SUZANA HERCULANO-HOUZEL*
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A tendência do cérebro é aplicar à vida real,
automaticamente, as novas associações
feitas durante o jogo
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RESISTI MUITO tempo a comprar um videogame para nossa casa: queria esperar as crianças desejarem muito ter um, a ponto de pedirem de joelhos. O tal pedido, junto com minha rendição, chegou bem rápido quando vimos o Wii de amigos, com o qual as crianças interagiam se mexendo e pulando, dando raquetadas no ar ou usando o controle como volante.
Sensacional: os cerebrinhos deles logo se ajustam à nova realidade de controlar, além dos braços e pernas do seu dono, também o corpinho do avatar digital na tela.
Assino embaixo e jogo junto, fascinada com o nível de elaboração dos jogos atuais. Sou da época do Atari, no qual os desafios eram lineares: bater na bola, alinhar o cursor com o alvo e pronto.
Com processadores e placas gráficas mais possantes, nos jogos de hoje, ao contrário, várias coisas acontecem na tela ao mesmo tempo.
Isso exige um bocado da capacidade de atenção do cérebro, ou seja, de ignorar o que é irrelevante e selecionar e processar preferencialmente uma informação só, em detrimento das demais.
Vários estudos já mostraram que jogar videogames desse tipo, como "Crazy Cabbie" ou jogos de guerra, melhora a concentração e a capacidade de atenção espacial. Na prática, a gente se descobre achando na tela objetos que antes passavam despercebidos -e assim vamos melhorando no jogo.
Outra grande vantagem desses jogos em comparação ao Atari dos meus tempos é que eles são um excelente treino para as habilidades de resolução de problemas, raciocínio analítico e pensamento criativo.
A nova moda aqui em casa são os jogos da série Lego ("Indiana Jones", "Piratas do Caribe", "Batman"); neles é preciso revirar a tela atrás de peças que possam servir para solucionar problemas que, várias vezes, nem se sabe quais são. Com a prática, padrões vão emergindo, e o cérebro acaba por "entender" o jogo.
Claro, há um outro lado, curioso e potencialmente indesejável: a tendência do cérebro a aplicar automaticamente à vida real as novas associações feitas no jogo.
No "House of Dead", jogo de matar zumbis que é meu favorito do momento, atirar em gatos os faz revelar bônus do jogo sem matá-los, então aprende-se a achar gatos muito rapidamente. Na rua, eu agora os vejo por todo lado -e procuro mentalmente a arma. Mas mesmo se tivesse uma, os bichanos estariam a salvo: tenho um córtex pré-frontal que sabe a diferença entre jogo e realidade...
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*SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para Uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com
Fonte: Folha on line, 20/09/2011
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