segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Vivemos hoje uma epidemia de desculpas esfarrapadas

Lucy Kellaway*

Dia desses, uma jovem jornalista argentina enviou um e-mail a um colega perguntado se poderia entrevistá-lo para um artigo que estava escrevendo. Ele respondeu: "É claro. Me ligue às três".
O horário combinado passou e a mulher não ligou. Ele não ficou tão surpreso, uma vez que falta de consideração e grosseria não são coisas terrivelmente surpreendentes. No entanto, dez horas depois ele recebeu uma segunda mensagem da jornalista que dizia: "Peço desculpas - acabo de ter um bebê! Totalmente antes da hora, mas maravilhoso e saudável! Espero que possamos fazer a entrevista quando eu voltar a trabalhar. Atenciosamente, Juana."
Essa deve ser a melhor desculpa de todos os tempos para não se retornar um telefonema. Embora a imagem da mulher em trabalho de parto seja um pouco alarmante, a desculpa é ligeira, educada, edificante e deixa sua autora mais do que perdoada.
A história de Juana me fez pensar sobre a natureza da desculpa perfeita e me lembrar de algumas imperfeitas com as quais me deparei recentemente. Na semana passada, uma mulher telefonou para dizer que não poderia comparecer a um encontro, pois sua babá havia quebrado um braço. Problemas com cuidados com crianças não são desculpa - pelo menos não para profissionais. Ser um pai ou mãe que trabalha significa ter um plano de apoio, e um outro plano de apoio para o plano de apoio.
A desculpa mais descarada, porém, foi a de um jovem que contratei para consertar meu computador em casa. Ele disse, ao chegar meia hora atrasado, que havia passado uma noite difícil e que um cafezinho o ajudaria a resolver o problema no computador. Deve haver um novo termo para toda essa falta de consideração, mas a estou chamando de WET, ou seja Weak Excuse Tendency (em uma tradução livre, Tendência da Desculpa Esfarrapada).
As pessoas que sofrem disso não estão faltando com seus compromissos ou mentindo, apenas têm uma noção inadequada do que significa ser confiável. A WET pode afetar pessoas de todas as idades, mas os jovens são particularmente suscetíveis a ela - o que é mais lastimável quando levamos em conta que um em cada cinco diplomados não tem emprego.
Os recrutadores reclamam que os diplomados carecem de habilidades básicas de alfabetização e comunicação, mas o problema fundamental é que muitos sofrem de WET. As universidades parecem achar que não têm nada com isso. Com atraso, elas sempre acenam para a implementação de planos sem sentido para tornar os estudantes mais "empregáveis". No começo do mês, a Dublin City University anunciou que estava começando a ensinar seis "atributos que os empregadores gostam", como ser "criativo e empreendedor, comprometido com o aprendizado contínuo, voltado para soluções, comunicador eficiente, globalmente engajado e líder ativo".
Conheço uma jovem formada por uma grande universidade que pode ter todos esses atributos fofos e, no momento, é estagiária. Ela me disse casualmente que não tem conseguido ir trabalhar todos os dias porque teve uma gripe, depois teve que fazer um exame de sangue e depois teve que se despedir da irmã que viajou em um período sabático. Perguntei qual foi a reação de sua chefe a tudo isso. "Ela é indiferente", disse a jovem toda animada.
De fato, os empregadores são em parte culpados da epidemia de WET. Eles gastam tanta energia promovendo o "engajamento dos funcionários" e os horários de trabalho flexíveis que acabaram ficando moles nessa questão WET.
Um começo seria classificar o que é uma boa desculpa e o que é uma WET. Há quatro obstáculos que qualquer desculpa precisa superar. Primeiro, ela precisa de um acontecimento sério. Isso descarta a despedida à irmã que está viajando em período sabático. Segundo, precisa ser imprevisível. Isso descarta o braço quebrado da babá, uma vez que problemas com os cuidados com os filhos são, de uma maneira ou de outra, bastante previsíveis. Terceiro, ela precisa ser incompatível com o trabalho. Isso descarta a gripe, uma vez que as secreções nasais e a redação de memorandos podem coexistir perfeitamente. Finalmente, ela precisa ser confiável. Isso descarta a desculpa mais popular de todas: a intoxicação alimentar, que embora terrível quando verdadeira, é usada com tanta frequência que não cola mais.
A desculpa de Juana passa em todos os quatro testes. Dar à luz é uma coisa séria, pode acontecer antecipadamente, e você não consegue trabalhar e fazer força ao mesmo tempo. É também uma desculpa confiável quando há um bebê chorando para prová-la. E dar à luz tem outro benefício que nenhuma outra desculpa tem - seja doença, cinzas vulcânicas, luto e outras: trata-se de um milagre.
-----------------------------------------------
*Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
Fonte: Valor Econômico on line, 26/09/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário