Quando as pessoas tomam decisões, principalmente se envolvem risco,
usam partes diferentes do cérebro. O julgamento está ligado ao córtex
pré-frontal, região da parte da frente do cérebro. Emoções negativas,
como o medo, desencadeiam reações na amígdala cerebelosa. Situações de
conflito ativam outra parte, o córtex cingulado. Em resposta, a
respiração e os batimentos cardíacos também aceleram. Todo o processo
dura apenas meio segundo, tempo que o cérebro leva para captar uma
informação, processá-la e reagir.
É em um ambiente parecido com um hospital que laboratórios de
neurociência transformam esse processo físico em informação política.
Testes com ressonância magnética, eletroencefalograma e
eletrocardiograma, entre outros, podem ajudar marqueteiros a entender as
emoções dos eleitores. O uso desses recursos é uma novidade nas
eleições presidenciais deste ano. Fontes próximas à candidatura de
Eduardo Campos dizem que deverão ser usadas análises emocionais, além
dos tradicionais grupos de pesquisa, para saber as opiniões dos
eleitores e definir peças de propaganda na campanha do candidato do PSB.
"Nossas emoções influenciam nossos julgamentos", diz o cientista
político Antonio Lavareda, especialista em comportamento eleitoral e
campanhas políticas. "Razão e emoção caminham juntas numa eleição,
estruturando sentimentos, que são 'emoções conscientes', mais
sedimentadas." Lavareda é membro do conselho científico do NeuroLab
Brasil, laboratório de neurociência aplicada ao marketing, e preside o
conselho científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e
Econômicas. Em parceria com a neurologista Silvia Laurentino, do
Neurolab, conduziu estudo sobre as eleições presidenciais de 2010.
O comportamento do eleitor, afirmam neurocientistas, é fruto de
sentimentos que se formam e se consolidam ao longo da campanha. Derivada
das descobertas sobre o funcionamento do cérebro nas últimas duas
décadas, a denominada neuropolítica, ou neurociência da política, é
voltada para a compreensão dessas motivações emocionais. Seu uso, já
comum em campanhas políticas nos Estados Unidos e no Reino Unido,
firma-se como uma nova ferramenta para escrutinar o humor do eleitorado,
mas no Brasil ainda é pouco difundido.
"Há momentos em que prevalece a razão e
outros em que o engajamento e uma eventual polarização ideológica
tomam
conta do processo"
Com os participantes dos testes submetidos à propaganda dos
candidatos ou outras informações, um aparelho do eletroencefalograma
capta a atividade elétrica no cérebro e a ressonância magnética registra
as alterações do fluxo sanguíneo em determinadas áreas, revelando a
atividade cerebral. O "skin conductance", monitor conectado por uma
presilha a um dedo, mede a condutividade da pele para indicar o nível de
excitação do organismo. Também é comum o uso da eletrocardiografia, com
um medidor de frequência cardíaca, para avaliar a atividade elétrica do
coração, e do "eye tracker", que monitora a direção do olhar e o
envolvimento com uma informação. Um software mapeia os músculos faciais e
verifica respostas às emoções.
As respostas, na comparação com as pesquisas tradicionais, em que os
eleitores declaram sua opinião sobre um candidato, um produto ou algum
outro tema, em tese são consideradas mais verdadeiras. Enquanto
perguntas em formulários e pesquisas em grupo podem ser afetadas, por
exemplo, pelo constrangimento de dizer algo incorreto diante de
estranhos, testes nos laboratórios garantiriam respostas biológicas
"mais autênticas", vindas do subconsciente. Marqueteiros políticos usam
esse conhecimento para definir mensagens mais efetivas, escrever
comerciais e verificar como funcionam antes da exibição para o público.
"Continuamos a usar as declarações como matéria-prima", afirma Marcos
Antunes, sócio da AJF Inteligência, consultoria paulista de
neuromarketing. "Mas a neurociência permite verificar o que chama
atenção antes que a própria pessoa saiba."
Na campanha para a reeleição ao governo de Pernambuco, em 2010, os
estrategistas de Eduardo Campos já haviam usado estudos de neurociência.
Na ocasião, a equipe de Lavareda e do Neurolab analisou as reações dos
eleitores às propagandas de TV do governador e do oposicionista Jarbas
Vasconcelos (PMDB). Uma das descobertas foi que rejeitavam os ataques de
Vasconcelos ao adversário, identificando-o com as próprias críticas, o
que levou Campos a ignorar os ataques e fazer uma campanha propositiva.
Acabou reeleito, com 82,6% dos votos. Vasconcelos teve 14,05%.
"Estudos mostram que os eleitores, embora reajam às críticas
conscientemente, registram sete vezes mais as informações negativas que
circulam acerca de um candidato do que as positivas", diz Lavareda. "Ou
seja, críticas costumam ter impacto, sim, nas campanhas eleitorais."
O método também foi usado em um dos primeiros estudos brasileiros
sobre neurociência e política. Lavareda e a neurologista Silvia
Laurentino realizaram testes com 18 voluntários, nas eleições de 2010, e
constataram que os eleitores tinham emoções positivas quando viam
juntos, de braços erguidos, a candidata Dilma Rousseff e o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Já o então candidato tucano José Serra não
causava as mesmas emoções, mesmo em comparação com a candidatura de
Marina Silva, na época no Partido Verde. Dilma, apesar de disputar sua
primeira campanha, derrotou o veterano Serra no segundo turno.
Eleitores podem reagir mal à ideia de uma campanha desenhada para
atender a seus instintos, mais do que à razão. Mas a política apenas
segue práticas usadas há duas décadas pelo neuromarketing, a aplicação
da neurociência para desvendar o comportamento dos consumidores.
"Ninguém está lendo ou manipulando a mente, que são coisas impossíveis
de se fazer. O que se faz é uma leitura", diz Pedro Calabrez Furtado, da
consultoria Neurovox, também de São Paulo. Grandes empresas, como
Coca-Cola, McDonald's, Natura e Procter & Gamble, usam testes com
neurociência em suas campanhas publicitárias e produtos.
O uso da neurociência em marketing é a aplicação prática de vários
estudos recentes que comprovaram: nossas opções políticas são quase
sempre emocionais. "As pessoas são orgulhosas de suas crenças
políticas", diz o cientista político John Hibbing, da Universidade de
Nebraska-Lincoln. "Tendemos a pensar que são o resultado de alguma
escolha racional." Contra a visão clássica da ciência política, que
costuma ignorar o papel do cérebro, defendendo que nossas decisões são
lógicas, a combinação de alguma predisposição genética e experiências
passadas pode definir a maneira como votamos e vemos o mundo.
Saber o que sentimos, como sentimos e por que sentimos são perguntas
que primeiro a filosofia e depois a ciência buscam há milhares de anos. O
filósofo Platão, no século IV a.C., chamava as emoções de "cavalos
selvagens". O inglês David Hume argumentava, no século XVIII, que a
razão devia ser escrava da paixão. O austríaco Sigmund Freud, um século
atrás, afirmava que cada ato físico começa inconsciente e pode
permanecer assim ou continuar se desenvolvendo e tornar-se consciente.
As mais antigas tentativas de entender como esse processo funciona
foram do suíço Hans Barger, inventor do eletroencefalograma no início do
século XX. Nos anos 1940, testes realizados por psicólogos do Exército
dos Estados Unidos para aumentar a eficiência da propaganda dos Aliados
durante a Segunda Guerra levaram aos primeiros grandes estudos sobre
como a mente humana reage a mensagens - grande parte do trabalho foi
aproveitada pelo marketing político e para uso de grupos de pesquisa
qualitativas, surgido nos anos 1950. Mas o grande marco foi um trabalho,
de 2004, do neurocientista americano Read Montague, hoje diretor do
Laboratório de Neuroimagem Humana e da Unidade de Psiquiatria
Computacional da Virgínia, nos Estados Unidos.
Fatores biológicos, incluindo genes, seriam
responsáveis, pelo menos em parte, por opinões e atitudes em
questões de
natureza política
Então professor da Faculdade Baylor de Medicina, em Houston, Texas,
Montague refez o teste de 1975 em que pessoas provaram copos de
Pepsi-Cola e da Coca-Cola sem saber de qual dos refrigerantes se
tratava. Mais da metade disse que o melhor sabor era da Pepsi. Mas por
que a Coca vende mais? Montague monitorou os cérebros de 67 voluntários.
Quando não sabia qual refrigerante bebiam, o resultado foi o mesmo de
28 anos antes. Mas quando foram informados sobre o que bebiam 75%
escolheram a Coca-Cola. A memória positiva da Coca-Cola, concluiu o
neurocientista, prevalece no julgamento dos consumidores, não importa o
que a razão diga.
Estudos, principalmente de psicólogos americanos e ingleses, revelam
que a lógica do marketing vale para a política. Eleitores, como qualquer
pessoa, tomam decisões mais baseadas nos sentimentos do que na razão.
"O cérebro político é um cérebro emocional", afirma o psicólogo
americano Drew Westen, da Universidade de Emory, autor do livro "O
Cérebro Político", estudo sobre como os preconceitos ideológicos são
emocionais. O que motiva eleitores, segundo ele, são seus desejos, medos
e valores; as emoções têm sempre um papel.
Dez anos atrás, Westen selecionou 30 eleitores americanos, 15
democratas e 15 republicanos, e exibiu a cada um imagens de seus
candidatos favoritos, George W. Bush, que buscava a reeleição, ou o
atual secretário de Estado americano, John Kerry, então o desafiante
democrata, contradizendo um ao outro. Os voluntários se mostraram
capazes de apontar as contradições do candidato rival, mas não
reconheceram quando seu candidato mentia ou manipulava os fatos. Exames
de ressonância magnética mostraram que seus cérebros entravam numa
espécie de curto-circuito.
Partes do cérebro mais associadas à razão, na face dorsolateral do
córtex pré-frontal, ficaram quietas, mas o córtex orbital frontal,
envolvido no processo das emoções, ficou agitado. Também havia confusão
no cingulado anterior, associado com a resolução de conflitos, e no
cingulado posterior, preocupado com os julgamentos morais. Uma vez que
as contradições eram ignoradas, foi ativado o estriato ventral, a região
relacionada com recompensa e prazer, uma indicação de que cada
participante, a despeito dos fatos, só ficou satisfeito com uma
conclusão confortável.
Em um dos primeiros estudos brasileiros sobre neurociência e
política, Lavareda e a neurologista Silvia Laurentino realizaram testes
com 18 voluntários nas eleições de 2010. Os equipamentos constataram que
os eleitores tinham emoções positivas quando viam juntos, de braços
erguidos, a candidata Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva. O então candidato tucano José Serra não causava emoções de
igual tipo, mesmo em comparação com Marina Silva. Dilma, apesar de
disputar sua primeira campanha, derrotou o veterano Serra no segundo
turno.
Outro trabalho, de Darren Schreiber, da Universidade inglesa de
Exeter, e Read Montague sugere que a visão política está ligada à
maneira como o cérebro percebe o mundo. Analisando a ideologia de
voluntários e seus exames de ressonância magnética, observaram que
algumas áreas ficaram mais ativas entre os voluntários que se declaravam
liberais e outras nos conservadores, embora as atitudes dos dois grupos
nem sempre fossem diferentes. "Perspectivas políticas", concluem os
dois cientistas, "refletem diferenças na maneira como percebemos o
mundo."
Crescente número de estudos sugere também que fatores genéticos podem
exercer influência significante no eleitorado. Fatores biológicos,
incluindo genes, níveis de hormônios e sistemas neurotransmissores
seriam responsáveis, pelo menos parcialmente, por opiniões e atitudes em
questões como gastos do Estado, imigração e casamento gay.
Pioneiro nesse tipo de estudo, o geneticista australiano Nicholas G.
Martin sugeriu, em 1986, que posições políticas podem estar ligadas aos
genes. Em testes com gêmeos, Martin, hoje pesquisador do Instituto de
Pesquisa Médica Queensland, em Brisbane, Austrália, descobriu que os
idênticos têm posições políticas mais parecidas do que os não idênticos,
mesmo se do mesmo sexo. Como todos foram criados com a mesma educação e
na mesma família, a genética seria a explicação para suas opiniões. O
estudo foi ignorado na época, mas na década passada foi recuperado por
pesquisadores e reaplicado em estudos nos Estados Unidos, Austrália,
Suécia e Dinamarca, servindo de base para novas interpretações.
Há uma razão para a cautela quando se fala de genética e política. No
fim do século XIX, as ideias do italiano Cesare Lombroso geraram uma
onda de preconceito contra homens altos, pessoas tatuadas e mulheres com
voz grossa, todas, entre outras, apontadas como características do
"criminoso nato". O movimento eugenista e as teorias nazistas no início
do século XX tornaram os cientistas profundamente céticos quanto a
ligações entre biologia e comportamento político. Também há razões
práticas. No caso de gêmeos, nenhuma pesquisa conseguiu definir o peso
do ambiente nas posições pessoais deles e os estudos até hoje se afirma
que falta consistência aos estudos.
No entanto, estudos mais recentes, sobre relações entre genes e
esquizofrenia, depressão e orientação sexual, abriram caminho para
pesquisas que mostram que a biologia pode ter um papel em nossa visão do
mundo. Características genéticas estariam, por exemplo, por trás das
posições mais conservadoras de pessoas a partir dos 30 anos. Embora nem
todos os jovens sejam liberais e nem todas as pessoas mais velhas se
tornem conservadoras, esse é um fato conhecido dos analistas e
marqueteiros políticos.
"Eleitores registram sete vezes mais as informações negativas acerca de um candidato do que as positivas",
diz Antonio Lavareda
Um estudo realizado pelo psicólogo canadense Robert Altemeyer testou
essa mudança aplicando os mesmos testes de ideologia a jovens ao longo
de anos, experimento com o qual chegou à conclusão polêmica de que
conservadores são autoritários. Aos 22 anos, as respostas de 5,4% os
definiam como conservadores. Depois dos 30, o número subiu para 30%.
Para o americano Avi Tuschman, autor de "Our Political Nature: The
Evolutionary Origins of What Divides Us" (nossa natureza política: as
origens evolucionárias do que nos divide), a razão está no
desenvolvimento humano. O cérebro torna as pessoas mais abertas a novas
ideias a partir da adolescência, quando começa a vida sexual, mas a
partir dos 30 anos, com a paternidade e relacionamentos estáveis,
posições políticas moderadas seriam reflexos de uma cautela geral com a
vida. "Altos índices de abertura encorajam os jovens a vagar pelo mundo e
encontrar um parceiro. A consciência (associada ao conservadorismo) é
crucial quando se forma uma família."
A ideologia também pode estar ligada a características físicas do
cérebro, segundo um estudo, de 2011, do neurocientista cognitivo Ryota
Kanai, da Universidade de Sussex, na Inglaterra. Ao comparar exames de
ressonância magnética com as respostas de 90 voluntários, ele notou que
nos liberais (usando o conceito americano de liberalismo de costumes,
não econômico) era maior o volume da massa cinzenta no córtex cingulado
anterior, região em forma de colar no cérebro, que avalia custos e
benefícios das decisões e é ligada ao controle dos impulsos e à empatia.
Os conservadores tinham um aumento na amígdala cerebelosa, o grupo de
neurônios no lobo temporal do cérebro em que ocorre o desenvolvimento e o
armazenamento das memórias emocionais.
Um dos problemas para generalizar as conclusões dos estudos é definir
posições políticas. Entre americanos, as noções de conservador e
liberal quase sempre dizem respeito a questões morais, como aborto e
casamento gay, mas não variam muito sobre economia. No Leste europeu, um
conservador é um ex-comunista ou defensor do socialismo, mesma posição
de um progressista no Brasil, onde o liberalismo é mais alinhado com o
americano. No Oriente Médio e na Ásia, as posições também variam.
As conclusões também não são unanimidade. Um dos limites é o ambiente
em que ocorrem os testes. Quão naturais podem ser consideradas
respostas obtidas com uma touca de eletrodos na cabeça ou dentro de um
aparelho de ressonância magnética? Também não faltam críticas ao mapa de
reações cerebrais criado para analisar as reações.
"Você põe alguém numa máquina de ressonância magnética e vê que a
amígdala ou o lobo da ínsula acende durante certas atividades. Mas a
amígdala acende durante medo, felicidade, novidade ou raiva. Ou
excitação sexual (pelo menos entre as mulheres)", argumentam a
psiquiatra Sally Satel, professora de Medicina na Universidade de Yale, e
o psicólogo Scott O. Lilienfeld, da Universidade de Emory, em
"Brainwashed: The Seductive Appeal of Mindless Neuroscience" (Lavagem
cerebral: o apelo sedutor da neurociência vazia). "O lobo da ínsula tem
um papel na confiança, empatia, aversão e descrença. Então, para o que
você está olhando?"
Por fim, testes e estudos levantam uma pergunta. Se somos dominados
pela emoção. onde entra a razão? "Depende do eleitor e do momento
histórico", diz o neurocientista Álvaro Machado Dias. A razão tende a
sobrepujar a emoção nas pessoas menos engajadas em questões ideológicas e
com uma visão mais prática e utilitarista da política. Mesmo os estudos
que apontam causas biológicas em posições políticas evitam o
determinismo. "Há momentos em que prevalece a razão e há momentos em que
o engajamento e uma eventual polarização ideológica tomam conta do
processo."
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REPORTAGEM POR Alexandre Rodrigues | Para o Valor, de São Paulo
Fonte: Valor Econômico online, acesso 14/06/2014
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