Matthew Shirts*
Há 12 dias tive o privilégio de assistir a uma palestra apresentada pelo decano dos críticos literários e um dos maiores intelectuais do País, professor Antonio Candido. Foi no IEB, o Instituto de Estudos Brasileiros, que começa a festejar desde já seu cinquentenário (antes mesmo do tão falado ano de 2012, que nunca se sabe, não é?). O tema foi um dos meus favoritos: A atualidade de Sérgio Buarque de Holanda. Foi Sérgio quem fundou o IEB em 1962.
Para quem não sabe, Sergio Buarque de Holanda é autor de um dos principais ensaios da historiografia nacional, Raízes do Brasil. Meu saudoso guru, professor Richard Morse, era amigo dele e, também, do Antonio Candido. Conheceu-os pela primeira vez durante as pesquisas que fez em 1948 para seu livro A Formação Histórica da Cidade de São Paulo (esgotadíssimo, aliás). Colocava Raízes do Brasil ao lado de Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior como uma das três grandes interpretações do nosso país. O primeiro era weberiano, dizia Morse, invocando o sociólogo alemão Max Weber, o segundo freudiano, e o último marxista. Achava os dois primeiros mais ricos do que a abordagem de Caio Prado.
Prof. Antônio Cândido |
Morse gostava de contar para os alunos, nos Estados Unidos, histórias dos seus amigos intelectuais latino-americanos. Conheceu todo mundo, de Octávio Paz e Rubén Darío a Salvador Allende e Pablo Neruda. Mas guardava um lugar especial no seu coração para os brasileiros em geral e os paulistanos, em particular. Sempre achou a vida intelectual dessa cidade inspiradora.
Sérgio Buarque de Holanda |
Certa vez, Morse levou Sérgio Buarque para Nova York. Isto, se não me engano, ainda na década de 1950. O comentário do historiador brasileiro, durante um passeio pelo bairro de Manhattan, foi: "Que lugar curioso, com tanta delicadeza e grosseria". Referia-se aos inúmeros "Delicatessens" e lojas de "groceries", pequenas vendas de comida ubíquas na Nova York de então e até mesmo hoje.
Professor Candido começou sua aula no IEB avisando que pretendia fazer uso de dois estereótipos. O do carioca e o do paulistano. Disse que os estereótipos eram, em geral, odiosos, alimentados por preconceitos, "mas às vezes funcionam". Na primeira metade do século 20, paulistanos e cariocas eram vistos pelo resto do Brasil, como tipos antagônicos, segundo o professor, mineiro de origem. Não vou conseguir reproduzir a graça e genialidade da apresentação do Candido. Mas me lembro de que o carioca não costumava responder a cartas naquele tempo, enquanto era possível contar com uma resposta, sim, do paulistano. O primeiro cultivava mais as festas e o segundo, os automóveis. Um tendia para a tranquilidade e o outro para a pressa. Os dois tipos eram vistos deste modo pelo resto do País, segundo o professor. Havia, naquele tempo, uma grande distância física, cultural e de costumes entre as duas capitais, frisou.
Sérgio Buarque foi o intelectual que conseguiu reunir o melhor das duas, segundo Candido. Começou sua vida cultural no Rio e terminou-a em São Paulo. Sua biografia pode ser resumida como um "conto de duas cidades", diz, citando o autor inglês Charles Dickens. Do Rio trouxe a sofisticação e o cosmopolitismo intelectual. Levou para lá, uma cidade mais conservadora, em termos artísticos, o radicalismo estético da ala "esquerdista" do modernismo paulistano, liderada por Oswald de Andrade e Mário de Andrade.
Maior intérprete do sociólogo Max Weber no Brasil, Sérgio Buarque utilizava com perspicácia um dos seus conceitos centrais: o do "tipo ideal". Ou, se quiser, um estereótipo bem elaborado. Como exemplos, cito o capítulo de Raízes do Brasil, "O semeador e o ladrilhador", ou "Trabalho & aventura", ou seu tipo ideal mais famoso e profundo, "O homem cordial", que sozinho explica boa parte da cultura brasileira.
Ao lançar mão da antítese entre "o carioca e o paulistano", professor Candido elaborou com o bom humor e a elegância que lhe são peculiares uma abordagem weberiana da vida e obra de Sérgio Buarque de Holanda. Foi bonito de se ver. Não é por acaso que Richard Morse gostava tanto de São Paulo.
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* Matthew Shirts - jornalista americano formado em Ciências Sociais pela Universidade de Berkeley e em História pela Universidade de Stanford, Matthew chegou ao Brasil em 1976 como aluno de intercâmbio na USP. No Brasil, tornou-se colunista do O Estado de São Paulo e redator-chefe da revista National Geographic Brasil.
Fonte: Estadão on line, 26/09/2011
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