais, ficamos desorientados pelo choque fatal. Choramos copiosas lágrimas. Passamos dois dias vendo fotos e recordando, pesarosos, fatos engraçados da vida da irmãzinha querida. Eles puderam cuidar do luto e da perda. Eu tive que partir logo após para o Chile, onde tinha palestras para frades de todo o Cone Sul. Fui com o coração partido. Cada palestra era um exercício de auto-superação. Do Chile emendei para a Itália onde tinha palestras de renovação da vida religiosa para toda uma congregação.
A perda da irmã querida me atormentava como um absurdo insuportável. Comecei a desmaiar duas a três vezes ao dia sem uma razão física manifesta. Tive que ser levado ao médico. Contei-lhe o drama que estava passando. Ele logo intuiu e disse: “você não enterrou ainda sua irmã nem guardou o luto necessário; enquanto não a sepultar e cuidar de seu luto, você não melhorará; algo de você morreu com ela e precisa ser ressuscitado”. Cancelei todos os demais programas. No silêncio e na oração cuidei do luto. Na volta, num restaurante, enquanto lembrávamos a irmã querida meu irmão também teólogo, Clodovis, e eu escrevemos num guardanapo de papel o que colocamos no santinho de sua memória:
“Foram trinta e três anos, como os anos da idade de Jesus
Anos de muito trabalho e sofrimento
Mas também de muito fruto
Ela carregava a dor dos outros
Em seu próprio coração, como resgate
Era límpida como a fonte da montanha
Amável e terna como a flor do campo
Teceu, ponto por ponto, e no silêncio
Um brocado precioso
Deixou dois pequenos, robustos e belos
E um marido, cheio de orgulho dela
Feliz você, Cláudia, pois o Senhor voltando
Te encontrou de pé, no trabalho
Lâmpada acesa
Foi então que caiste em seu regaço
Para o abraço infinito da Paz”.

Entre seus papéis encontramos a frase:”Há sempre um sentido de Deus em todos os eventos humanos: importa descobri-lo”. Até hoje estamos procurando esse sentido que somente na fé o suspeitamos.
-----------------------
* Teólogo. Escritor. Conferencista.

O som da época

L. F. VERISSIMO*
Desconfio de que ainda nos lembraremos destes anos como a época em que vivemos com o acompanhamento dos alarmes de carro. Os alarmes de carro são a trilha sonora do nosso tempo: o som da paranoia justificada.
O alarme é o grito da nossa propriedade de que alguém está querendo tirá-la de nós. É o som mais desesperado que um ser humano pode produzir – a palavra “socorro!” – mecanizado, padronizado e a todo volume. É “socorro!” acrescentado ao vocabulário das coisas, como a buzina, a campainha, a música de elevador, o “ping” que avisa que o assado está pronto e todos os “pings” do computador. Também é um som típico porque tenta compensar a carência mais típica da época, a de segurança. Os carros pedem socorro porque a sua defesa natural – polícia por perto, boas fechaduras ou respeito de todo o mundo pelo que é dos outros – não funciona mais. Só lhes resta gritar.
Também é o som da época porque é o som da intimidação. Sua função principal é espantar, e substituir todas as outras formas de dissuasão pelo simples terror do barulho. O som da época em que os decibéis substituíram a razão.
Como os ouvidos são, de todos os canais dos sentidos, os mais difíceis de proteger, foram os escolhidos pela insensibilidade moderna para atacar nosso cérebro e apressar nossa imbecilização. Pois são tempos literalmente do barulho.
O alarme contra roubo de carro também é próprio da época porque frequentemente não funciona. Ou funciona quando não deve. Ouvem-se tantos alarmes a qualquer hora do dia ou da noite porque, talvez influenciados pela paranoia generalizada, eles disparam sozinhos. Basta alguém se aproximar do carro com uma cara suspeita e eles começam a berrar.
Decididamente, o som do nosso tempo.
-------------------------------
* Jornalista. Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 29/09/2011

Tem algo errado?

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER

Por que os habitantes do planeta vermelho são verdes? A questão é bizarra. Acontece que o bizarro parece estar levando vantagem em tudo. Como explicar a um marciano, verde ou vermelho, que, no Brasil, quem ganha salário mínimo deve se virar sozinho, mas quem ganha mais de R$ 20 mil, dependendo da sua função, recebe auxílio-moradia? Como explicar a um marciano que, nos Estados Unidos, os muito ricos pagam menos impostos do que os menos ricos, chegando a acontecer de o empregado pagar mais impostos do que o patrão? Como explicar ao marcianinho que professores têm seus pedidos de aumento reduzidos ao mínimo por parlamentares que tratam de elevar ao máximo os seus proventos, sendo que esses parlamentares são eleitos também por esses professores?
Como explicar ao extraterrestre que o Judiciário brasileiro leva em consideração aspectos éticos e morais quando julga casos alheios, buscando interpretar o espírito da lei, mas só considera se é legal ou não, friamente, quando se trata do seu interesse? Como explicar ao visitante que, na oposição, um partido condena uma política qualquer e, instalado no poder, pratica-a sem o menor constrangimento e até com volúpia? Como explicar ao pobre marciano que haja dinheiro para construir vários estádios de futebol e outras obras faraônicas e sempre faltem leitos nas emergências dos hospitais? Deve ser por isso que são vistos tão poucos marcianos na área. Eles certamente cansaram de ouvir explicações furadas e desistiram de vir para cá. Marcianos são muito cartesianos, seres de antolhos, lineares, bitolados, e não entendem nossa complexidade.
Como explicar a um marciano que um deputado gaúcho que vá passar o dia em Bento Gonçalves tenha direito a diárias sem necessidade de comprovar o gasto, bastando uma nota de um cafezinho para provar que a viagem aconteceu? Marcianos são certinhos e acham que cada centavo público não gasto deve ser devolvido imediatamente. Jamais um marciano participaria de um esquema de caixa 2, muito menos carregaria dinheiro na cueca, ainda que exista dúvida sobre o uso de cueca entre os marcianos, especialmente entre os que atuam em cargos públicos. Marcianos são chatos e inflexíveis. Não conseguem entender que um assassino pego em flagrante responda em liberdade e menos ainda que fichas-sujas sejam eleitos. É difícil saber que tipo de civilização existiria aqui se os marcianos tomassem conta do planeta.
O mais provável é que tudo continuasse igual. Marcianos são vulneráveis. Deixam-se, depois de algum tempo, contaminar pelos valores dos lugares que visitam. Consta que os marcianos estão proibidos de descer em Brasília. Aqueles que desobedecem são obrigados a ficar de quarentena antes de voltar para casa. Difícil mesmo é explicar a um marciano o poder de José Sarney. É algo que lhes parece coisa de ET. Nunca em Marte um menino de 10 anos atirou na professora e depois se suicidou. Marte é um lugar que não existe. A realidade é aqui. Será que tem algo errado? Ainda haverá tempo para melhorar as coisas?
------------------------------------
* Sociólogo. Escritor. Tradutor. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Povojuremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo on line, 29/09/2011

Desenvolva a cultura inovadora com as perguntas certas

Inovação

Incorporar o pensamento criativo ao trabalho aproxima colaboradores da alta gestão e ajuda a enfrentar mudanças constantes
Há menos de uma década, a capacidade de planejamento estratégico de uma corporação era, provavelmente, seu maior trunfo. Para o bem e para o mal, essa sacada foi por água abaixo. Com mudanças cada vez mais velozes, é impossível saber o que acontecerá com o seu negócio em alguns anos.
Em palestra no MIT Sloan Management (Massachusets Institute of Technology), Emmanuel Maceda, dirigente da Bain & Company, contou como a companhia superou a crise econômica mundial baseada na liderança inovadora. Na companhia, a liderança inovadora se baseia em três pilares: clientes, pessoas e produtos.
Na prática, isso significa que, por exemplo, mesmo altos diretores lidam diretamente com os clientes, para que tenham noção de como se a empresa é percebida pelo mercado. A finalidade, revela Maceda, é “fazer das pessoas o coração sustentável da vantagem competitiva da companhia”.
Quando a capacidade de adivinhar o futuro se esvai, outras habilidades ganham destaque. Talvez a mais abrangente seja a gestão de equipe inovadora e criativa, capaz de fazer as perguntas certas.
A capacidade de fazer perguntas desafiadoras é coibida por muitas empresas que pressionam os colaboradores pela resposta certa. Para Jairo Siqueira, consultor em criatividade, inovação e negociação, estimular que os funcionários façam perguntas é um atalho para o desenvolvimento da cultura inovadora.
As seis habilidades necessárias ao pensamento inovador são, segundo estudo do Center for Creative Leadership: http://www.ccl.org/leadership/pdf/research/InnovationLeadership.pdf 

1 - prestar atenção;
2 - personalização;
3 - associação de imagens;
4 - atitudes sérias;
5 - pesquisa colaborativa;
6 - perspicácia.

Confira dicas que valorizam o pensamento inovador.
1 - Abertura: a empresa precisa deixar claro que está aberta a mudanças que agreguem valor.
2 - Exemplo: ao inovar na forma de trabalho, os gestores dão o exemplo e motivam as pessoas a apresentarem sugestões.
3 - Troca de experiências: sem espaço para individualismo, a saída é estimular o trabalho em equipe e a troca de ideias.
4 - Suporte ao erro: é por meio dos erros que se encontra o caminho para o aprendizado. Os colaboradores devem ter consciência de que podem errar.
5 - Descentralização: o líder deve nortear as ações, mas não concentrar funções, boicotando a autonomia das pessoas e, assim, matando a criatividade.
6 - Comunicação integral: se a criatividade é valorizada, a empresa precisa dispor de canais de comunicação acessíveis.
-----------------------------------------
Fonte: Portal HSM - 15/09/2011

Ser pessoa com a internet

Teresa Messias*

No mundo da comunicação social a Internet veio – tudo parece indicá-lo – para ficar.

A tecnologia da rede digital está a gerar um novo paradigma de comunicação. Em tempos e modelos anteriores, tinha-se uma conceção mais linear do ato de comunicação e dos seus elementos: emissor, canal de comunicação, mensagem, contexto, recetor e efeitos nele causados. Na Internet, em particular nas redes sociais, a linearidade dá lugar à circu- laridade e à interatividade em vários níveis. O emissor e o recetor partilham o mesmo espaço que é o próprio canal de comunicação e as diferenças esbatem-se. Ambos têm de entrar nessa rede e fazerem-se representar através de uma imagem, perfil virtual ou morada que pode não corresponder, em absoluto, à realidade. O ato de emitir informação na Internet repercute não só sobre o recetor mas, desde o início, sobre o emissor. Surge assim nova horizontalidade na comunicação social: todos estão ao mesmo nível (comunicação e de afetação pelos seus efeitos), todos afetam (consciente ou inconscientemente) todos. A informação disponível circula e causa efeitos que ultrapassam a rede e atingem a sociedade e a sua dinâmica: a rede digital torna-se uma matriz social que altera o modo de lidar com o tempo, o modo de pensar, ler, de relacionar-se com a informação e de consumir. Um tal efeito comunicador afeta-nos como pessoas porque nascemos da comunicação/ comunhão inter-pessoal, através dela realizamo-nos e expressamos capacidade de transcen- dência, de superação pessoal e de busca de sentido que nos habita.
A Internet traz consigo consequência psicológicas. Menciono apenas algumas que me parecem relevantes. Antes de tudo uma experiência de poder, dada pela quase inesgotabilidade de recursos, pela amplitude da influência, pelo elevado número de pessoas com que entramos em contacto. Como toda a experiência de poder também a Internet tem o potencial para se tornar viciante: pode gerar a contínua necessidade de consultar ou receber informação ou correio eletrónico, de saber quem visitou certas minhas páginas ou vídeos, etc.
Por outro lado a Internet veio provocar uma alteração da forma de ler, pensar, de aprender, de chegar a conclusões. A enorme interatividade da rede, fonte de enormes benefícios e vantagens educa-tivas, traz também limitações de quem nem todos estão conscientes: excessiva ligação à imagem, à imediatez da localização dos recursos (com tendência a privilegiar e/ou reduzir a busca ao que está disponível na rede esquecendo outros meios de informação), um estilo de leitura demasiado superficial e descompro- metido que salta rapidamente de uns sítios para outros, paciência para uma leitura ponderada e crítica dos documentos (1).
Ainda em relação com o aspecto educacional enquadra-se a questão do respeito pelos autores dos materiais disponíveis e o plágio.
Um terceiro aspeto prende-se com a noção de amizade que as redes sociais desenvolvem: amizade corre o risco de ser confundida com o número de pessoas que querer aceder a uma página social, a quantidade de informação pessoal partilhada ou a pressão de grupo virtual. Junta-se a esta a falsa sensação de privacidade e segurança: a realidade é diametralmente oposta. Na rede nada é privado ou rigorosamente seguro. Toda a informação dispo- nibilizada será (mais cedo ou mais tarde) vista por outros e é difícil retirá-la da rede. Este facto deveria servir para desenvolver a prudência sobretudo na comunicação de dados e acontecimentos privados e relevantes na história pessoal de cada um, evitando que este recurso digital passe de rede (net) a teia (web) onde facilmente nos enredamos e podemos vir a ser vítimas de predadores de todo o tipo.
A Internet remete assim, necessariamente, para a questão ética (de um bom ou mau uso de toda a criação cultural, de uma utilização que humaniza e realiza o ser humano ou que o degrada e destrói) e para os perigos da sua utilização.
"A sacramentalidade do amor de Cristo
 requer esta presença corporal direta
para a qual o espaço digital da Internet constitui,
apesar de toda a sua extraordinária riqueza,
uma distância e pobreza."

Para a experiência religiosa e para a fé cristã em particular, a Internet apresenta-se igualmente fascinante e desafiante. A potencialidade de transmitir con- teúdos cristãos de modo interativo, apelativo e universal é hoje um facto. O leque de oferta é variado: propostas de oração, académico-formativas, da partilha pessoal. Saliento sobretudo a oferta pela Internet de experiências de acompanhamento espiritual (Exercícios Espirituais, por exemplo) com tudo o que isso implica de partilha pessoal.
Sem diminuir nada ao valor e enorme importância e alcance da presença e da mensagem cristã na Internet lembro contudo que a comunicação entre pessoas não é só digital mas também analógica, como teorizou P. Watzlawick. Na comunicação entre pessoas entra também o elemento fundamental da corporalidade: a presença física mútua, os gestos corporais e os silêncios que a expressam e acompanham, dando-lhe profundidade e densidade. A experiência cristã radica neste acontecimento de presença interna de Cristo, da sua corporalidade a cada um de nós e faz-se presente em cada encontro interpessoal. No centro da experiência cristã está um homem oferecido na sua corporalidade na qual o Espírito é dado: corpo e sangue entregues que na nossa corporalidade devem ser recebidos. A sacramentalidade do amor de Cristo requer esta presença corporal direta para a qual o espaço digital da Internet constitui, apesar de toda a sua extraordinária riqueza, uma distância e pobreza.
O grande desafio religioso que a Internet coloca aos cristãos talvez seja, afinal, o de, pelo modo como estão presentes aos outros, pela verdade, no respeito, pelo genuíno interesse pela vida e realização daqueles com quem comunicam, da sua própria e do mundo, gerarem relações de confiança e generosidade que se concretizam depois também no acolhimento presencial direto e profundo das suas condições de vida, no compromisso efetivo para fazer do mundo um espaço de realização humana integral.

(1) Cf. Beytía, Juan Cristóbal, “La cultura juvenil y sus desafíos”, Revista de Espiritualidad Ignaciana (CIS) 117 (2008), 13.
------------------------------------------
* Professora Faculdade de Teologia - UCP
Fonte: http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?&id=85871
Português de Portugal

Roupas alteram maneira como pessoas percebem cor da pele

Um estudo feito por pesquisadores americanos concluiu que o jeito de se vestir pode mudar a percepção de terceiros sobre a cor da pele de uma pessoa.
Tufts University/Divulgação


Cientistas vestiram pessoas ou com roupas casuais de trabalho - Tufts University/Divulgação
Cientistas vestiram pessoas ou com roupas casuais de trabalho

Os cientistas vestiram pessoas ou
com roupas casuais de trabalho, ou com macacões,
e pediram a espectadores que categorizassem
os rostos dos modelos como sendo
brancos ou negros.

A probabilidade maior era, segundo a pesquisa, que os rostos fossem vistos como brancos quando as pessoas se vestiam com roupas casuais de escritório e como negros quando usavam os macacões.
O relatório da equipe de pesquisadores, baseados nos Estados Unidos, foi publicado na revista científica Plos One.
Os cientistas acham que, se as pessoas têm consciência das estratégias que usam para avaliar outras pessoas, os efeitos desses julgamentos subconscientes podem ser diminuídos.
"Este é um artigo realmente interessante que testa hipóteses sobre como nós categorizamos as pessoas", diz a psicóloga Lisa DeBruine, que estuda reconhecimento facial na Universidade de Aberdeen, na Escócia, e que não está envolvida no trabalho.

Branco ou negro?

Os pesquisadores pediram a cerca de 20 voluntários que classificassem os rostos de homens e mulheres, que variavam de formato e tom da pele, em apenas uma de duas categorias de raça - branca ou negra.
A equipe, formada por cientistas das universidades de Tufts, Medford, Stanford e da Califórnia (todas americanas) - descobriu que, para os rostos mais ambíguos racialmente, os participantes tinham 4% a mais de probabilidade de considerar uma face negra se a pessoa estivesse usando um macacão, em vez de um terno.
Em outras palavras, o rosto mais ambíguo racialmente era categorizado como negro em 61% das vezes em que usava terno, e 65% das vezes em que usava macacão.
Ao acompanhar os movimentos das mãos dos voluntários enquanto eles mexiam em um mouse para tomar sua decisão, os cientistas puderam perceber hesitações momentâneas, que davam pistas sobre como os participantes estavam fazendo suas opções.
A equipe descobriu que, mesmo quando um voluntário decidia que uma pessoa usando um terno de negócios era negra, a trajetória do mouse tendia a desviar um pouco em direção à opção "branco" mais frequentemente do que quando um rosto "negro" estava usando macacão.

Bagagem cultural

"(Os resultados) indicam que a nossa bagagem cultural, e o que estamos esperando ver estereotipicamente, pode literalmente mudar o que nós vemos em outras pessoas", disse o estudante de graduação Jon Freeman, da Universidade Tufts, que liderou o estudo.
Ele diz que as decisões sobre raça e gênero mudam a nossa atitude frente as pessoas e afetam a maneira como nós interagimos com elas.
Freeman e seus colegas planejam pesquisar se a influência das roupas na percepção da raça desaparece quando as pessoas ficam conscientes que a "bagagem que elas trazem à mesa pode verdadeiramente alterar a forma como a raça é percebida".
Se for o caso, estudos como este podem ajudar a aliviar os efeitos da estereotipificação, segundo afirmam os pesquisadores.
BBC Brasil
-----------------------------------
Fonte: Estadão on line, 29/09/2011

Aproveitar a vida e suas dores

CONTARDO CALLIGARIS*
--------------------------------------------------------------------------------
Meu ideal não é a felicidade,
mas a variedade e a intensidade das experiências,
sejam alegres ou penosas
--------------------------------------------------------------------------------

Com frequência, em conversas e entrevistas, alguém me pergunta o que penso da felicidade -obviamente, na esperança de que eu espinafre esse "ideal dominante" de nossos tempos.
Na verdade, não sei se a felicidade é mesmo um ideal dominante.
Claro, o casal e a família felizes são estereótipos triviais: "Com esta margarina ou com este carro sua vida se abrirá num sorriso de 'folder' ou de comercial". Mas ninguém leva isso a sério, nem os que declaram que tudo o que querem é ser felizes.
Se alguém levasse a busca da felicidade a sério, ele se drogaria, e não com remédios ou substâncias de efeito incerto e insuficiente: só crack ou heroína -tiros certeiros.
O que resta é a felicidade como tentação, como uma vontade de cair fora, compreensível quando a vida nos castiga muito. Fora isso, minha aspiração dominante não é a de ser feliz: quero viver o que der e vier, comédias, tangos e também tragédias -quanto mais plenamente possível, sem covardia.
Meu ideal de vida é a variedade e a intensidade das experiências, sejam elas alegres ou penosas.
Há indivíduos que pedem para ser medicados preventivamente, de maneira a evitar a dor de um luto iminente. É o contrário do que eu valorizo; penso como Roland Barthes: "Luto. Impossibilidade -indignidade- de confiar a uma droga -sob pretexto de depressão- o sofrimento, como se ele fosse uma doença, uma 'possessão' -uma alienação (algo que nos torna estrangeiros)- enquanto ele é um bem essencial, íntimo...".
O trecho está na pág. 159 de "Diário de Luto", que acaba de ser publicado em português (WMF Martins Fontes, excelente tradução de Leyla Perrone-Moisés).
São as fichas nas quais Barthes registrou sua dor entre outubro de 1977 (a morte da mãe) e setembro de 1979 (poucos meses antes de ele mesmo sofrer um atropelamento cujas consequências seriam fatais).
Logo nestes dias, um amigo meu, Paulo V., está perdendo seu pai. Ele me escreve, consternado, que "nada sobrará" do pai: uma cadeira vazia, gavetas de roupas e papéis e que mais? A lembrança se perderá com a vida do filho, que não lhe deu netos e de quem também nada sobrará. A resposta que encontro, para meu amigo, é uma questão: por que uma vida não se bastaria, mesmo que não sobre nada e, a médio prazo, ninguém se lembre?
Barthes se pergunta se ele estaria escrevendo "para combater a dilaceração do esquecimento na medida que ele se anuncia como absoluto. O -em breve- 'nenhum rastro', em parte alguma, em ninguém" (pág. 110). Mas suas anotações não são um monumento fúnebre para a mãe.
Para Barthes, escrever é o jeito de abraçar a experiência, de vivê-la plenamente. Ele se revolta contra as distrações e as explicações consolatórias dos amigos; recusa as teorias que lhe prometeriam um bom decurso de seu luto ("Não dizer luto. É psicanalítico demais. Não estou de luto. Estou triste") e foge, embora a contragosto, das crenças que apaziguariam a dor ("que barbárie não acreditar nas almas -na imortalidade das almas! Que verdade imbecil é o materialismo!").
Enfim, Barthes chega quase a recear que o luto acabe, como se, além da mãe adorada, ele temesse perder também, aos poucos, sua experiência dessa perda.
Meses depois da morte dos meus pais, havia momentos em que eu lamentava que meus afetos e pensamentos voltassem "ao normal", como se minha vida fosse mais pobre sem aquela dor. E havia outros em que, de repente, um detalhe me fisgava, até às lágrimas. Esses momentos eu acolhia com alegria.
Como Barthes anota, a dor do luto pode deixar de ser o afeto dominante, mas ela sempre volta, com a mesma força: "O luto não se desgasta porque não é contínuo" (pág. 92).
Falando em "detalhes" que fisgam, as anotações de Barthes reabriram a ferida de quando ele morreu, mais de 30 anos atrás.
De que sinto mais falta? Do timbre de sua voz e de duas coisas que, de uma certa forma, faziam parte do timbre de sua voz.
Sinto falta de seu gosto pela inconsistência das ideias e dos saberes ("proporcionalmente à consistência desse sistema, sinto-me excluído dele", pág. 73).
E sinto falta de sua coragem para falar a partir da singularidade de sua experiência, sem a menor pretensão de erigi-la numa generalidade que valha para os outros.
Em suma, sinto falta dele, mas não é só que eu sinto falta dele, é que ele, ainda hoje, faz falta.
----------------------
@ccaligaris
Fonte: Folha on line, 29/09/2011

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Uso intenso de internet no trabalho diminui a produtividade

 'Depois de cada distração, os funcionários
podem demorar mais 20 minutos
para recuperar o foco e retornar à tarefa',
diz realizador de pesquisa

Editora Globo
O pesquisador David Lavenda// Crédito: Divugação
Um estudo realizado em julho pela empresa americana Harmon.ie concluiu que as constantes distrações digitais provocam impactos intensos na produtividade. Entre os 1.140 trabalhadores de Londres entrevistados, quase metade confessou ficar colada em laptops e smartphones durante uma reunião de trabalho, seja verificando e-mails ou mandando mensagens de texto. Na mesma situação, 10% dos indivíduos atualizam redes sociais.
Entre os entrevistados, 82% reclamaram da tendência de outras pessoas em interromper algum processo para atender ligações, twittar, responder e-mails ou mandar SMS. Ironicamente, 70% deles disseram que ficariam ofendidos se fizessem a mesma coisa com eles. “Nós acreditamos que o vício digital dos trabalhadores tem muito a ver com a gratificação instantânea. Existe um sentimento positivo associado à possibilidade de checar seu e-mail e encontrar algo novo lá.”, diz David Lavenda, vice-presidente de marketing e estratégia de produto da Harmon.ie.
A pesquisa descobriu ainda que 1/3 dos funcionários leva cerca de 20 minutos para voltar a trabalhar depois de terem sido distraídos por e-mail, SMS ou redes sociais. Mais de 1/3 disse ainda que constantes distrações digitais tornam o trabalho mais difícil, e 22% confirmou que fica mais difícil pensar com criatividade. “Esses fatores trazem dificuldade para os trabalhadores em assumir suas responsabilidades com o foco e esforço necessários.”, afirma Lavenda.

Leia abaixo a entrevista completa com o idealizador da pesquisa.

Galileu: Qual foi o objetivo da pesquisa?
David Lavenda: Nós conduzimos o estudo para entender melhor os impactos intensos que as distrações eletrônicas exercem no local de trabalho. Em alguns casos, os impactos foram muito mais fortes do que tínhamos imaginado.

Galileu: Como foi realizado o estudo?
David: A harmon.ie teve a ideia de fazer a pesquisa e formulou as perguntas, mas contratamos uma empresa para executar o estudo, que é a uSamp. Em março, eles aplicaram as perguntas a 515 trabalhadores dos Estados Unidos, de empresas de todos os tamanhos e de várias áreas diferentes: vendas, marketing, recursos humanos, etc. Os entrevistados tinham no mínimo 20 anos de idade. Em julho, a pesquisa foi aplicada para 1.140 trabalhadores do Reino Unido.

Galileu: Por que vivemos em uma era de distrações digitais?
David: A superabundância de ferramentas, softwares e gadgets supostamente deveria fazer os funcionários incrivelmente produtivos e facilmente acessíveis. No entanto, elas plantaram um monte de consequências não intencionais, como os funcionários tendo que enfrentar uma enxurrada constante de e-mails, telefonemas, mensagens de texto, tweets e outras coisas mais, empurrando-os em um estado constante de sobrecarga digital.

Galileu: Por que as pessoas se deixam interromper por celulares e redes sociais? É um vício ou elas realmente acham que estão fazendo seu trabalho corretamente?
David: Muitas pessoas acreditam que vão perder a vantagem na competição se eles se desconectarem de sua caixa de e-mails por 30 minutos ou até menos. De fato, de acordo com nossa pesquisa, 20% das pessoas entrevistadas se sentiram com medo de perder prestígio no trabalho por ficarem cinco minutos sem ver o e-mail. Mas toda essa conectividade não gera maior produtividade, tanto é que um terço dos entrevistados confessaram que são interrompidos pelo menos a cada 15 minutos. Depois de cada distração, eles podem demorar mais 20 minutos para recuperar o foco e retornar à tarefa.
Nós acreditamos que o vício digital dos trabalhadores tem muito a ver com a gratificação instantânea. Existe um sentimento positivo associado à possibilidade de checar seu e-mail e encontrar algo novo lá, e existe certa ansiedade também que acompanha um sentimento de estar sendo deixado pra trás, caso você não olhe a caixa de entrada. A gratificação instantânea é tão viciosa que passar por cima disso é crucial. A última mensagem da caixa de entrada parece ser a coisa mais urgente da sua vida, mas será que é mesmo?

Galileu: As constantes distrações diminuem a produtividade dos trabalhadores, certo? Mas, além da quantidade, essas distrações podem diminuir a qualidade do trabalho também?
David: Absolutamente. Nossos resultados mostraram que os funcionários tiveram problema em terminar seu trabalho [36%], sofrem com a sobrecarga de informação [22%] e consequentemente falharam em pensar criativamente [22%]. Esses fatores trazem dificuldade para os trabalhadores em assumir suas responsabilidades com o foco e esforço necessários.

Galileu: As ferramentas digitais, além de prejudicar o trabalho, estão invadindo também nossa vida pessoal? De que maneira isto pode ser prejudicial?
David: Sim, nosso estudo descobriu que as ferramentas sociais e de comunicação estão invadindo as relações pessoais dos trabalhadores. Na pesquisa completa você vai achar todas as porcentagens, mas descobrimos que quase todos os entrevistados continuam conectados ao e-mail do trabalho durante os finais de semana [85%], muitos também ficam ligados durante a noite [79%], um grande número de pessoas continuam em contato com o escritório mesmo durante as férias [74%]. Metade das pessoas confirmou ainda que continua online na cama [48%], e um terço disse que nunca se desconecta do trabalho [35%]. O resultado é que a vida pessoal das pessoas se torna invadida, e elas voltam para o trabalho depois de um fim de semana ou das férias com menos energia e inspiração do que deveriam.

Galileu: Levar uma vida multi-tasking, ter a capacidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, é valorizado pelas empresas? Por quê? De onde vem esse ideial?
David: Para muitas pessoas, multitasking é inevitável. Apesar de que a pesquisa mostra que o verdadeiro multitasking é um mito, já que as pessoas só conseguem se focar em uma coisa por vez. Elas, na verdade, estão trocando de atividades constantemente.

Galileu: A pesquisa descobriu que as distrações digitais diminuem a produtividade. Você acha que a tendência é que as empresas passem a valorizar os trabalhadores que conseguem evitar essas distrações?
David: As empresas apreciam as pessoas que conseguem fazer suas obrigações mais importantes. Mas gerenciar essa questão não significa bloqueá-los dos canais de mídia social, mas sim encontrar maneiras de melhor gerenciá-los. Na nossa perspectiva, isso inclui integrar as ferramentas no ambiente de trabalho diariamente, para que as pessoas tenham fácil acesso a outras pessoas e à informação dentro de seu contexto de trabalho. Isso inclui também um treinamento, já que a maioria das pessoas não tem um sentido instintivo para as melhores práticas, pelo menos quando se trata de gestão de mídias sociais e outras ferramentas de comunicação. Além disso, é necessário ainda estabelecer algumas políticas em escrito para ajudar a gerenciar o botão de liga/desliga, como verificar se está sendo pedido que os funcionários desliguem seus celulares durante reuniões. Sem uma orientação explícita, dois terços dos funcionários vão interromper uma reunião para se comunicar digitalmente com outra pessoa, e apenas uma minoria vai se desconectar para se focar em uma tarefa.

Galileu: Você conhece alguma empresa que está investindo na eliminação das distrações digitais de seus funcionários?
David: Alguns clientes da Harmon.ie, como a Amway, a Continental Automotive, a Swiss Air e a ABB, estão investindo em um e-mail social para minimizar as trocas de contexto que distraem seus funcionários, além de aproveitar o poder das redes sociais, transformando o e-mail em um espaço de trabalho social e colaborativo. O email social fornece fácil acesso a pessoas e informações dentro do contexto, dentro do ambiente de trabalho diário. Muitos de nossos clientes também estão investindo no treinamento para ajudar seus funcionários a superar as crescentes aflições geradas pela mídia social. Nós recomendamos que os funcionários se desliguem de todas as distrações e se foquem em uma tarefa por vez.
----------------------------
Reportagem por por Érika Kokay
Fonte: http://revistagalileu.globo.com - Acesso 28/09/2011