Desconfio de que ainda nos lembraremos destes anos como a época em que vivemos com o acompanhamento dos alarmes de carro. Os alarmes de carro são a trilha sonora do nosso tempo: o som da paranoia justificada.
O alarme é o grito da nossa propriedade de que alguém está querendo tirá-la de nós. É o som mais desesperado que um ser humano pode produzir – a palavra “socorro!” – mecanizado, padronizado e a todo volume. É “socorro!” acrescentado ao vocabulário das coisas, como a buzina, a campainha, a música de elevador, o “ping” que avisa que o assado está pronto e todos os “pings” do computador. Também é um som típico porque tenta compensar a carência mais típica da época, a de segurança. Os carros pedem socorro porque a sua defesa natural – polícia por perto, boas fechaduras ou respeito de todo o mundo pelo que é dos outros – não funciona mais. Só lhes resta gritar.
Também é o som da época porque é o som da intimidação. Sua função principal é espantar, e substituir todas as outras formas de dissuasão pelo simples terror do barulho. O som da época em que os decibéis substituíram a razão.
Como os ouvidos são, de todos os canais dos sentidos, os mais difíceis de proteger, foram os escolhidos pela insensibilidade moderna para atacar nosso cérebro e apressar nossa imbecilização. Pois são tempos literalmente do barulho.
O alarme contra roubo de carro também é próprio da época porque frequentemente não funciona. Ou funciona quando não deve. Ouvem-se tantos alarmes a qualquer hora do dia ou da noite porque, talvez influenciados pela paranoia generalizada, eles disparam sozinhos. Basta alguém se aproximar do carro com uma cara suspeita e eles começam a berrar.
Decididamente, o som do nosso tempo.
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* Jornalista. Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 29/09/2011
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