J.J. Camargo*
Defendi desde sempre a teoria de que devemos evitar os
reencontros com pessoas que não vemos, sei lá, há mais de 20 anos. A
justificativa racional é que este tipo pode ter sido um grande parceiro,
gentil, carinhoso, solícito, disponível, e tudo de bom, mas a longa
abstinência sem morte trouxe uma verdade irrefutável: ele não era
indispensável.
Partindo desse princípio, é muito provável que o reencontro, programado ou acidental, se revele desastroso. Certamente teremos duas pessoas que a distância se encarregou de tornar tão diferentes que, agora sim, parecem mesmo dois estranhos absolutos. E não por culpa de ninguém, a vida faz isso com naturalidade, e nós nem percebemos o quanto mudamos porque fomos juntos com a mudança, mas quando nos confrontamos com um ex-companheiro de outra era e lugar, não nos reconhecemos nele e, mais do que isso, nos assustamos com a descoberta que, de repente, nos sentimos desconfortáveis em tentar reerguer rapidamente uma afinidade que o tempo se ocupou de dilapidar, lenta e completamente.
Surpreendidos pelo impacto do encontro não planejado, a primeira tendência é a de recuperar as histórias que, à época, consideramos muito engraçadas só para descobrir que agora já não são mais, e com grande probabilidade de parecerem apenas ridículas. E nada a ver com pretensão ou arrogância, mas tudo por culpa do inevitável refinamento do nosso senso de humor. Ou alguém discorda que na juventude nós rimos, rigorosamente, de qualquer coisa?
Com todos esses ingredientes, o reencontro pode ser ainda mais traumático quando ocorre no Exterior e, então, distante dos pagos, qualquer gesto menos carinhoso será interpretado, com justiça, como deserção afetiva. E a pecha de mascarado não orgulharia ninguém depois de um encontro marcado pela iniciativa aleatória do destino.
Partindo desse princípio, é muito provável que o reencontro, programado ou acidental, se revele desastroso. Certamente teremos duas pessoas que a distância se encarregou de tornar tão diferentes que, agora sim, parecem mesmo dois estranhos absolutos. E não por culpa de ninguém, a vida faz isso com naturalidade, e nós nem percebemos o quanto mudamos porque fomos juntos com a mudança, mas quando nos confrontamos com um ex-companheiro de outra era e lugar, não nos reconhecemos nele e, mais do que isso, nos assustamos com a descoberta que, de repente, nos sentimos desconfortáveis em tentar reerguer rapidamente uma afinidade que o tempo se ocupou de dilapidar, lenta e completamente.
Surpreendidos pelo impacto do encontro não planejado, a primeira tendência é a de recuperar as histórias que, à época, consideramos muito engraçadas só para descobrir que agora já não são mais, e com grande probabilidade de parecerem apenas ridículas. E nada a ver com pretensão ou arrogância, mas tudo por culpa do inevitável refinamento do nosso senso de humor. Ou alguém discorda que na juventude nós rimos, rigorosamente, de qualquer coisa?
Com todos esses ingredientes, o reencontro pode ser ainda mais traumático quando ocorre no Exterior e, então, distante dos pagos, qualquer gesto menos carinhoso será interpretado, com justiça, como deserção afetiva. E a pecha de mascarado não orgulharia ninguém depois de um encontro marcado pela iniciativa aleatória do destino.
SURPREENDIDOS
PELO IMPACTO
De um reENCONTRO, A TENDÊNCIA É a
DE RECUPERAR AS
HISTÓRIAS QUE
ANTES FORAM ENGRAÇADAS,
SÓ PARA DESCOBRIR QUE AGORA
JÁ NÃO
SÃO MAIS
Numa noite de terça-feira, sem atividade no congresso americano de cirurgia torácica, decidi ir ao cinema para passar o tempo. Na saída, a surpresa de encontrar ali um colega missioneiro que não via desde os tempos da faculdade.
O esforço pela descontração foi bilateral e simétrico, mas depois de cinco minutos estávamos exaustos e já havíamos repetido três vezes o clichê: “Mas que mundinho pequeno!” , tínhamos relembrado de passagem alguns episódios do centro acadêmico e revisado o obituário com algumas mortes, extemporâneas, naturalmente.
Esgotado o repertório das lembranças e das condolências, só restava atualizar a conversa, na tentativa desesperada de controlar a vontade cada vez maior de sair correndo. Ele me contou que tinha vindo à Flórida para visitar o irmão que vivia ali há muitos anos e que, como eu (veja a coincidência!), não tendo o que fazer, decidira ir ao cinema.
Não havia nenhuma garantia de estabilidade naquela conversa, mas a volta ao presente soava mais confortável e, com a intenção de mantê-la assim, perguntei o que me pareceu uma continuidade previsível: “E então, gostaste do filme?”.
E ele, com a mesma supersinceridade que o tempo não maculara, confessou com uma naturalidade comovente: “Mas tchê, gostar até gostei, mas que falta me fez as legendas!”.
Na volta ao hotel, mais de uma vez, o motorista do táxi virou para trás para tentar entender por que aquele tipo ria sozinho.
Depois que passou a graça da confissão espontânea, dormi gratificado pela generosidade do acaso que colocou no meu caminho aquele modelo de criatura capaz de envelhecer sem a hipocrisia do convívio social e, despreocupado de aparentar, gastou a vida na simplicidade de ser. Uma pena as décadas perdidas até reencontrá-lo!
Na noite seguinte, fui ao cinema outra vez. Podia ser que ele continuasse desocupado.
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* Médico. Colunista da ZH.
Fonte; ZH online, 14/06/2014
Excelente texto.... Leva-nos a clarear fatos e épocas... memóraveis... a princípio, porém de pouca valia depois...
ResponderExcluirGosto muito das escolhas e temas que aborda.. Abçsss..