segunda-feira, 30 de junho de 2014

E después de ti no hay nada

 Fabio Hernandez*
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Pedro estava em seu pequeno apartamento de jornalista solteiro. O clássico entre os jornalistas: muitos livros e discos, pouca ou nenhuma organização, garrafas variadas de bebida, comida precária. Roupas, em geral baratas, espalhadas pelos cômodos, algumas delas no chão. Gravuras bem escolhidas, e jamais caras, nas paredes. Alguns pôsteres. Um deles, seu predileto, mostrava a cena final de Butch Cassidy: os dois mocinhos feridos, revólveres em ambas as mãos, correndo rumo à morte ignorada. Um retrato do pai. Pedro estava deitado na cama baixa.

“Gostaria tanto de ter dado um jeito em seu apartamento e em você”, disse Carol. Ela estava se vestindo, na beira da cama, e ao mesmo tempo indo embora. Naquela tarde, tinha avisado a Pedro que o caso deles acabara. O marido banqueiro começara a suspeitar de que algo estranho estava acontecendo com a mulher, e tudo ficara complicado. Carol amava Pedro, mas não a ponto de colocar em risco sua vida de mulher da sociedade paulistana. Não era apenas o marido que estava em jogo, mas o círculo de amigos, os jantares e as festas e os almoços em que aquela pequena elite fugia do tédio à base de flertes entre os casais, bebida fina e antidepressivos da última geração. “Sinto que fracassei”, disse Carol. “Saio da sua vida e você está do mesmo jeito que estava quando entrei nela.”
“E você, você mudou em alguma coisa?”, Pedro perguntou.

Ela riu, e quando isso acontecia seus enormes olhos verdes brilhavam como faróis solitários num mar bravio e remoto.

“Melhorei muito no beijo, com certeza. Pedro. Jamais existiu antes para mim e nem vai existir no futuro um beijo como o nosso. Eu tinha vontade de te beijar pela eternidade. Disso, do beijo, é que vou sentir mais falta. Não que do resto não vá sentir, mas …”

“Mil cópulas não valem um grande beijo”, disse ele. “Li isso outro dia num blog.”

“Legenda, por favor.” Sempre que ele usava uma palavra que ela desconhecia, ela pedia a legenda.

“Sexo. Cópula é uma maneira vulgar, mas interessante, de dizer sexo. Fazer amor também é vulgar, só que é desinteressante”, ele disse, e sorriu.

“Gosto da sua risada, Pedro. Também vou sentir falta dela. Risada de menino. Inocente. O tempo transforma a risada numa coisa maliciosa, mas você conservou a inocência no riso.”

“Também gosto da sua. Um escritor, não sei qual. Um grande escritor. Ele disse que contava nos dedos o número de mulheres capazes de gargalhar sem ficar ridículas. Esqueci o nome do escritor, mas não a frase. Você é um caso desses. Ri e gargalha com classe.”

“Você me acha calculista por eu estar indo embora, Pedro? Uma vez você disse que eu parecia uma máquina de calcular.”

“Você disse que se sentia fracassada por não ter dado um jeito em mim e no meu apartamento. O meu fracasso foi não ter transformado você numa mulher irresponsável como eu, Carol. Era uma missão acima das minhas forças, agora eu entendo. Mas num certo momento eu achei que podia o impossível com você. Sou … sou … sei lá, um otimista amoroso. Ou tolo.”

Ela acabara de se vestir.

“Vou sentir falta deste seu vestido”, ele disse. Era um vestido de tecido fino e de muitas transparências. Um decote grande e algumas rendas. Quem o escolhera, pacientemente, fora o marido de Carol. Numa manhã de sábado ele a acompanhara a uma loja fina do Iguatemi, e ela experimentou vários vestidos. Pedira ao marido que escolhesse aquele que mais a fizesse irresistível. Carol estreou o vestido com Pedro.

“Só não te dou agora o vestido porque, bem, porque bem não dá pra sair assim daqui”, disse Carol. 

Pedro riu. Lembrou-se de um episódio de Friends em que a namorada de Ross pedia a ele, na despedida, que lhe desse de recordação uma camisa rosa que ele amava. Ela já estava com a camisa na mão. Era uma cena romântica. Ele pensa por um instante e diz, firme: “Não”. Ao mesmo tempo, pega de volta a camisa. O jeito Friends de lidar com cenas românticas. 

“Pedro. Também vou sentir falta da imagem de você cheirando os dedos.”

Pedro riu. “Carol, é melhor você parar de falar assim. Sou meio sentimental, e não quero fazer uma cena na hora da despedida. Não quero que lágrimas atrapalhem a última visão de você.”

“Você dizia que era o melhor cheiro do mundo”, disse Carol.

“E é. A combinação de seu perfume de mulher rica com sua essência íntima de fêmea. Uma vez eu fiquei um dia inteiro sem lavar as mãos. Quando estava desanimado levava as mãos ao nariz e sorvia o ar como um mergulhador que demora a subir.”

O celular de Carol tocou. Era o marido. Pedro entendeu que a hora chegara.

“Você. Você canta para mim uma vez, a última vez? Aquela música.”

Ela sabia bem qual era a música. Pedro era um esnobe cultural, e gostava do seu esnobismo. Jamais ouvira música espanhola romântica. Desprezava Julio Iglezias e outros cantores similares. Até o dia em que Carol, do nada, começou a cantar para ele Corazon Partido. Jamais ouvira esta música. Carol não cantava como uma profissional, mas era afinada e tinha voz bonita. Secretamente, ele pusera Corazon Partido em seu iPod, e às vezes escutava obsessivamente. 

Carol, nessas horas, aparecia em sua mente, linda, vivaz, apaixonada, arrebatadora, os imensos olhos verdes fixados nele. Carol o influenciara mais do que Pedro poderia imaginar. Nenhuma outra mulher antes conseguira fazê-lo gostar de uma música romântica e brega espanhola.

Ela atendeu ao pedido de Pedro. E después de ti, después de ti no hay nada. Era o trecho de que mais ele gostava. Quando ela terminou, disse a Pedro: “Posso também pedir uma coisa?”

Pedro aquiesceu com a cabeça.

Ela foi a Pedro e o beijou. Já na porta, ela disse a ele: “Aquele livro. O primeiro que você me deu. Dostoievski. A frase final. Tudo podia ter sido tão diferente. Para nós também, Pedro. Tudo podia ter sido tão diferente. Mas … mas eu também não quero que lágrimas distorçam minha última visão de você, Pedro. Pedro. Meu Pedro.”

E então ela partiu, apressada, rumo a seu marido e a sua vida de mulher da sociedade.
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 * Conto de Fabio Hernandez. Escritor cubano. O cubano Fabio Hernandez é, em sua autodefinição, um "escritor barato".
Fonte:  http://www.diariodocentrodomundo.com.br/29/06/2014

domingo, 29 de junho de 2014

TRISTEZA

 Rubem Alves*
Hoje quero falar da tristeza.
Não me perguntem por que, pois eu mesmo não sei.
 A tristeza não pede licença, não se explica.
Vai chegando de mansinho e espalhando seu perfume
de jasmim pelas coisas, até que todas ficam encantadas pela beleza que nela mora.
Ficam belas-tristes as nu­vens do céu, tristes-belos os bem-te-vis nos galhos das árvores,
belos-tristes os objetos silenciosos do meu escritório, e até mesmo
o café da manhã fica triste-belo...
A tristeza é sempre bela, pois ela nada mais é que o sentimento
que se tem ante uma beleza que se perdeu...
Não sei o que a chamou. Teria sido a visão das florestas ardendo, com seus prenúncios de desertos quentes e fins do mundo, os pássaros fugindo para nunca mais voltar? Ou a visita a lugares antigos amados... Ah! Quem ama nunca deveria voltar... Lembro-me dos versos que decorei no Grupo, o poeta visitando paisagens de outros tem­pos e cadenciando a sua tristeza com um refrão que se repete. “São estes os sítios? São estes... Mas eu o mesmo não sou. Marília, tu chamas? Espera que eu vou...” Até a bem-amada fica à espera quando o corpo tenta recuperar os espaços perdidos. Pois é. Visitei lugares de minha infância lá em Minas, e vi que a casa velha onde morei já não existe e nem a jabuticabeira que reguei e as três paineiras a cuja sombra me assentei. Fiquei ali, diante dessas ausências. E percebo que tristeza é isto: estar diante de um espaço onde um dia houve o encontro. Saber que, cedo ou tarde, tudo o que está presente ficará ausente. A tristeza testemunha que o mistério da despedida está gravado em nossa própria carne. “Quem nos desviou assim”, perguntava Ril­ke, “para que tivéssemos um ar de despedida em tudo o que fazemos?” Não é esta ou aquela despedida. As pequenas despedidas apenas acordam em nós a consciência de que a vida é uma despedida. O que Cecília Meirelles dizia de sua avó morta podemos dizer da vida inteira: “Tudo em ti era uma ausência que se demorava, uma despedida pronta a cumprir-se...” Tristeza é isto, quando o belo e a despedida coincidem. O que revela o nosso próprio segredo, dilacerado entre o belo, que nos tomaria eternamente felizes, e os nossos braços, curtos demais para segurá-lo.
“E quando nos sentimos mais seguros algo inesperado acontece: um pôr-do-sol... E estamos perdidos de novo...” (E. Browning). Mas, que será aquilo que nos põe a perder? A beleza do crepúsculo? Não. Mas a percepção de que a beleza é crepúsculo. Goethe dizia do pôr-do-sol: “Tudo o que está próximo se distancia”. Ao que Borges comenta: “Goethe se referia ao crepúsculo, mas também à vida. Aos poucos as coisas vão nos abandonando”. O pôr-do-sol é triste porque nos conta que somos como ele: infinitamente belos em nossas cores, infinitamente nostálgicos em nosso adeus.
A tristeza é o espaço entre o belo e o efêmero, de onde nasce a poesia. Não é por acaso que os poetas repetem sempre o mesmo tema. “As nuvens à volta do sol que se põe”, dizia Wordsworth, “ganham suas cores tristes de um olho que contempla a mortalidade dos homens...” E assim, os poetas vão colocando suas palavras sobre o vazio. Não um vazio qualquer, vazio “pedaço arrancado de mim”, mutilação no meu corpo. Exercício de saudade; tornar de novo presente um passado que já se foi. “Saudade é o revés de um parto, é arrumar o quarto para o filho que já morreu...”
Lembro-me de Álvaro de Campos dizendo da dor que sentia ao ver os navios que se afastavam do cais. “Ah! Todo cais é uma saudade de pedra... Todo atracar, todo largar de navio é — sinto-o em mim como meu sangue — inconscientemente simbólico, terrivelmente ameaçador de significações metafísicas. E, quando o navio larga do cais e se repara de repente que se abriu um espaço entre o cais e o navio, vem-me uma névoa de sentimentos de tristeza que me envolve com uma recordação de uma outra pessoa que fosse misteriosamente minha...
E é só agora, Drummond, que compreendo o que você diz no seu poema "Ausência", no qual você afirma não lastimar o espaço vazio. Não deveria ser assim... Acontece que, depois da partida, só fica a ferida, ferida que não se deseja curar, pois ela traz de novo à memória o belo que uma vez foi. “Por muito tempo achei que ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não o lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim... Não é estranho isto, que na tristeza more a beleza, e que se encontre aí mesmo um pouco de alegria? É mais bonita a dor de quem arruma o quarto para o filho que já morreu, que o vazio/vazio de quem não tem nenhum quarto para arrumar.
Brinco com a minha tristeza como quem cuida de uma amiga fiel...
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* Teólogo. Educador. Escritor.
Fonte: Correio Popular online, 28/06/2014
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sábado, 28 de junho de 2014

O futebol como religião secular mundial

Leonardo Boff*
A presente Copa Mundial de Futebol que ora se realiza no Brasil, bem como outros grandes eventos futebolísticos, semelhante ao mercado, assumem características, próprias das religiões. Para milhões de pessoas o futebol, o esporte que possivelmente mais mobiliza no mundo, ocupou o lugar que comumente detinha a religião. Estudiosos da religião, somente para citar dois importantes como Emile Durkheim e Lucien Goldmann, sustentam que “a religião não é um sistema de idéias; é antes um sistema de forças que mobilizam as pessoas até levá-las à mais alta exaltação”(Durckheim).
A fé vem sempre acoplada à religião. Esse mesmo clássico afirma em seu famoso “As formas elementares da vida religiosa: ”A fé é antes de tudo calor, vida, entusiasmo, exaltação de toda a atividade mental, transporte do indivíduo para além de si mesmo”(p.607). E conclui Lucien Goldamnn, sociólogo da religião e marxista pascalino:”crer é apostar que a vida e a história tem sentido; o absurdo existe mas ele não prevalece”.

Ora, se bem reparmos o futebol para muita gente preenche as características religiosas: fé, entusiasmo, calor, exaltação, um campo de força e uma permanente aposta de que seu time vai triunfar.

A espetacularização da abertura dos jogos lembra uma grande celebração religiosa, carregada de reverência, respeito, silêncio, seguido de ruidoso aplauso e gritos de entusiasmo. Ritualizações sofisticadas, com músicas e encenações das várias culturas presentes no país, apresentação de símbolos do futebol (estandartes e bandeiras), especialmente a taça que funciona como um verdadeiro cálice sagrado, um santo Graal buscado por todos. E há, valha o respeito, a bola que funciona como uma espécie de hóstia que é comungada por todos.

No futebol como na religião, tomemos a católica como referência, existem os onze apóstolos (Judas não conta) que são os onze jogadores, enviados para representar o país; os santos referenciais como Pelé, Garrincha, Beckenbauer e outros; existe outrossim um Papa que é o presidente da Fifa, dotado de poderes quase infalíveis. Vem cercado de cardeais que constituem a comissão técnica responsável pelo evento. Seguem os arcebispos e bispos que são os coordenadores nacionais da Copa. Em seguida aparece a casta sacerdotal dos treinadores, estes portadores de especial poder sacramental de colocar, confirmar e tirar jogadores. Depois emergem os diáconos que formam o corpo dos juízes, mestres-teólogos da ortodoxia, vale dizer, das regras do jogo e que fazem o trabalho concreto da condução da partida. Por fim vem os coroinhas, os bandeirinhas que ajudam os diáconos.

O desenrolar de uma partida suscita fenômenos que ocorrem também na religião: gritam-se jaculatórias (bordões), chora-se de comoção, fazem-se rezas, promessas divinas (o Felipe Scolari, treinador brasileiro, cumpriu a promessa de andar a pé uns vinte km até o santuário de Nossa Senhora do Caravaggio em Farroupilha caso vencesse a Copa como de fato venceu), figas e outros símbolos da diversidade religiosa brasileira. Santos fortes, orixás e energias do axé são aí evocadas e invocadas.
Existe até uma Santa Inquisição, o corpo técnico, cuja missão é zelar pela ortodoxia, dirimir conflitos de interpretação e eventualmente processar e punir jodadores, como Luiz Suarez, o uruguaio que mordeu um jogador italiano e até times inteiros.

Como nas religiões e igrejas existem ordens e congregações religiosas, assim há as “torcidas organizadas”. Elas tem seus ritos, seus cânticos e sua ética.

Há famílias inteiras que escolhem morar perto do Clube do time que funciona como uma verdadeira igreja, onde os fiéis se encontram e comungam seus sonhos. Tatuam o corpo com os símbolos do time; a criança nem acaba de nascer que a porta da encubadora já vem ornada com os símbolos do time, quer dizer, recebe já ai o batismo que jamais deve ser traído.

Considero razoável entender a fé como a formulou o grande filósofo e matemático cristão Blaise Pascal, como uma aposta: se aposta que Deus existe tem tudo a ganhar; se de fato não existe, não tem nada a perder. Então é melhor apostar de que exista. O torcedor vive de apostas (cuja expressão maior é a loteria esportiva) de que a sorte beneficiará o time ou de que algo, no último minuto do jogo, tudo pode virar e, por fim, ganhar por mais forte que for o adversário. Como na religião há pessoas referenciais, da mesma forma vale para os craques.

Na religião existe a doença do fanatismo, da intolerância e da violência contra outra expressão religiosa; o mesmo ocorre no futebol: grupos de um time agridem outros do time concorrente. Ônibus são apedrejados. E pode ocorrer verdadeiros crimes, de todos conhecidos, que torcidas organizadas e de fanáticos que podem ferir e até matar adversários de outro time concorrente.

Para muitos, o futebol virou uma cosmovisão, uma forma de entender o mundo e de dar sentido à vida. Alguns são sofredores quando seu time perde e eufóricos quando ganha .

Eu pessoalmente aprecio o futebol por uma simples razão: portador de quatro próteses nos joelhos e nos fêmures, jamais teria condições de fazer aquelas corridas e de levar aqueles trancos e quedas. Fazem o que jamais poderia fazer, sem cair aos pedaços. Há jogadores que são geniais artistas de criatividade e habilidade. Não sem razão, o maior filósofo do século XX, Martin Heidegger, não perdia um jogo importante, pois via, no futebol a concretização de sua filosofia: a contenda entre o Ser e o ente, se enfrentando, se negando, se compondo e constituindo o imprevisível jogo da vida, que todos jogamos.
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* Leonardo Boff - Teólogo. Escritor. Educador. Escreveu “Ecologia,mundialização e espiritualidade”, Record 2009.
Imagem da internet
Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2014/06/28/o-futebol-como-religiao-secular-mundial/

Júlio César, o heroi sem nenhum carisma

 Kiko Nogueira*
 
Júlio César entra fácil em qualquer lista dos jogadores mais sem carisma da história. Nunca foi ouvido dizendo uma frase perspicaz, original ou mesmo absurda, não é dado a vibrar, não é um líder, nada. O anti-Leão.

Mas quem precisa disso quando se tem alma? Foi o heroi do jogo contra o Chile ao pegar dois pênaltis na prorrogação e após uma defesa difícil num chute à queima roupa no segundo tempo.

Há quatro anos, foi crucificado depois da partida em que a Holanda despachou o Brasil nas quartas. Falhou miseravelmente no segundo gol, numa saída patética em que Felipe Melo acabou marcando contra.

De certa forma, se Felipe Melo não estivesse ali, JC seria o único culpado. Ele conta que pensou em se aposentar. Se Melo nunca mais mereceu outra chance, Júlio foi lembrado por Felipão em 2013 — apesar de estar no Toronto FC, do Canadá, onde só se joga hóquei. Pouco antes, passara pelo pequeno Queens Park Rangers, da segundo divisão inglesa.

“Quatro anos atrás eu dei uma entrevista muito triste, muito chateado. Eu to repetindo hoje, mas com muita felicidade. Só Deus e a minha família sabem o que eu passei e o que eu passo até hoje, mas o meu ciclo na seleção não acabou”, disse ele com a voz embargada imediatamente depois da vitória sobre os chilenos. “Faltam três degraus, e eu espero dar outra entrevista, com o Brasil todo em festa”.

Scott Fitzgerald dizia que não há segundo ato na vida dos americanos. No futebol, JC é uma prova de que as novas chances são possíveis. Se Felipão, um homem fiel a um grupo de atletas, erra ao insistir em Hulk ou Fred, acertou ao bancar o insosso e emotivo Júlio César. 
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*Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.
FONTE: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/julio-cesar-o-heroi-sem-nenhum-carisma/
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sexta-feira, 27 de junho de 2014

A SOLIDÃO NÃO FAZ BEM...


Pe. J. Ramón F. de la Cigoña sj *
 
Pe. J. Ramón F. de la Cigoña sj
Vivemos numa época marcada por grandes mudanças de alcance global que impactam não só culturas e economias, mas também à família e à própria Igreja. Esta mudança em constante ebulição se define como pós-moderna, pós-cristã e até pós-humana. É uma crise colossal desprovida de valores e sentido. Dinheiro e prazer, diversão e ócio são os maiores anseios de muitos. A palavra “compromisso” se fez rara e deu lugar a outras formas de ser e conviver.
 
Conviver não é fácil, mas é o único modo de sentir o que somos
Num mundo tão diverso e egocêntrico não conseguimos conviver facilmente com os outros. O viver juntos, com o passar do tempo, virou desventura. Cansamos das coisas e das pessoas e buscamos, sem pudor, alternativas passageiras. O descartável começou a fazer parte da nossa vida! Tudo dura pouco. A busca do prazeroso deixou de lado valores tradicionais, valendo agora apenas o possível e o passageiro.

Pouco valor damos às palavras e aos gestos, e a verdade, faz tempo, sumiu dos relacionamentos de muitos. Mas, se tudo é relativo nada é importante e significativo. Contudo, o que fazemos têm consequências pessoais e sociais. Esta convivência humana plural e complicada invadiu de drogas e fármacos o nosso viver. O resultado é uma imensa solidão compartilhada nos relacionamentos virtuais.

Conviver não é fácil, mas é o único modo de sentir o que somos... 
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* Sacerdote.
Fonte: http://www.arquidiocesebh.org.br/27/06/2014

Ao entardecer de Boston

 David Coimbra*
 
Você envelhece, inexoravelmente envelhece, mas, em compensação, a experiência torna-o mais resistente. Você já viu tanta coisa, já sentiu tanta coisa, está preparado para qualquer contingência. Você é mais velho, sim, mas é menos tolo.

Em tese. A realidade não tem sido essa, pelo menos não a minha. Sinto-me mais sensível do que nunca com o inapelável passar dos anos, o que, confesso, me incomoda.

Bem, agora cá estou, vivendo nos Estados Unidos por essas surpresas da vida. Sabia que, nas primeiras semanas, seria duro. Tenho de me virar numa língua que não é a minha, num lugar desconhecido e estando totalmente sozinho – minha mulher e meu filho ainda levarão algumas pastosas semanas para vir.

No entanto, preparei-me para todas as dores físicas e anímicas. E estava me saindo bem, estava tudo dentro do planejado. Até que, dias atrás, saí para comer algo ao entardecer suave de Boston em junho. Caminhava pela Harvard Street admirando a paisagem, os grandes sobrados de madeira, as ruas arborizadas e floridas, e resolvi ligar para casa. Atendeu o meu filho. A felicidade aqueceu meu peito quando ouvi sua voz de menino pequeno. Começamos a conversar, conversamos bastante, só que, de repente, sem motivo aparente, ele rompeu em pranto. Não era choro de manha, era choro sentido, de soluços. Choro de tristeza. Perguntei por que ele chorava e ele respondia, resfolgando:

– Não sei, papai...

Pedi que parasse de chorar, e ele repetia:

– Não consigo, papai. Não consigo parar de chorar...

Compreendi que ele estava com saudade e não conseguia discernir o que sentia. A mesma saudade que me confrangia o coração a cada noite, antes de dormir. Demorei alguns minutos para consolá-lo. Consegui, enfim, e desliguei o telefone. Continuei caminhando pela Harvard Street sem saber exatamente o que pensar. E então, bem na minha frente, um menininho e seu pai saíram de dentro de uma loja, um café, sei lá. O menininho era pouco mais novo do que o meu filho. Estava uns dois passos na frente do pai. Fez menção de correr e gritou:

– Me pega, papai! Me pega!

E o pai riu, fazendo menção de correr atrás dele, e ambos riram. Fiquei olhando para a cena. Não havia motivo plausível, mas aquilo me deixou ligeiramente comovido. Uma bola de sentimento subiu-me pela garganta, interrompeu-me a respiração e aí, da forma mais idiota do mundo, meus olhos se encheram d’água. Comecei a chorar. Como meu filho, minutos antes, não conseguia parar de chorar. Chorei baixinho, caminhando pela Harvard Street, ao entardecer amarelo pálido de Boston, e pensei que a idade não me defende de nada. Deveria haver uma casca neste meu peito, deveria haver uma capa protetora sobre mim, feita com a costura de todos esses anos. Mas, não. Não. A idade não me defende de nada.
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* Cronista da ZH
Fonte; ZH online, 27/06/2014
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ADULTÉRIO: CONTRATO E TRANSGREÇÃO

Eliana Cardoso*

A forma geradora da literatura ocidental é o triângulo instável do adultério e não a simetria estática do casamento, diz Tony Tanner em "Adultery in the Novel" (Adultério no romance), que examina a obra de Rousseau, Goethe e Flaubert. A afirmação de Tanner parece exagerada quando a avaliamos, por exemplo, sob a luz dos admiráveis romances de Jane Austen, nos quais a identidade da heroína se desenvolve durante a vida de solteira e se revela no casamento.

Tanner, entretanto, parece coberto de razão quando nos lembramos do papel do adultério na geração de mitos. A infidelidade de Helena provoca a Guerra de Troia narrada no épico grego. O adultério de Guinevere e Sir Lancelot leva à queda da Távola Redonda. Essa tradição antiga nos coloca também diante de transgressões heroicas: os personagens pertencem a casa reais e consequências trágicas decorrem da infidelidade.

Tradição mais bem-humorada deriva da ironia em relação ao corno. As histórias do homem idoso e sua mulher jovem informam os "Contos de Canterbury", de Chaucer, e o "Decameron", de Boccaccio, que minimizam implicações morais ou religiosas.

Acumulam-se tradições decorrentes dos diferentes sentidos do adultério. O protagonista com seu desejo, paixão e sexualidade impõe questões de identidade, enquanto o casamento, a família, contratos e proibições religiosas apontam o adultério como ato social. Em certos períodos históricos, a ênfase recai nas mudanças da posição social do adúltero, como na tradição protestante, anunciada por Samuel Richardson. A tentação ocupa aqui espaço central e, seguindo o "Novo Testamento", nessa perspectiva o adultério se transforma em pecado da mente associado ao corpo definido como templo do Espírito Santo. Modelada nessa fé, a heroína de Richardson, Clarissa Harlowe, resiste ao controle sexual de seu corpo por Robert Lovelace.

Alguns textos-chave da literatura americana pertencem a essa tradição. A sociedade protestante e patriarcal serve de pano de fundo para "A Letra Escarlate", de Nathaniel Hawthorne. Não há interesse no ato físico do adultério, mas ênfase nos estados internos de Hester Prynne e Arthur Dimmesdale. O sentimento de pecado impede a fuga dos amantes mais do que a pressão social. A redenção exige o preço da confissão e da morte, chocando o leitor contemporâneo, acostumado a identidades menos legalistas e a um tratamento mais generoso da traição sexual.

"Madame Bovary", alicerce do romance moderno, também conta uma história de adultério, indo muito além da insatisfação e do sofrimento da heroína. Flaubert explora a possibilidade de que a palavra não consiga captar a vida, usando técnicas diversas para mostrar a inadequação da linguagem na expressão de emoções e ideias, como a incapacidade de comunicação entre os personagens. No primeiro capítulo, o professor não consegue entender o nome de Charles. Emma se depara com a desajuste entre a linguagem e o sentimento quando tenta mostrar sua angústia ao sacerdote e seu amor a Rodolfo. Charles interpreta a carta de Rodolfo como uma nota de afeto platônico. A vida de Emma é um tecido de mentiras que contribui para o sentimento de que a palavra seria mais eficaz para obscurecer a verdade do que para representá-la.

Emma é mentirosa por natureza e começa a enganar o marido antes mesmo do primeiro adultério. Vive fora da realidade e tem uma mente rasa. Lê muito, mas lê mal. Lê tomada pela emoção, colocando-se no lugar das heroínas dos romances. Sua beleza, charme, presença de espírito e seus momentos de ternura e compreensão encobrem sua vulgaridade e hipocrisia.

Daríamos voltas desnecessárias ao dizer que o meio moldou Emma. Mas é verdade que, enquanto os homens tinham acesso à propriedade, o corpo de Emma era sua única moeda, o capital que negociava em segredo, pagando o preço da vergonha e a despesa adicional da mentira. Quando ela precisou de dinheiro para pagar dívidas, os homens o ofereceram em troca de favores sexuais.

De todos os ventos que chicoteiam o amor, o dinheiro é o mais frio e o mais destrutivo. Nem por isso a adúltera é vítima. Se os limites sociais lhe impunham a escolha entre felicidade ou fidelidade, ela toma seu destino nas próprias mãos ao escolher a infidelidade a Charles. E a estrutura do romance exige que Emma assuma a responsabilidade das próprias ações.

Flaubert usou o desgosto de Emma Bovary com seu grupo social para expressar a própria repulsa pela sociedade de seu tempo e o lado ridículo e sufocante das atitudes burguesas. O termo burguês em Flaubert nada deve à conotação marxista. Corresponde à descrição de pessoa dominada pelas convenções e interessada apenas no lado material da vida. Emma, ela mesma, tem um traço burguês. Embora caráter e acaso sejam fatores importantes no romance, ele se encaixa também na tradição que entrelaça o adultério a seu contexto social.

Nessa linha, considere "Pelos Olhos de Maisie", romance em que Henry James usa a criança no centro de sua ficção sobre o adultério. As ironias geradas são ricas e complexas. O que Maisie sabia não era o saber da sociedade adulta sofisticada, que se habituou ao adultério e ao divórcio, mas sua falsidade, a quebra dos votos e promessas. O adultério torna-se, como em grande parte do romance americano moderno, sintoma da sociedade em que a perda de valores acarreta relações pessoais sem conteúdo.

Freud ensinou que o preço da civilização é a repressão. A literatura contemporânea prefere a anarquia da libido sexual. Como resultado, o adultério na literatura pós-moderna nada significa além do drama pessoal.

No exame desse drama, "Nada a Dizer", de Elvira Vigna (Companhia das Letras, 2010), muda o foco daquela que trai para o da mulher traída. No sofrimento pessoal se concentra a força da narrativa em primeira pessoa sobre os questionamentos e a agonia da mulher enganada. A narradora sem nome descreve a posição do marido e da amante, repassa obsessivamente cada episódio do adultério na busca de explicações e de uma atitude para enfrentar a dor. Reflete sobre a posição feminina. O entendimento da própria inserção cultural torna a traição ainda mais terrível. "Enganada, traída, largada para trás, igual a qualquer outra. Rá, rá. No olhar dos outros, inscrito o que minha mãe chamaria de destino de mulher. Nasceu com boceta? Vai ser enganada. Traída, humilhada."

O clichê sobre a cisão do desejo masculino em duas vertentes - uma terna e afetiva, outra erótica e sexual - se repete agora no contexto pós-moderno da epidemia de aids. "Li em seu rosto que ele achava que me fazia bem eu considerar N. uma mulher promíscua. Que eu, a esposa traída de meia-idade, me sentiria melhor se ele não refutasse a hipótese de sua amante ser uma puta. Eu afundava, mais e mais, em estereótipos, e Paulo continuava a me ajudar para que assim fosse. Agora, eu era a mulher merda, banal, medíocre, imbecil que tinha sido traída. E era também a mulher merda, banal, medíocre, imbecil que tinha a reação típica de todas as mulheres merdas, banais, medíocres, imbecis ao serem traídas: pedir teste de HIV."

A narradora de "Nada a Dizer" está em busca de uma identidade que seja compatível com a desconfortável contradição entre seu contexto cultural e a dor da traição. Um dos grandes conflitos vividos pela narradora deriva de sua militância pela liberação sexual e o sentimento de que trai seus ideais e se sente perdida: "Fomos nós, os que fizemos sessenta anos no início do século XXI, os que lutaram e enfrentaram hostilidade de todo tipo para que pudéssemos viver, todos, do jeito que quiséssemos, trepando com quem quiséssemos, sem que as peias e o jugo de uma estrutura burguesa conservadora tivessem algo a ver com as decisões pessoais de cada um".

Após a crise e o caos, ela se torna outra mulher. Perdas e danos se diluem no passado que ela e o marido deixam para trás. O adultério põe a nu a horrível ingenuidade do casamento aberto. Como nos faz entender a narradora sem nome, uma relação sexual-amorosa modifica seus participantes e afasta deles os excluídos.
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* Eliana Cardoso, economista e escritora, escreve neste espaço quinzenalmente
FONTE: Valor Econômico online, 27/06/2014
 

A QUESTÃO AINDA É FISCAL

 Luís Ushirobira/Valor / Luís Ushirobira/Valor
 Delfim: "Foram retiradas do empresário brasileiro as condições de competição. Eliminou-se a mais poderosa 
 alavanca de modernização e de expansão 
da economia que é o comércio exterior."

O Plano Real foi uma "obra-prima", "uma pequena joia", mas "nunca terminou", avalia o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto. "Nunca, na verdade, o governo decidiu fechar o déficit fiscal", criticou, em entrevista ao Valor. Para Delfim, uma consequência perniciosa da falta de um maior apoio fiscal foi "a valorização do real muito superior ao que seria necessário". Ele sempre foi um crítico ácido da excessiva valorização da moeda brasileira frente ao dólar, por entender que isso prejudicava a indústria brasileira. "A empresa brasileira foi submetida à maior carga tributária do mundo, à maior taxa de juros do mundo e ao câmbio mais valorizado do mundo", afirmou. O ex-ministro disse que a redução da capacidade exportadora do Brasil é um processo iniciado antes do Plano Real, mas, na opinião dele, "o real acentuou isso".

Pela falta de vontade política de enfrentar a questão fiscal, Delfim disse que "até hoje o país não consegue caminhar com um equilíbrio razoável". Embora considere que o Brasil "não está à beira do cataclismo", o ex-ministro acha indispensável abrir um espaço fiscal para que se possa adotar, em caso de necessidade, uma política anticíclica. Para ele, o problema central do país, hoje, é o aumento persistente do salário real acima do aumento da produtividade. "Não tem política monetária nem política fiscal que sejam capazes de enfrentar esse problema." Delfim disse que a distribuição de renda realizada nos últimos anos decorreu de uma melhoria nas relações de troca do país e de um aumento considerável no déficit do balanço de pagamentos. "Agora isso vai ter que mudar. A distribuição está comendo o crescimento. Teremos que reduzir a velocidade da distribuição." A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Como o senhor viu o Plano Real na época? Foi um mecanismo engenhoso?
Delfim Netto: Foi uma pequena joia. Foi uma contribuição importante, prática, dos economistas brasileiros que dele participaram. Alguns deles tinham as experiências de outros programas de estabilização, mas era um conceito novo. Desde o início, achei que o negócio ia funcionar. Alguns economistas que participaram ativamente do plano, da concepção, tinham sido alunos do Dornbusch [economista Rudiger Dornbusch] e do Fischer [economista Stanley Fischer]. O Fischer e o Michael Bruno tinham produzido o plano de Israel, que foi a primeira tentativa efetiva de fazer estabilização com sucesso. O Plano Real fez coisas absolutamente fantásticas. Ele liberou todos os preços, criou uma moeda, a URV, em que se media tudo em torno dela, estabilizou a distribuição da renda, pois fixou os salários em URV como média, e fez tudo aquilo que era necessário para que, quando os preços fossem liberados, não houvesse mais tensões escondidas. A distribuição de renda era aquela que a sociedade queria, os preços estavam livremente flutuando, bastava, portanto, fixar a âncora, que foi o câmbio. Foi uma obra-prima. Muito bem imaginada, que honra a inteligência de seus formuladores. Mas o plano nunca terminou. Nunca, na verdade, o governo decidiu fechar o déficit fiscal. Nunca o governo decidiu enfrentar de verdade os problemas da indexação. Foi-se arrastando com um pé. Primeiro, com uma valorização do real muito superior ao que seria necessário se tivéssemos tido um apoio fiscal maior.

Valor: Na época, o senhor foi um crítico muito ácido da valorização do real, pois achava que iria prejudicar a indústria brasileira.
Delfim: E prejudicou. A empresa brasileira estava sendo submetida, em primeiro lugar, à maior carga tributária do mundo, que não podia ser isentada na exportação, porque se tinha tanta confusão que o governo era incapaz de fazer isso. Em segundo lugar, o país tinha a maior taxa de juros do mundo, para sustentar a valorização do câmbio. E, terceiro, o Brasil tinha o câmbio mais valorizado do mundo. Então, foram retiradas do empresário brasileiro as condições de competição. Ou seja, eliminou-se a mais poderosa alavanca de modernização e de expansão da economia que é o comércio exterior. No fundo, esse é um processo que vem desde 1984. Essa ideia de que se tinha uma política de substituição de importações antiquada, não sei o quê, é pura conversa para boi dormir. O país tinha um câmbio que era o "crawling peg" [sistema de câmbio administrado, em que a taxa vai sendo ajustada ao longo do tempo], que era um câmbio relativamente desvalorizado; tinha-se construído uma tarifa efetiva adequada e, mais do que isso, tinha-se o "draw-back" verde amarelo. Ou seja, a importação era considerada como fator de produção. Se você importasse o produto para exportar, era livre (de tributação). Naquele tempo, existia um plano de desenvolvimento da indústria automobilística em que se estava construindo no Brasil uma plataforma exportadora. O Brasil estava ligado com o mundo. Isso tudo foi destruído. Hoje, o país está completamente afastado da estrutura industrial mundial, não tem ligação nenhuma com o mundo. Esses anos todos de valorização cambial levaram os exportadores a se transformar em importadores. O defeito básico é anterior ao real, mas o real acentuou isso. O governo Fernando Henrique Cardoso deu duas ou três contribuições importantes para o Brasil e deu uma tragédia. A primeira contribuição foi a estabilização, que foi uma maravilha. Depois, a lei de responsabilidade fiscal, que é outra pequena joia. E com a estabilização ele conseguiu a reeleição, que foi a maior tragédia que ele vai deixar para a história do Brasil.

"O Plano Real tinha em si uma pílula de suicídio, 
no sentido de que até hoje 
o país não consegue caminhar com 
um equilíbrio razoável"

Valor: Por quê?
Delfim: Na verdade, está provado que em um país em que não há o menor controle social, a reeleição é um instrumento perigoso, é um instrumento que termina, inclusive, com a democracia. Isto porque o poder incumbente adquire um controle tal da sociedade que não tem como competir.

Valor: No início do real, não houve uma preocupação muito grande com a questão fiscal.
Delfim: No primeiro governo Fernando Henrique não houve o menor controle fiscal. Só quando o país quebrou, em 1998, que o governo foi correndo para o Fundo Monetário Internacional (FMI), em que o Bill Clinton [então presidente dos Estados Unidos] salvou o Brasil, pois, se naquele momento o Lula ganhasse a eleição, despreparado como estava o PT, teria sido uma tragédia. Por pressão do Clinton, o FMI tergiversou, nos deu um dinheirinho, depois o Fernando Henrique voltou ao Fundo em 2002 de novo. No primeiro governo FHC [Delfim mostra uma tabela], a média do déficit público nominal foi 5,3% do PIB. No segundo mandato, foi 4,4% do PIB. No primeiro mandato do Lula, foi 4% do PIB e no segundo mandato, de 2,9% do PIB. Agora, nós estamos com 3,2% do PIB. O que eu digo é que nunca houve um esforço fiscal de verdade. O Plano Real foi um sucesso tão grande, o plano foi tão brilhante, que tinha em si uma pílula de suicídio.

Valor: Em que sentido?
Delfim: No sentido de que até hoje o país não consegue caminhar com um equilíbrio razoável. Nós estamos em uma situação desconfortável. O Brasil não está à beira do cataclismo. Mas 3,5% de déficit fiscal nominal não é uma coisa saudável. Ter uma dívida bruta de 60% do PIB não é uma coisa saudável. Tudo bem, faz dez anos que o país está com dívida bruta constante. A dívida líquida, não se pode mais usar [como parâmetro], pois está toda destruída. Mas é evidente que se amanhã o país tiver necessidade de um plano anticíclico de verdade, não terá espaço para isso. A dívida vai para 80% do PIB e o Banco Central puxa o juro para a lua de novo, sobrevaloriza o câmbio.

Valor: Ao contrário de 2008/2009, quando havia espaço.
Delfim: Havia espaço. Hoje, não. É a única coisa inconveniente e que o governo tem, em um momento qualquer, de entender isso. Não tem nenhuma tragédia. A questão da inflação, por exemplo, a gente discute, discute, mas são coisas óbvias. Em primeiro lugar, não é possível, persistentemente, estimular o salário real, acima do aumento da produtividade. Isso é como um sanduiche: você coloca no pão um pedaço de carne e joga mostarda. Quando você apertar o sanduíche, a mostarda vai sair para o lado. Ou vai sair como inflação ou vai sair como déficit em conta-corrente, que é o que nós estamos vivendo. Não é o salário-mínimo [o problema], mas é aquilo que nunca foi tirado. É ligar o mínimo a todo o resto. Hoje, é o salário-mínimo que determina a despesa pública. Este é único país do mundo em que isso sobrevive. O salário- mínimo é um instrumento muito útil. Agora, você não pode, além de garantir o poder de compra para o aposentado, garantir o aumento de produtividade per capita. Não se pode usar o salário-mínimo para fixar o salário-educação, fixar o seguro-desemprego, o abono salarial etc.

Valor: Ou seja, em algum momento o salário-mínimo terá que ser desvinculado dos demais benefícios sociais.
Delfim: Não tenho dúvida disso. Mas, no Brasil, isso só vai ser feito quando estiver caindo no abismo. Aí aparece um campeão e corrige tudo isso. O drama é que nós estamos jogando fora uma oportunidade de ouro. O crescimento medíocre e uma distribuição de renda medíocre do Fernando Henrique elegeram o Lula. Um crescimento um pouco mais elevado e uma distribuição melhor elegeu a Dilma. Agora, a distribuição está comendo o crescimento. Agora tem que ter uma mudança. É isso.
Valor: Durante a implantação do Plano Real, o Brasil enfrentou várias crises internacionais. A Ásia quebrou, depois a Rússia quebrou. Em que isso pesou na execução do plano?
Delfim: A crise asiática explicitou o erro do câmbio no processo de estabilização da economia brasileira. Nós teríamos sofrido muito menos se não fosse esse erro. O que eu digo é que a concepção do plano foi extraordinária, a armação foi perfeita, só que a execução foi toda pontuada por dificuldades, por problemas. Eu acho que faltou convicção do centro do governo do que precisava ser feito, ou seja, o ajuste fiscal.

Valor: Vinte anos depois do Plano Real, a inflação mostra resistência, girando em torno de 6% ao ano. Em sua opinião, quais são os fatores que mantêm a inflação do Brasil elevada?
Delfim: No momento em que se aumenta, sistematicamente, o salário real acima da produtividade não tem como você caminhar... Não tem política monetária nem política fiscal que sejam capazes de enfrentar esse problema. Tem, sim. Você entrega o Banco Central independente para um sujeito que seja um profundo portador de uma ciência monetária, ele põe os juros a 40% ao ano, faz uma recessão para valer, desemprega todo mundo e tem uma inflação de 4,5%. Tudo bem. Isso no quadro-negro funciona. No livro-texto também. Só que no Brasil real não funciona. Não tem política fiscal que compense isso. A não ser que o governo produza um excedente gigantesco e baixe o nível de atividade. É preciso compreender o seguinte: se não tiver o apoio da política salarial, não há política de combate à inflação que funcione. Nós estamos vivendo neste momento exatamente isto. A inflação está em 6,5%, mas você tem guardado aí pelo menos 1,5% ou um pouco mais. E isso é péssimo para o combate à inflação. Porque no combate a inflação é importante a expectativa. O Banco Central está funcionando. Estou achando que a queda da atividade vai ser maior do que a gente suspeita. Eu não sei se já não tem a mão pesada demais. O trem está chegando. Chegou o primeiro vagão, chegou o segundo, chegou o terceiro. O nível de atividade está caindo. Começou na indústria. Passou para o comércio. Está chegando no serviço. Há os primeiros sinais de que vai ter desemprego. O câmbio se valorizou. Ou seja, está funcionando [o aperto monetário]. O ritmo de crescimento do crédito desacelerou. Está tudo na direção certa. No momento em que se instalar a ideia de que a expectativa de inflação vai cair, a correção será rápida. Por que isso não acontece? Por causa do erro do governo de esconder a inflação. Ou seja, todo sujeito que pensa diz o seguinte: não, a expectativa de inflação não vai cair. A expectativa de inflação vai primeiro subir e aí eu não sei o que eles vão fazer, pode ser uma tragédia, e aí vai cair.

Valor: Não há uma compreensão muito clara de alguns setores do governo sobre a função das expectativas no sistema de metas de inflação.
Delfim: Hoje, eu estou convencido de que não é um problema econômico. É um problema ecológico. O ambiente é pouco propício para a reprodução da espécie. O que está acontecendo? O ambiente deteriorou. As pessoas se sentem mal. É a diferença entre o andar de baixo e o andar de cima. O andar de baixo continua se sentindo muito bem, porque ele não enxerga que, na frente, o país está indo para bater em um muro. O andar de cima já viu tudo isso e é muito preconceituoso. Acho uma coisa ridícula ser contra as cotas, ser contra a Bolsa Família. É ridículo. Quem tem que se sentir bem? É o povo, é a sociedade. E, segundo, é quem produz, é quem investe. É quem toma o risco de investir. Foi aqui que houve uma destruição da relação entre o governo e o setor privado. Mas o governo está aprendendo. Essa é que é a verdade.

Valor: Essa resistência da inflação não está relacionada com os resquícios da indexação, que não foram retirados?
Delfim: Com essa política monetária que está aí, que está funcionando, se invertesse a expectativa, a inflação ia cair. Agora, não cai porque a própria ação do governo elimina a possibilidade de reduzir a expectativa. A política de controle de preços nega a expectativa. Para ela cair, ela precisa antes absorver os erros que foram cometidos tentando corrigi-la equivocadamente.

Valor: A correção de todos esses erros às vésperas da eleição é uma coisa meio complicada.
Delfim: Eu não acredito que vá ter nada. Eu continuo achando que a Dilma vai se reeleger. E estou apostando no fato de que ela é uma mulher inteligente, que ela está aprendendo. O governo demorou um pouco para entender como se faziam as concessões de infraestrutura e está se aperfeiçoando. A minha convicção é a seguinte: uma sociedade civilizada só se constrói com o jogo dessas duas instituições: a urna e o mercado. Um corrigindo o outro. A urna ainda está muito satisfeita, a urna não está vendo parede nenhuma. O mercado está antecipando o que a urna ainda não vê. Ou seja, as dificuldades do mercado não migraram para contaminar a urna. O que eu acho é que a Dilma tem ainda uma boa probabilidade de se reeleger. E é preciso, portanto, a gente ajudar na direção de corrigir esses defeitos.

"Com essa política monetária, a inflação ia cair. 
Não cai porque a própria ação do governo elimina 
a possibilidade de reduzir a expectativa"

Valor: Há uma discussão neste momento sobre a meta de inflação. Inclusive, propostas de candidatos de reduzir a meta. O que o senhor acha disso?
Delfim: Eles estão absolutamente defasados da teoria econômica mais moderna. Todo mundo está vendo que 2% de inflação já não é tão satisfatório. Aprenderam que é preciso ter uma taxa de inflação que torne flexível o salário. Se puder ter 3%, muito bem. Se puder ter 2%, muito bem. Até ter uma crise. Em minha opinião, 4,5% de inflação seria confortável se a flutuação estiver em torno da meta e não ficar namorando o limite superior da banda. O problema é o laxismo com relação à meta. Alguns dizem que a meta é de 2,5% a 6,5%. Não, a meta é de 4,5%, com um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para acomodar choques de oferta ou, eventualmente, de demanda. Essa ideia de desmontar o que está feito não funciona, pois as pessoas receberam os benefícios que só foram possíveis porque o país teve uma melhoria dramática das relações de troca, porque o país fez déficits em conta-corrente gigantescos. O governo distribuiu o que tomou emprestado e o que ganhou de presente. Isso terminou. Quando a Dilma entrou, começou a cair a relação de troca. Foi possível distribuir porque pegou um vento de cauda. Agora, não, a Dilma está pegando um vento de frente.

Valor: Há um entendimento de que o Brasil não vai mais contar com esse vento de cauda.
Delfim: É, isso acabou. Daqui para a frente, você precisa afinar os seus instrumentos. Primeiro, você não terá o presente. O nosso naviozinho estava no mar. Subiu o nível do mar, o navio subiu junto. O PT pensa que foi ele que elevou o nível do mar. Agora, o nível do mar está baixando, ele não quer saber disso. Ele diz: isso não é comigo. É com a Dilma. E terminou também a possibilidade de continuar com o déficit em conta corrente de 3,6% do PIB. Nós temos que pensar que temos que ganhar a vida honestamente. Não vamos receber nem presente mais do mundo e nem financiamento mais do mundo. Nós temos que viver com as restrições físicas do nosso sistema. Nós temos que entender que a identidade da contabilidade nacional é inviolável. Quando eu tento violar, eu só faço besteira. O sistema de preços tem dificuldades, mas o ser humano não inventou um melhor. Então, eu preciso respeitar o sistema de preços. Eu preciso, na verdade, abrir um espaço para a política fiscal. Não é por que eu vou quebrar. Não. É porque eu vou precisar disso em algum momento, em que afrouxar a demanda. Eu preciso também fazer convergir a minha inflação para 4,5% e esquecer a ideia de que 6,5% é meta.

Valor: Os economistas estão dizendo que não será mais possível fazer, daqui para a frente, uma distribuição de renda na mesma velocidade com que foi feita nos últimos anos.
Delfim: Eu acho que foi feita uma distribuição correta. Você recebeu de presente e tomou emprestado. A consciência nacional é a seguinte: eu só posso distribuir o que já foi produzido. Não posso distribuir o que não foi produzido. A posição de cada um é o degrau em que ele se encontra. O sujeito que subiu quatro degraus tem que ficar no quarto degrau. Ele vai chegar no quinto com um tempo maior do que ele passou do terceiro para o quarto. Mas ele vai chegar no quinto. Agora, você tem que dar para ele a esperança de que ele vai chegar no quinto. Você não pode dar o quinto para ele hoje. Você vai ter que compatibilizar o investimento com a distribuição. Nenhum dos dois vai parar. Você tem que acelerar o investimento, mas não prejudicar a distribuição. Você tem que reduzir a velocidade da distribuição. E é isso que vai ter que ser feito, mantendo os programas sociais.
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REPORTAGEM POR RIBAMAR OLIVEIRA - de São Paulo
Fonte: Valor Econômico online, 27/06/2014

A MOEDA PARA A MODERNIZAÇÃO

 Ana Paula Paiva/Valor / Ana Paula Paiva/Valor

Um dos principais formuladores do Plano Real, o economista Persio Arida afirma que o programa de estabilização era parte de um conjunto de iniciativas para modernizar o Estado e a economia. No espaço de seis anos, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, entre outras medidas, privatizou estatais, quebrou monopólios, renegociou as dívidas dos Estados e criou um marco - a Lei de Responsabilidade Fiscal - para forçar os entes federados a equilibrarem suas contas.

"[O Plano Real] era um primeiro passo, necessário, já que com hiperinflação não há condições políticas nem sociais de se pensar em nada a não ser em combatê-la", explicou Persio, que, em coautoria com André Lara Resende, idealizou a URV (Unidade de Referência de Valor), uma espécie de moeda virtual que precedeu a criação do real. "O Estado herdado do governo militar era intervencionista, planejador e produtor. O Real era a mudança para a concepção moderna de Estado, em que este se relaciona com a economia privada via agências reguladoras, proibindo abuso de concorrência."

Para o economista, hoje integrante do conselho de administração do banco BTG Pactual, o projeto modernizador foi abandonado nos últimos anos pelas gestões petistas. Na verdade, houve retrocesso, uma vez que, desde a crise de 2008, o governo tomou gosto pelo "desenvolvimentismo" do período Geisel, com aumento da presença do Estado na economia e dos gastos públicos, elevação do crédito direcionado e tolerância com inflação alta.

"O governo achou que tinha uma crise keynesiana de falta de demanda, portanto, achou que precisava ampliar gasto e o crédito públicos. Na verdade, a contração da demanda, de investimentos, era um momento tópico, que se combate com taxas de juros mais baixas. Teria sido muito melhor para o Brasil reduzir drasticamente o custo de financiamento e não expandir em um centavo o gasto público ou o volume de crédito", criticou.

Valor: O senhor já escreveu que o Plano Real está incompleto. O que quer dizer com isso?
Persio Arida: São três coisas diferentes. Primeiro, o Plano Real se inseria dentro de um contexto maior, de modernização do funcionamento do Estado e das instituições brasileiras. É claro que era um primeiro passo, necessário, já que com hiperinflação não há condições políticas nem sociais de se pensar em nada a não ser em combatê-la. Toda a discussão política gira em torno disso. Mas a estabilização foi o primeiro passo. Depois vieram outras medidas. Fim da moratória, Lei de Concessões, privatizações, renegociação das dívidas dos Estados, Lei de Responsabilidade Fiscal, o fim do problema dos bancos estaduais.

"O país teria muito a ganhar, por exemplo, se tivéssemos 
não só mantido a inflação em 4,5%, mas também 
se o BC tivesse mandato independente"

Valor: Fim dos monopólios?
Arida: Também. Era um projeto de modernização do Estado brasileiro. O Estado herdado do governo militar era intervencionista, planejador e produtor. É a noção de que cabe ao Estado desenvolver o país. Daí, as grandes estatais, a interferência na economia, créditos subsidiados direcionados etc. O Real era a mudança para a concepção moderna de Estado, em que este se relaciona com a economia privada via agências reguladoras, proibindo abuso de concorrência. O foco do Estado está nas suas atividades precípuas: educação básica, saúde pública, transporte e segurança. A energia política está voltada para isso - e não para criar estatais ou dar créditos subsidiados para alguns setores.

Valor: Seria o Estado mínimo?
Arida: O problema não é o tamanho do Estado em si, mas o que ele faz. Se o Estado está preocupado em direcionar uma estatal para essa direção ou outra, em dar subsídio a este setor ou outro, se obriga o país a entrar num molde de um planejamento centralizado, está fazendo errado. O Brasil, hoje, 20 anos depois, tem um mercado de capitais muito mais desenvolvido do que tinha naquela época. O que era verdade com o Plano Real é muito mais agora. O outro Estado - o que se volta à educação, saúde, transporte público e segurança -, se é maior ou menor, é secundário. O que o Estado faz, o que percebe como sua função, é que muda. E esse projeto modernizante, liberal na construção do Estado, que existia quando o Real foi lançado e nos oito anos seguintes, infelizmente avançou até certo ponto durante o governo Lula, mas depois foi paralisado, se é que não houve um forte retrocesso em algumas coisas.

Valor: O fato de este projeto modernizante ter sido paralisado representa um risco para a estabilidade a médio e longo prazo?
Arida: Sim e não. É claro que, de um lado, se o Estado faz o que não devia e deixa de fazer o que deve, aos poucos você vai ter uma economia com taxas de crescimento cada vez mais baixas por excessiva interferência estatal e uma insatisfação social enorme porque o Estado não faz o que deve. São duas consequências ruins do retorno da concepção de Estado vinda do governo militar, que coincide, latu sensu, com o que é o chamado desenvolvimentismo.

Valor: A rigor, o ex-presidente Ernesto Geisel era um desenvolvimentista?
Arida: É a mesma concepção de Estado, da qual muitas vezes a esquerda gosta. A única diferença é que antes se anunciavam com fanfarras os planos quinquenais, curiosamente imitando o regime soviético. Mas, a rigor, pouco crescimento, insatisfação social, não tem nada a ver com estabilidade de preços. A princípio, não afeta a estabilidade de preços. Se você jogar isso ao longo do tempo, cria uma enorme pressão para o Estado aumentar gastos, fazer o que não deve e uma enorme pressão sobre o próprio sistema, com controle de preços. Porque, se o país cresce pouco, a arrecadação tributária é pequena, os gastos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) crescem, então, a situação fiscal começa a se deteriorar. E, vale lembrar, o Real foi lançado tendo sido precedido de uma emenda constitucional que assegurava condições fiscais mínimas para sustentar a estabilização.

Valor: Mas, no primeiro mandato de FHC, os gastos públicos subiram muito. Só houve disciplina fiscal quatro anos depois.
Arida: O orçamento aprovado pelo Congresso é fixado em termos nominais. A arrecadação de impostos segue a atividade real. Então, em períodos de inflação elevada, na prática, qualquer que seja o valor que se aprove em janeiro, o valor real da despesa vai ser muito menor. Mas quando você breca a inflação, a arrecadação é a mesma, mas o valor real da despesa passa a ser aquele valor anunciado em janeiro e não o valor médio do ano. Isso faz com que todas as despesas subam, portanto, você tem um problema fiscal de partida, corrigido ao longo do tempo.


Valor: Alguns economistas dizem que permitir uma inflação mais alta, de 6%, 7%, faz o país crescer mais e abrigar certas demandas sociais.
Arida: Essa tese é um equívoco gigantesco. A nossa banda de meta de inflação - de 2,5% a 6,5% - é muito generosa. O centro da meta, de 4,5%, é muito alto. Isso importa porque, quanto mais estável o nível de preços, menor é a dispersão de preços relativos, portanto, mais eficiente fica o funcionamento do sistema de mercado. Quando aumenta a dispersão de preços relativos, o segredo de como funciona a economia de mercado, que é a informação que o preço relativo transmite, fica afetado. Por que o Brasil tinha crescimento tão baixo e sofria quando a inflação era 20% ao mês? Se todos os preços sobem 20% ao mês, que diferença faz? Faz uma enorme diferença porque eles não sobem todos ao mesmo tempo. Você não sabia quando o preço tinha subido, se tinha acabado de subir, portanto, em termos relativos se aquele bem estava caro ou se iria subir no dia seguinte. Então, a dispersão de preços relativos faz com que a economia de mercado perca eficiência. Nesse sentido, quando você vai de 4,5% para 6%, primeiro não vai acontecer nada. Se você anunciar essa mudança, todo mundo revisa os planos para 6%, a inflação esperada passa a ser 8% ou 9% porque mostrou que você não tem credibilidade nenhuma. Se a inflação pula para esse nível, você não ganha nada em termos de crescimento.

Valor: A inflação também não pode ser muito baixa...
Arida: É claro que não. Não se pode correr o risco de deflação e tem que levar em conta que muito do que a gente chama inflação é mudança tecnológica embutida. Se eu compro um computador hoje e ele tem o mesmo preço em termos reais do que tinha há dois anos, estou me enganando: ele caiu de preço porque oferece muito mais qualidade hoje do que há dois anos. Mas com essas pequenas adaptações, como um todo, quanto mais baixa a inflação, maior a eficiência na transmissão da informação via sistema de preços relativos.

Valor: A inflação de 6% do Brasil hoje torna o país menos competitivo?
Arida: É óbvio que, se você olha um país que tem 6% comparado com outros da América Latina, você diz "bom, tem algo de mais errado nesse país do que nos outros". A percepção de qualquer investidor é exatamente essa. Inflação de 6% é uma mensagem ruim porque mostra que o governo é muito complacente. O país teria muito a ganhar, por exemplo, se tivéssemos não só mantido a inflação em 4,5%, mas também se o Banco Central tivesse mandato independente. Quando você reforça a credibilidade da política monetária, a inflação funciona de forma mais eficiente. O custo de financiamento baixa. Por que o Brasil só tem financiamento de longo prazo baseado em títulos atrelados à inflação? Porque as pessoas não confiam. Se perguntarmos: "como é que um NTN-B de 2050 sai à inflação mais 6,5%, 7% de juros?". É algo completamente absurdo, sinal de desconfiança na capacidade do BC de manter a estabilidade de preços.

Valor: Qual o centro da meta ideal?
Arida: O ideal - estou sonhando, porque estamos muito longe disso - é que se reduza de 4,5% para 4%, 3,5%.

Valor: Quando se defende redução das despesas públicas, é comum ouvir que o governo precisa atender as demandas sociais.
Arida: Acho essa visão equivocada. Primeiro, a ineficiência do setor público, o excesso de gastos, as obras que não saem na hora certa ou saem a preços muito maiores do que deveriam. Essa ineficiência é visível a olho nu. O que o governo mais precisa hoje é de um plano para gerir o setor público com mais eficiência. Garanto que se vai economizar muito mais do que todo mundo pensa. Você vai a qualquer repartição pública e vê uma meia dúzia de funcionários abnegados, excelentes, que carregam o piano e há um outro tanto, de outro percentual muito maior, de gente acomodada que não faz nada. Como não há meritocracia nenhuma, por que alguém vai trabalhar muito se pode trabalhar pouco e se o salário é igual? Nas obras públicas, é notório o grau de desperdício. Qualquer um que tenha se aproximado de um governo federal - e não falo de agora, não, mas de 10, 20, 30 anos atrás - viu o grau de ineficiência. O total de gastos públicos associado a transferências - Bolsa Família, seguro-desemprego, subsídios - é 1,9% do PIB. Agora, o governo gasta com previdência 7,4% do PIB. A desproporção é evidente. A despesa previdenciária do governo federal, que é de longe o principal item, está aumentando o tempo todo. Há uma década, era 5% do PIB. Em parte, a despesa cresceu porque os aposentados do setor público estão ficando mais velhos. Em parte, porque os benefícios estão aumentando para os aposentados por causa da regra do salário mínimo. Equacionar a previdência é a prioridade número um se você quiser administrar bem as poupanças públicas. Como a nossa demografia está piorando, o problema fica muito mais sério daqui para a frente. Então, antes de gastar mais no setor público, é preciso resolver esse problema da previdência.

Valor: Nas manifestações populares, há uma demanda por serviços de melhor qualidade e isso está sendo entendido como demanda por mais gastos. Como equacionar isso?
Arida: Minha leitura é um pouco diferente. De um lado, é notável o espírito em que as manifestações ocorreram porque não é uma manifestação europeia. Esta seria para exigir maiores salários com jornada de trabalho menor. A brasileira é de outra natureza. As pessoas querem uma melhoria do coletivo, não da sua situação individual. Isso é absolutamente notável, um ponto muito importante que merece aplausos. O que se demandava ali? Obviamente, um conjunto enorme de propostas, mas, em última análise, era que o Estado funcionasse melhor nas suas áreas próprias de atuação, que são segurança pública, transporte, educação e saúde. Nem era exatamente uma crítica ao governo federal. Na verdade, é como se a sociedade estivesse pedindo para o Estado se modernizar, deixar de ser um Estado desenvolvimentista típico do governo militar para ser um Estado moderno. No fundo, era o arcabouço básico do Plano Real, entendido como projeto de modernização do Estado.

Valor: O senhor tem dito que o país ainda não tirou todo o proveito do bônus da estabilidade econômica. O que seria exatamente isso?
Arida: Na época do Plano Real, todo mundo deixava dinheiro aplicado por um dia em títulos públicos. O volume de crédito era baixíssimo. Era uma economia que convivia com uma enorme restrição de crédito e um custo de capital muito alto. Quando se faz a estabilidade e ela se torna crível, algo que só se consegue com o tempo, a reação das pessoas é esperar para ver. A partir do momento em que cresceu a confiança no padrão monetário, naturalmente o volume de crédito aumentou, os prazos de financiamento ficaram mais longos. Isso faz com que a economia funcione de forma mais eficiente. Há um ganho de crescimento potencial enorme.

"É ótimo ter expansão de créditos? Não há dúvida, mas tem que ocorrer como resposta ao estado de confiança e não 
por indução artificial do governo"

Valor: Qual ganho?
Arida: O da normalização das relações de crédito. Esse ganho está longe de ser exaurido, embora tenha havido enorme progresso nos últimos 20 anos, que vemos em custo de capital com juros mais baixos, volume de crédito muito maior e avanço do mercado de capitais, que era pequeno naquela altura e hoje tem uma importância fundamental para a economia. Só que esses três dividendos ainda não foram exauridos. O Brasil tem muito a ganhar em termos de PIB potencial se continuar o projeto de "financial deepening" [aprofundamento]. Se compararmos com o Chile - não estou falando em comparar com os Estados Unidos -, estamos longe. Em volume de crédito, de hipoteca sobre PIB, custo de capital, capacidade de endividamento de pessoas e principalmente de companhias. Há um potencial de crescimento enorme.

Valor: Quais são os passos que precisam ser dados para que isso ocorra ou se acelere?
Arida: Primeiro, evitar artificialismos. É ótimo você ter expansão de crédito para a economia? Não há a menor dúvida, mas tem que ocorrer como resposta ao estado de confiança e não por indução artificial do governo.

Valor: Como foi feito nos últimos anos?
Arida: Foi o que aconteceu. O crescimento do crédito privado caiu e o crédito vindo do setor público foi aumentando, a tal ponto que hoje mais da metade do crédito vem daí. Você está aumentando o crédito por intervenção estatal e não porque há mais confiança do setor privado na estabilidade monetária. Obviamente, isso não é sustentável e gera distorções. Outro exemplo: se você aumenta o volume de crédito direcionado na economia, pode ter certeza que a economia perde eficiência. No fundo, há um grande planejador em Brasília que diz como é que o crédito tem que ser alocado. Hoje estamos no pico. A proporção de crédito direcionado em relação ao total é de 46%.

Valor: O governo alega que, na crise de 2009, os bancos represaram a liquidez. Já os bancos públicos aumentaram a oferta de crédito e sua inadimplência é a menor do mercado.
Arida: O que é preciso entender é que 2008 afetou o Brasil por contágio. Era uma crise de hipoteca nos EUA e o Brasil tem uma porcentagem de hipoteca mínima. Era uma crise de confiança na saúde dos bancos americanos e europeus que não tinha nada com o Brasil, mas a globalização tem disso. Quando você gera um episódio de aversão ao risco generalizada, com a percepção de possível quebra dos grandes bancos internacionais, as pessoas pensam o mesmo sobre o Brasil. O que houve em 2008 foi que o investimento entrou em colapso no mundo inteiro e no Brasil também. Colapsos de confiança se resolvem injetando mais confiança. A resposta adequada para um problema desse tipo é baixar a taxa de juros. O governo achou que tinha uma crise keynesiana de falta de demanda, portanto, achou que precisava ampliar gasto e o crédito públicos. Na verdade, a contração da demanda, de investimento, era um momento tópico, que se combate com taxas de juros mais baixas. Teria sido muito melhor para o Brasil reduzir drasticamente o custo de financiamento e não expandir em um centavo o gasto público ou o volume de crédito.

Valor: O governo fez as duas coisas.
Arida: Sim. A diferença é a capacidade de reversão. A economia brasileira, como não tinha problemas, reverteu muito rapidamente a crise de 2009. Só que, quando você estimula a economia via gastos, para parar de gastar é uma dureza: você já concedeu benefício a alguém, gastou com um novo programa, criou interesses privados que estão associados à continuação dos gastos. Já deu crédito subsidiado. Se tentar cortar, alguém do setor privado que está recebendo vai protestar. O que aconteceu é que, além do plano de reversão, a criatura teve vida própria. Se você olhar, o volume de gastos públicos e a expansão de créditos do setor público continuaram. Aquele processo que parecia uma resposta de curto prazo a um problema externo, na verdade virou uma política permanente que, se não fazia sentido em 2009, fez muito menos em 2013. Foi uma resposta errada de um lado e a incapacidade de reverter de outro. É um dos fatores responsáveis pela baixa taxa de crescimento da economia.

Valor: O senhor acha que chegou o momento de acabar com o crédito direcionado?
Arida: Não tenho a menor dúvida. É claro que terminar é um processo complicado, não pode ser de uma hora para outra. O mercado de capitais hoje é muito mais desenvolvido do que era na época dos militares ou 20 anos atrás. Então, a ideia de que é preciso estimular setores que não têm acesso a mercado de capitais valia nos anos 70, certamente não vale hoje. Esse volume de créditos subsidiados e direcionados provoca a elevação da taxa de juros.

Valor: Por quê?
Arida: O BC tem que assegurar que a inflação fique constante em 4,5%. Se tem um volume de crédito muito barato, ele põe a Selic mais alta para, na média, assegurar o mesmo efeito. Então, no fundo, se há setores que têm taxas de juros subsidiadas, o resto da sociedade paga a conta. Além disso, gera-se uma assimetria de poder enorme. Quem tem acesso ao crédito subsidiado é quem tem influência, lobby, representatividade junto ao poder político. E quem paga a conta é a empresa que não tem acesso a Brasília, a pessoa física que toma emprestado para comprar uma geladeira. Isso cria uma distorção enorme no país. Se você permitir reduzir a taxa Selic e evitar esse tipo de distorção, já dá um grande passo. O segundo passo é a política fiscal. Se tiver uma política fiscal muito mais apertada, você pode ter certeza de que a taxa de juros nominal que estabilize a inflação em 4,5% vai ser muito mais baixa. Tem um elemento de credibilidade na sustentação da política fiscal ao longo do tempo que é importantíssimo. De certa forma, se você apertar a política fiscal, seus gastos com juros vão cair. Não é o contrário. Nesse sentido, os nossos conceitos estão até errados. É verdade que o número de déficit público hoje não fala com o número de dez anos atrás porque as mudanças de contabilidade foram tantas que a série perdeu significado, mas o déficit tem que ser pensado não em um número exato, se é 1,9% do PIB, se é 2%, 3%. É claro que 3% é melhor que 1,9%, mas o que se quer com o controle do gasto público? Um conceito importante é estabilizar a dívida como proporção do PIB. O Brasil não tem uma dívida sobre o PIB muito alta. É mais alta que alguns emergentes, mas está longe de ser um problema de sustentabilidade. O mais importante é ter o superávit necessário para fazer com que se tenha confiança na taxa de juros. Não sei qual é o superávit primário suficiente para se alcançar isso, mas certamente é muito maior que o de hoje.
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REPORTAGEM POR  Célia de Gouvêa Franco e Cristiano Romero | De São Paulo
Fonte: Valor Econômico online, 27/06/2014

quinta-feira, 26 de junho de 2014

ELOGIO DO PÉ

Leonardo Boff*
Em tempos de Copa Mundial de Futebol, o pé é o que conta de verdade. Pois é com o pé que ganham ou se perdem partidas de futebol e eventualmente a Copa.

Entretanto, se algum extra-terrestre viesse à Terra e reparasse como os humanos tratam os pés, suspeito que ficariam escandalizados. Parece que os consideram a parte menos nobre do corpo pois os escondem. Pior, tentam sufocá-los com um pedaço de pano, chamado de meias. Depois estrangulam-nos com algo mais duro, de couro, os sapatos. E não contentes, amarram-nos com finas cordas, os cadarços, para se assegurar que não vão se libertar. E por fim, colocam todo o peso do corpo em cima dos pés, obrigando-os a cheirar o pó dos caminhos, a sofrer a dureza das pedras, a sentir o mau cheiro de tanto lixo jogado no chão.

Mas essa interpretação dos alienígenas é exterior e equivocada. O que fazemos aos pés é cuidar deles, pois constituem nosso meio natural de transporte. Mais ainda, os pés são o sinal mais covincente de nossa hominização. Deixamos para trás o reino animal quando nossos ancestrais antropóides se ergueram sobre os pés e começaram a andar eretos, a ver longe, permitindo o desenvolvimento do cérebro. Anatomicamente são um milagre, com dorso adaptado para aparar os atritos e planta consistente para defender-se das asperezas do solo. Uma rede de pequenos tendões garante as articulações que conferem equilíbrio aos movimentos. O que não fazem os dançarinos com os pés !?
O pé é tão importante que foi escolhido por muitos povos antigos e modernos, assim os anglo-saxões, como a unidade de medida. Um pé equivale a 12 polegadas que corresponde a 30,48 cm. A poesia, a forma mais nobre da literatura, tem que ter pés certos para ser harmoniosa.

Sem os pés não teríamos o futebol para o qual os pés são tudo. É o esporte mais criativo, diverso e mobilizador que existe. É uma metáfora do que melhor podemos apresentar: a combinação feliz do desempenho do indivíduo com a cooperação do grupo. Pode ser uma verdadeira escola de virtudes: autodomínio, tranquilidade, gentileza e capacidade de perdão ao não retrucar ponta-pé com ponta-pé. Porque somos humanos, às vezes tal coisa pode acontecer. Mas não é permitida. O jogador é advertido, punido com cartão amarelo ou vermelho e até pode ser expulso.

Se consultarmos o dicionário Aurélo encontramos aí mais de uma dezena de significações ligadas ao pé, em sua grande maioria positivas. Com o pé em algumas destas significações, vamos fazer o elogio do pé, pé que sustenta a paixão pela Copa do Mundo. Num mundo politicamente sem pé nem cabeça, com chefes de Estado metendo os pés pelas mãos nos conflitos na Síria, no Afeganistão e na Palestina e sempre em pé de guerra contra o terrorismo, encontramos no futebol um pé para pensarmos uma sociedade mundial que dê pé para formas de convivência amigável e até fraternal que encontram pé de apoio no entusiasmo das torcidas em todos os países.

Por um lado, devemos estar de pé atrás diante dos utopismos, por outro, não devemos arredar o pé na busca de formas civilizadas de conivência global. Logicamente esse mundo não chega nem aos pés do sonho de Jesus mas ele tem pé na esperança humana. Podemos começar com o pé direito já agora, ficando ao pé das vítimas, mesmo que tenhamos que fazer pé atrás às pressões dos poderosos. Mas vamos bater pé nessa causa sagrada, sabendo que ela não se alcança com o pé nas costas. Jamais vamos dar no pé.

Oxala nossos jogadores, alguns pé de ouro, não nos deixem a pé, para não termos que sofrer que só pé de cego.
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* Leonardo Boff é fllósofo  e teólogo e escritor
Artigo publicado em junho de 2006 por ocasião da Copa Mundial de futebol.
Fonte:  http://leonardoboff.wordpress.com/2014/06/26/elogio-do-pe/
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