O meu verdadeiro nome é Rakan Ben Zolof 25 e eu nasci noutro planeta. Algo que sempre desconfiei embora os meus pais adoptivos, cheios de amor, sempre o tenham negado. Quando, em pequeno, lhes afirmava cheio de certeza que não era daqui, respondiam-me tratar-se de devaneios de uma criança imaginativa que acreditava na existência de naves espaciais e de outras civilizações noutras galáxias, mas apenas isso, imaginação; um dia passaria. Diziam-me, ao contrário, que era daqui, como toda a gente, e que precisava de pôr os pés no chão e concentrar-me em coisas concretas: como os trabalhos de casa, deus e o diabo.
Foram queridos, os meus pais adoptivos, e quase me convenceram.
Mas cedo se tornou aparente que os habitantes daqui eram seres muito
diferentes de mim: super-homens e mulheres dotados de talentos e
poderes que me escapavam por completo e que eu só podia admirar.
A primeira vez que percebi que não era daqui foi quando fiz dezassete erros numa cópia. Tinha dez anos. Todos os meninos me olharam com estranheza e a professora partiu-me uma régua de plástico na palma da mão. Quando cheguei a casa e disse aos meus pais adoptivos que não era deste planeta, eles, condescendentemente, passaram-me a mão pelo cabelo. Mas à noite, quando pensavam que eu estava a dormir, ouvi-os falar com preocupação do assunto. Era verdade: eu tinha problemas, diziam, não me adaptava. Mais tarde, já crescido, os meus pais adoptivos mostraram os documentos que vinham junto comigo no saco de lixo galáctico que uma nave Vogon lhes tinha deixado à porta do quintal. Era verdade: não era daqui.
No meu planeta natal, que hoje sei estar numa galáxia em anel situada a 600 milhões de anos luz, a que vocês chamam de Objecto de Hoag, os habitantes falam pouco. Emitem alguns sons articulados mas não têm o dom, ou melhor, o superpoder da palavra. Não são mestres de vocabulário nem produzem tanto texto como os magníficos espécimenes deste planeta. No meu planeta natal não há muito a dizer, a memória é coisa curta, a conversa directa ao assunto e, talvez por isso, os habitantes andam quase sempre sorridentes e pouco zangados. Nada, ou quase nada, lhes lembra tristeza porque não se lembram de quase nada; e porque não deixam que as poucas palavras que usam (por saberem poucas) lhes enredem os pensamentos em paradoxos e contradições; a maior parte deles, dos pensamentos, não são grandes e solenes, como os dos super-homens e mulheres daqui, são antes pequeninos pensamentos e por isso pensamentos muito livres e felizes.
Mas a grande diferença entre este planeta e o meu planeta natal é a memória. Os habitantes do meu planeta natal têm pouca memória. Quiçá por serem menos prolixos, por terem menos léxico, no meu planeta natal cita-se pouco. A memória, coisa a que nada escapa, é outro dos superpoderes deste planeta. No meu há menos memória, inventa-se mais. Inventam-se vidas, histórias, passados. É um planeta onde não há História, só há ficção. Todos os dias a História é diferente, reinventada.
Quando eu era menino, as professoras diziam que eu era inventivo. Ser inventivo era uma coisa que dava más notas. Os supermeninos e meninas não eram inventivos. Alegremente copiavam e imitavam tudo o que era presente e passado; e pareciam felizes.
Mas estou agradecido, muitíssimo agradecido, aos meus pais adoptivos por me terem encontrado, recolhido e ensinado a estar aqui. Mesmo que de um modo desajeitado, consegui viver entre super-homens e mulheres e, às vezes, passar por um deles. Claro que os óculos, que escondem a minha identidade secreta, ajudaram muito.
Rakan Ben Zolof 25
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